"E la nave va", mesmo sem reforma

Cristiano Romero

28/06/2017

 

 

O Congresso Nacional só voltará a tratar da reforma da Previdência depois de apreciar as denúncias da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente Michel Temer. Por enquanto, foi formalizada apenas uma denúncia - de corrupção passiva - e as outras duas - por obstrução de Justiça e organização criminosa -, conforme apurou o repórter Murillo Camarotto, do Valor, serão apresentadas apenas a partir de agosto. A prioridade do Congresso e do próprio governo será analisar e votar essas denúncias, o que, como se vê, levará tempo.

Quando enviou à Câmara dos Deputados a proposta de reforma, a equipe econômica optou por formular um texto ambicioso, sabendo que os congressistas rejeitariam boa parte das proposições. Os técnicos do governo acreditavam que, se 70% da proposta fosse aprovada, já estaria de bom tamanho. Com a eclosão em meados de maio da crise que ameaça o mandato de Temer, a expectativa diminuiu. Ainda não se fala de uma nova desidratação do texto proposto, mas já se sabe que as condições políticas para aprovação mesmo dos 70% não existem mais.

A reforma da Previdência é crucial para o equilíbrio das contas públicas no médio e longo prazo. Basta lembrar que os gastos previdenciários respondem por quase 57% da receita líquida da União. Quanto mais rápida fosse a aprovação, melhor seria, no curto prazo, para as condições financeiras do país - taxa de juros, taxa de câmbio, bolsa de valores e risco externo. Do ponto de vista fiscal, porém, um atraso de alguns meses não faz muita diferença, afinal, os efeitos da reforma só vão se materializar ao longo do tempo.

A crise que abala Temer afetou as condições financeiras - os chamados indicadores de alta frequência - imediatamente, mas nas semanas seguintes o humor dos mercados melhorou, mesmo com o agravamento da situação do presidente. A Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda calcula um índice - o de Situação Financeira - que reflete o comportamento dos indicadores de alta frequência. Entram na conta as variações do dólar, dos juros de prazos mais longos, do Ibovespa e do CDS (sigla em inglês de Credit Default Swap, que mostra o risco-país). No cálculo, a volatilidade dos indicadores é ajustada para que eles tenham o mesmo peso relativo.

Quando o Índice de Situação Financeira fica acima da linha (zero), é sinal de que a situação não é boa; quando fica abaixo, é porque o momento é favorável. Na série desde 2005, o índice mostrou maior estresse, grosso modo, nos períodos de agosto a dezembro de 2008 (crise mundial), de junho de 2013 a junho de 2014 (anúncio do fim do "quantitative easing" pelo banco central dos Estados Unidos e deterioração fiscal no Brasil) e de junho de 2015 a abril de 2016 (perda do grau de investimento, redução da meta fiscal e então enfraquecimento do ministro da Fazenda, Joaquim Levy).

Com a posse de Temer e da equipe econômica chefiada por Henrique Meirelles, o índice voltou a operar em território positivo, isto é, abaixo da linha. No dia em que foi revelado um diálogo embaraçoso do presidente com o empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS, o indicador teve uma piora sutil, mas se recuperou nas semanas seguintes. Esta é uma diferença interessante entre a crise atual e o padrão histórico do país: apesar do momento claramente negativo tanto do ambiente político quanto do econômico, o pânico não se instaurou.

O Brasil aparentemente saiu da pior recessão de sua história no primeiro trimestre deste ano, quando o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 1% no primeiro trimestre em relação ao trimestre anterior, puxado pela agropecuária, que, sozinha, respondeu por 0,8 ponto daquela expansão. A expectativa para o segundo trimestre, mesmo da equipe econômica, era de uma queda forte em relação ao ritmo do primeiro. Os meses de abril e maio, entretanto, surpreenderam positivamente.

A dúvida passou a ser sobre o impacto da crise de Temer na recuperação da atividade. A percepção, na área econômica do governo, é a de que essa crise tem influenciado muito menos o PIB do que se esperava. Em maio, quando a temperatura da política subiu, vários indicadores, já retirados os efeitos típicos do mês, cresceram bem em relação a abril. Ainda é cedo para falar de junho, mas os técnicos acreditam que a economia continuará se recuperando nos próximos meses, embora a um ritmo bem mais lento.

O Ministério da Fazenda vinha apostando que, no último trimestre de 2017, o PIB cresceria 2,7% em relação ao mesmo período de 2016. Essa projeção mudará na próxima revisão, para algo um pouco acima de 2%. O estado de "standstill" (palavra em inglês usada pelos economistas para designar uma economia paralisada, à espera de notícias) impacta a atividade, sustenta uma fonte do governo, no curto prazo.

Nem o mercado nem o chamado setor real da economia se importam mais com o destino de Temer. A economia segue funcionando, mas voando baixo. Mesmo que o presidente sobreviva às denúncias da PGR, ele sairá mais fraco do que entrou nesta crise, portanto, sem condições de tocar a agenda que propôs ao Congresso. A questão importante para a economia agora é outra: quem vencerá a eleição de 2018? Que risco corre a agenda de reformas proposta pelo atual governo?

O ex-presidente Lula, do PT, lidera as pesquisas neste momento. Se eleito, será o Lula pragmático de 2003 ou o Lula "histórico", que combateu tudo o que o pragmático fez? Mas Lula conseguirá ser candidato? Se não for, será no mínimo um "cabo eleitoral" relevante de um candidato que ele mesmo indicar. Quem será esse candidato?

Jair Bolsonaro (PSC-RJ) segue forte nas enquetes, mas, com seu discurso de ultradireita, resistirá aos debates num país que sempre evita, pelo menos em eleições presidenciais, os extremos à direita e à esquerda? Marina Silva (Rede) conseguirá ser competitiva? O PSDB terá um candidato imune à Operação Lava-Jato e superará as divisões internas para lançá-lo com chances de ganhar a disputa? Quem será o candidato "mainstream" (convencional, do status quo) que, sem envolvimento na Lava-Jato, defenderá a agenda reformista? A crise da política tradicional abrirá caminho para aventureiros?

 

(...)

 

Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4285, 28/06/2017. Brasil, p. A2.