Presidente falou para o júri da Câmara dos Deputados

Raymundo Costa

28/06/2017

 

 

O presidente Michel Temer falou nesta terça-feira como advogado, mas seu objetivo foram os 513 deputados que vão decidir se ele deve ou não ser processado no Supremo Tribunal Federal (STF) pela prática do crime de corrupção passiva. Acuado pela denúncia do procurador-geral Rodrigo Janot, o presidente só tem como sair do canto do ringue demonstrando autoridade e coragem. Se ficar na defensiva, está perdido.

O discurso de Temer foi facilitado pela fragilidade do trabalho apresentado por Janot. Esperava-se uma denúncia contundente, envolvendo o PMDB, a JBS, a Caixa Econômica e o doleiro Lúcio Funaro, mas a representação não teve nenhum fato novo além da delação de Joesley Batista. Não foram anexadas provas. Só a delação é algo que não basta para condenar um acusado, como acaba de decidir o rigoroso Tribunal Federal de Recursos da 4ª região, no caso Vaccari.

Tudo isso permitiu a Temer ser afirmativo. O presidente aproveitou a experiência de 40 anos no exercício da advocacia para falar com desenvoltura, como se dirigisse a um corpo de jurados. E se dirigia. Mais especificamente a um grupo de cerca de 300 deputados que constituem a chamada maioria silenciosa da Câmara, mas que decide as votações. Nesse juri, Michel Temer tem mais ibope do que Rodrigo Janot, mas sofreu desgastes desde que a delação de Joesley foi divulgada.

A pergunta a ser feita é: quem teve coragem de votar em Eduardo Cunha (Cunha só perdeu na Câmara depois de afastado) e mantê-lo na presidência da Câmara, apesar de as pesquisas mostrarem que o ex-deputado era o político mais odiado do país, terá medo de votar em Michel Temer? É improvável. Janot terá que mostrar muito mais, se quiser a autorização e, mais tarde, condenar o presidente. A estratégia do fatiamento de denúncias também não favorece Janot na Câmara, onde a atitude é vista como uma molecagem.

Em seu discurso, Temer dirigiu-se a uma classe política que lastima ter capitulado a todas as investidas do Judiciário sem ganhar nada em troca. Não reagiu quando o ex-ministro Teori Zavascki suspendeu o mandato de Eduardo Cunha, mesmo o juiz tendo reconhecido que era uma decisão excepcional; aceitou a prisão do ex-senador Delcídio do Amaral e hoje não sabe o que fazer com o mandato do senador Aécio Neves (PSDB-MG), afastado por uma decisão monocrática do ministro Edson Fachin.

A chave está na palavra "ilação". Segundo Michel Temer, falando "com conhecimento de causa", o Ministério Público Federal reinventou o Código Penal e incluiu uma nova categoria em seus artigos: a denúncia por ilação. É uma "ilação" que leva Janot a concluir que Temer cometeu o crime de corrupção passiva. Está na denúncia. "Abriu-se portanto um precedente perigosíssimo", disse, dirigindo-se a quase uma centena de deputados-juízes também atingidos por delações. Algo na linha do "eu sou você amanhã. Tome cuidado!"

Temer também bateu no fígado de Janot e fez "ilações" que não devem ficar sem resposta do procurador-geral da República, a respeito de um procurador que deixou a equipe de Janot para ganhar "milhões" na condução da delação premiada de Joesley Batista, este chamado de "bandido" no discurso. Temer foi duro no contra-ataque, inclusive ao dizer que a denúncia de Janot é "trôpega". Bateu no fígado do procurador. Deve-se-se esperar uma batalha sem trégua até 17 de setembro, quando Janot esvaziará as gavetas de procuradoria-geral da República.

 

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4285, 28/06/2017. Política, p. A6.