Título: Por fora da ONU
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 09/02/2012, Mundo, p. 20
Estados Unidos já estudam intervenção militar para pôr fim à repressão aos opositores de Al-Assad. Exército de desertores pode ganhar armas
A Casa Branca determinou ao Pentágono e ao Comando Central dos Estados Unidos que façam uma "revisão preliminar interna das capacidades militares norte-americanas" para o caso de um ataque à Síria. Segundo a rede de tevê CNN, o presidente Barack Obama ainda estaria disposto a esgotar todas as vias diplomáticas para solucionar a crise, ante a inação da Organização das Nações Unidas (ONU). Uma declaração da secretária de Estado, Hillary Clinton, levantou suspeitas de que os EUA cogitam armar o Exército Livre Sírio, uma facção formada por desertores das foras de segurança do ditador Bashar Al-Assad. "Muitos sírios que estão sendo atacados por seu próprio governo começam a se defender, e é de se esperar que seja assim", afirmou a chefe da diplomacia de Washington.
Oficialmente, o governo norte-americano nega a possibilidade e admite que estuda ampliar a assistência humanitária à população civil. A situação na Síria ruma para a guerra civil. A tevê estatal de Damasco acusou um "grupo terrorista" de ter detonado um carro-bomba em Homs (centro), matando e ferindo várias pessoas no bairro de Baba Amr. Ainda segundo a emissora do governo, em Idlib (noroeste), "um grupo armado atacou um prédio de recrutas militares".
Casa destruída, no mesmo distrito: bombardeios entraram ontem no quinto dia
Um dia após se reunir com Al-Assad, o chanceler russo, Serguei Lavrov, defendeu ontem que os sírios devem decidir eles mesmos o futuro de seu governo. "Qualquer conclusão do diálogo nacional deve ser o resultado de um acordo entre os próprios sírios, aceitável para todos os sírios", explicou. De acordo com ele, "tentar determinar o resultado do diálogo nacional não corresponde à comunidade internacional". Rússia e China bloquearam, no último sábado, uma resolução da ONU que condenava a repressão na Síria.
Desespero Qualquer tipo de ajuda imediata é tudo o que mais desejam os moradores de Homs, a cidade considerada o centro do levante contra Al-Assad. Durante alguns segundos, o Correio pôde escutar o som das baterias antiaéreas das tropas de Al-Assad, por meio do celular do jornalista Omar Shakir, 21 anos. Refugiado em uma casa do bairro de Baba Amr e acompanhado de 20 pessoas de três famílias diferentes, ele contou à reportagem que não dorme há quatro dias. "O som das explosões é constante e assustador. Al-Assad está punindo seu próprio povo", afirmou. Ele defende que o presidente sírio seja retirado do poder a qualquer custo e entregue ao Tribunal Penal Internacional, sediado em Haia (Holanda). Segundo Omar, os estrondos em Homs são intercalados pelos gritos da população. "Allahu Akbar" ("Deus é maior", em árabe") e "F..., Bashar" ecoam pelas ruas.
"Eu espero que os EUA armem o Exército Livre Sírio. Al-Assad está matando nosso povo com foguetes. Precisamos de qualquer ajuda", desabafou o rapaz. Omar relatou que cerca de 100 pessoas morreram ontem na cidade — 43 delas apenas em Baba Amro. "Hoje (ontem), uma moradora de meu bairro perdeu ambas as pernas e a outra foi despedaçada por um morteiro. Eu vi os corpos", acrescentou. As agências de notícias informaram sobre a morte de 18 recém-nascidos, depois que um blecaute atingiu as incubadoras. O Observatório dos Direitos Humanos da Síria cita 69 mortos, 50 somente em Homs.
Em outra parte de Homs, a ativista Salam Homsi (nome fictício), 22 anos, admitiu à reportagem que o Exército Livre Sírio carece de armamentos. "Eles estão nos protegendo, são heróis. No entanto, quando Al-Assad nos bombardeia, não podem fazer muito para nos proteger. O regime está trazendo para cá o Exército, tanques e até a aviação. O que a oposição pode fazer contra isso?", pergunta. Desde terça-feira, Salam não ousa sair de casa. "Há franco-atiradores por todos os lugares, e eles atiram nas pessoas", disse.
Navi Pilay, alta comissária da ONU para os direitos humanos, fez um apelo urgente à comunidade internacional para que proteja os civis sírios. "O fracasso do Conselho de Segurança em concordar sobre uma firme ação coletiva parece ter abastecido a prontidão do governo sírio em massacrar seu próprio povo, num esforço para esmagar a dissidência", afirmou.