Descendo a escada

Eliane Cantanhêde

 

11/07/2017

 

 

PRESIDENTE ACUSADO

O governo Michel Temer desceu mais alguns degraus ontem, com o parecer do deputado Sergio Zveiter (PMDB-RJ) que acatou a denúncia da PGR contra o presidente alegando que, nesta fase do processo, de acatar ou não, o in dubio pro societate prevalece sobre o universal in dubio pro reo. Em resumo: a sociedade brasileira tem o direito de saber se Temer é ou não culpado. E só vai saber se houver investigação.

Em resposta, o advogado Antonio Cláudio Mariz de Oliveira foi enfático, até emocionado, para criticar o Ministério Público, condenar a “precipitação” da denúncia, questionar o privilégio da sociedade sobre o indivíduo e falar à alma dos muitos parlamentares que “tiveram a desventura” de serem citados ou investigados: “Como a sociedade se sobrepõe à minha dignidade, à minha individualidade?”

Ao contrário, Zveiter destacou que não cabe à Comissão de Constituição e Justiça nem mesmo à Câmara investigar e muito menos julgar o presidente, o que compete ao Supremo e ao MP. Assim, o que ele submeteu ao plenário da CCJ foi que há “indícios de autoria que justificam acatar a denúncia” e autorizar as posteriores investigações para colher, e apresentar ao final, as provas cabais. O ônus das provas é do STF e do MP.

Com o apoio da equipe jurídica da Câmara, o deputado carioca concluiu que há “sólidos indícios de autoria e materialidade” apresentados na denúncia do procurador-geral Rodrigo Janot. E ele focou em dois: Temer recebeu Joesley Batista como presidente e na residência oficial de presidente, o que não caracteriza “violação de intimidade”; e o STF, em 1997, já classificou como prova lícita uma gravação ambiental quando feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro.

Mariz devolveu repetindo uma expressão do ministro do STF Gilmar Mendes. Segundo ambos, o MP está criando “o direito penal do porvir”, quando os juízes não julgam mais, os procuradores “é que julgam e condenam”. E Mariz, mais uma vez, advertiu subliminarmente os parlamentares ao insinuar que eles podem ser as próximas “vítimas”: “Vamos gravar! Vamos denunciar! Vamos prender!” Soou assim: se vale com o presidente, vale para Vossas Excelências...”

Para o advogado, a gravação com Temer foi “clandestina e covarde, com objetivos políticos” e o relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, acatou a denúncia e a própria gravação “açodadamente”, sem nenhuma investigação e sem ouvir ninguém. Em sua defesa, ele questionou a existência de “indícios sólidos” e disse que, mesmo que a gravação venha ser considerada lícita, ali o presidente “não pediu nada, não recebeu nada, não facilitou nada para ninguém”.

A competição entre Zveiter e Mariz resume os argumentos dos contra e dos pró-Temer que vão se repetir em todo o processo. Mas, na bancada de deputados da CCJ, talvez interessem menos os argumentos e mais as câmeras que transmitem as sessões ao vivo para seus eleitores. A questão é, essencialmente, política.

Assim, a CCJ deu o primeiro passo para a queda de Temer com o parecer de Zveiter, deve dar um segundo no seu plenário de 66 membros e, independentemente da decisão na comissão, quem vai sustar o processo ou autorizá-lo no Supremo será o próprio plenário da Câmara, com 513 deputados. No andar da carruagem, a sensação é de que a decisão será contra Temer.

“Que provem que Temer recebeu, quanto recebeu, quando recebeu!”, bradou Mariz. Se a Câmara autorizar, a PGR é que terá de responder e o Supremo é que julgará. Mas, atenção: se o Supremo acatar o processo, Temer será afastado e, se for, não voltará. Assim, a etapa inicial, política, na Câmara, é fundamental para a sobrevivência ou não de Temer.

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Mariz diz que MPF 'extrapola' sua atuação 

Daiene Cardoso, Isadora Peron, Julia Lindner e Renan Truffi 

11/07/2017

 

 

Advogado de Temer afirma ‘rezar’ para que sua fala tenha convencido comissão

O advogado Antônio Claudio Mariz de Oliveira criticou ontem o Ministério Público e Supremo Tribunal Federal na defesa que fez do presidente Michel Temer durante a sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Após ouvir o parecer do deputado Sergio Zveiter (PMDB-RJ), favorável à admissibilidade do pedido da Procuradoria-Geral da República, Mariz acusou o Ministério Público de “extrapolar” as suas prerrogativas ao produzir uma “peça de ficção” contra o presidente.

O advogado atribuiu parte da “culpa” ao ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato no Supremo, por, segundo ele, homologar o acordo de delação premiada da JBS “açodadamente”. A colaboração foi usada como base da acusação contra o presidente pelo crime de corrupção passiva em análise na Câmara dos Deputados.

“Instaurou-se açodadamente inquérito com reflexos seriíssimos na governabilidade do País”, afirmou Mariz, ao destacar que o conteúdo do pedido é “nada acusatório”, disse.

O advogado do presidente da República ainda acusou o Ministério Público de atuar de “forma seletiva” na escolha de provas que integram o texto do processo. “Uma prática horrorosa, em que eu só ponho nos autos aquilo que me interessa”, disse o criminalista. Ele citou trechos de depoimentos que poderiam, de acordo com ele, contradizer a tese dos procuradores, mas que ficaram de fora da acusação contra Temer.

O advogado foi aplaudido por deputados da base aliada quando propôs ajuda para a elaboração de um possível projeto de regulamentação do instituto da delação premiada. “Nenhum delator saiu sem alguma restrição de liberdade; esses (os irmãos Joesley e Wesley Batista, acionistas do Grupo J&F, que controla a JBS) tiveram como prêmio a impunidade absoluta, com direito a sair do País”, afirmou Mariz durante a sessão na CCJ da Câmara.

‘Infame’. O advogado do presidente também afirmou que a Procuradoria-Geral da República não conseguiu provar como e onde Temer teria recebido os R$ 500 mil entregues ao ex-deputado e ex-assessor especial da Presidência Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR).

Loures, também citado na delação premiada da JBS, foi filmado pela Polícia Federal carregando a mala contendo o dinheiro. “Onde e quando Temer recebeu R$ 500 mil? Mata-se a honra com uma acusação infame, o in dubio é sempre pro reo”, afirmou o criminalista. Na semana passada, o advogado entregou à presidência da CCJ o documento de defesa, 98 páginas em que contesta, em 11 tópicos, a acusação do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que ofereceu a denúncia contra o presidente. O advogado disse considerar os parlamentares da CCJ como “magistrados”. “É como se eu estivesse no tribunal”, declarou.

Após a sustentação oral na sessão da CCJ, o advogado do presidente disse, durante entrevista, “rezar” para que sua argumentação “supere” o relatório de Zveiter. “Eu aposto, torço, rezo para que a minha fala supere o relatório”, afirmou Mariz.

Celeridade. Para o advogado, o melhor seria que o plenário da Câmara deliberasse sobre a denúncia ainda neste mês. “Esse verdadeiro dilema em que se encontra o País precisa ter um término rápido. O Brasil precisa andar, nós não podemos ficar andando em torno da Operação Lava Jato, de delação, etc.”

Ainda de acordo com Mariz, a estratégia de defesa do presidente não muda, mesmo após a derrota de ontem sofrida no colegiado da Câmara.

Defesa

“Instaurou-se açodadamente inquérito com reflexos seriíssimos na governabilidade do País.”

“Onde e quando o presidente Michel Temer recebeu R$ 500 mil? Mata-se a honra com uma acusação infame, o in dubio é sempre pro reo.”

Antônio Claudio Mariz de Oliveira

ADVOGADO DE MICHEL TEMER

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Sergio Zveiter não enfrentou acusação sobre R$ 500 mil 

Luiz Maklouf Carvalho

 

11/07/2017

 

 

“Quando? Onde? De quem? Em que circunstância? Em São Paulo ou em Pirituba?” Com essa enfática sequência de perguntas – tratava-se, afinal, do destino preciso de nada menos do que meio milhão de reais –, o advogado Antonio Cláudio Mariz de Oliveira deixou a descoberto a omissão do deputado-relator Sergio Zveiter sobre a questão mais crucial da denúncia contra o presidente Michel Temer pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Qual seja: o presidente recebeu ou não recebeu a bolada?

Dando-se ao perigoso luxo de acusar sem nenhum indício, quanto mais prova, Janot afirma, na denúncia que Zveiter relatou, que Temer recebeu o dinheiro depois do primeiro destinatário, o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures. Não é necessário ter conhecimento jurídico para saber que a denúncia, neste ponto específico, não traz nenhum elemento que sustente a acusação – basta lê-la.

Zveiter, jurista, poderia ter sido o primeiro a pelo menos questionar a leviandade do PGR – para todos perigosa –, mas preferiu o conforto de não confrontar. Viu, onde nada há, “indícios sérios e suficientes de autoria e materialidade delitiva”. Não frisou o ponto central – como que o presidente recebeu a fortuna, afinal? –, porque seria obrigado a fazer as perguntas óbvias: de quem? Em São Paulo ou Pirituba?...

Mariz as fez – em mais um repto para os ouvidos moucos do procurador-geral. “Mata-se a honra com uma acusação infame!”, afirmou, com as mãos ‘arranhando’ levemente o rosto, que o tempo e as rugas em torno do queixo vão tornando parecido com um vovô boneco de ventríloquo experimentado. Pode não ser o caso da denúncia como um todo – a Justiça, afinal, é que vai dizer –, mas certamente o é na gravidade e no vazio do meio milhão.

 

O Estado de São Paulo, n. 45192, 11/07/2017. Política, p. A6