O Estado de São Paulo, n. 45182, 01/07/2017. Política, p. A6

 

Marco Aurélio restitui mandato a Aécio e nega prisão 

Julia Lindner, Isabela Bonfim, Tânia Monteiro, Carla Araújo, Rafael Moraes Moura e Thiago Faria 

01/07/2017

 

 

Ministro do STF determina que tucano reassuma as funções no Senado e afirma que carreira política do parlamentar é ‘elogiável’

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, restituiu ontem as funções do mandato do senador Aécio Neves (PSDB-MG). O ministro, na mesma decisão, negou pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para prender o tucano com base nas delações da JBS. Marco Aurélio decidiu ainda que Aécio poderá ter contato com outros investigados do caso – incluindo sua irmã Andrea Neves– e deixar o País.

O afastamento de Aécio da função parlamentar havia sido determinado pelo ministro Edson Fachin, relator da delação da JBS no Supremo. O caso foi decidido por Marco Aurélio porque o próprio Fachin pediu a redistribuição de parte da Operação Patmos – investigação que envolve o senador em suposta propina de R$ 2 milhões da JBS.

“A liminar de afastamento é, de regra, incabível, sobretudo se considerado o fato de o desempenho parlamentar estar vinculado a mandato que se exaure no tempo. Em síntese, o afastamento do exercício do mandato implica esvaziamento irreparável e irreversível da representação democrática conferida pelo voto popular”, escreveu Marco Aurélio.

Denunciado por corrupção passiva e obstrução da Justiça, Aécio foi afastado do mandato parlamentar em 18 de maio. Com a decisão de Marco Aurélio, ele poderá participar das votações da Casa a partir da próxima semana. Seu nome já voltou ao painel do Senado.

Aécio afirmou, em nota, que recebeu “com absoluta serenidade” a decisão do ministro de restabelecer o seu mandato parlamentar. O senador disse que aceitou a decisão anterior de Fachin de forma “resignada e respeitosa”. “Sempre acreditei na Justiça do meu País e seguirei no exercício do mandato que me foi conferido por mais de 7 milhões de mineiros, com a seriedade e a determinação que jamais me faltaram em 32 anos de vida pública”, afirmou.

Recursos. Em sua decisão, Marco Aurélio lembrou que, no dia 20 de junho, a Primeira Turma da Corte analisou três recursos em torno do caso, decidindo substituir a prisão preventiva pela prisão domiciliar de três investigados: Andrea Neves; Frederico Pacheco de Medeiros, primo de Aécio; e Mendherson Souza Lima, ex-assessor parlamentar do senador Zezé Perrella (PMDB-MG).

Naquela sessão, a turma adiara o julgamento previsto de recursos contra a decisão de Fachin de afastar Aécio do cargo e de não decretar a sua prisão. Naquele dia, Marco Aurélio disse que o julgamento seria realizado depois da análise de um novo recurso apresentado pela defesa do tucano. Marco Aurélio observou que “avizinham-se as férias coletivas do mês de julho, não se tendo, em tempo, sessão da turma”.

O magistrado criticou o recolhimento do passaporte do tucano, sob a alegação de que não há “elementos concretos acerca do risco de abandono do País”.

O ministro destacou a carreira política do parlamentar ao citar o trecho do voto que tinha preparado. “O agravante é brasileiro nato, chefe de família, com carreira política elogiável – deputado federal por quatro vezes, ex-presidente da Câmara dos Deputados, governador de Minas Gerais em dois mandatos consecutivos, o segundo colocado nas eleições à Presidência da República de 2014 – ditas fraudadas –, com 34.897.211 votos em primeiro turno e 51.041.155 no segundo”, afirmou Marco Aurélio.

Na decisão de ontem, o ministro citou ainda editorial do Estado, intitulado Em nome da lei, o arbítrio, publicado no dia 15. “É mais que hora de a Suprema Corte restabelecer o respeito à Constituição, preservando as garantias do mandato parlamentar. Sejam quais forem as denúncias contra o senador mineiro, não cabe ao STF, por seu plenário e, muito menos, por ordem monocrática, afastar um parlamentar do exercício do mandato”, afirmou o editorial, em trecho destacado por Marco Aurélio.

O presidente interino do PSDB, senador Tasso Jereissati (CE), disse que a decisão do ministro foi acertada do ponto de vista constitucional.

Planalto. Para o Planalto, Aécio pode ajudar o governo a mobilizar parte do PSDB. Ontem, no início da tarde, depois de se reunir com Temer, no Planalto, o ministro-chefe da Secretaria de Governo, o tucano Antonio Imbassahy, e o deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG) seguiram para a casa de Aécio. O encontro, de acordo com assessoria de Imbassahy, foi de “cortesia”. / JULIA LINDNER, ISABELA BONFIM, TÂNIA MONTEIRO CARLA ARAÚJO, RAFAEL MORAES MOURA e THIAGO FARIA

- Pedido

A defesa de Aécio Neves pediu ontem que um inquérito contra o tucano com base na delação da Odebrecht seja retirado do ministro Edson Fachin e redistribuído para o ministro Gilmar Mendes.

- Argumento

“A liminar de afastamento é, de regra, incabível, sobretudo se considerado o fato de o desempenho parlamentar estar vinculado a mandato.”

“O agravante é brasileiro nato, chefe de família, com carreira política elogiável.”

Marco Aurélio Mello

MINISTRO DO SUPREMO

PARA LEMBRAR

Ministro do STF afastou Renan

Em dezembro do ano passado, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, atendeu a pedido da Rede e concedeu uma medida liminar (provisória) afastando o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado. A decisão foi tomada no âmbito de uma ação ajuizada pela Rede segundo a qual réus não podem estar na linha sucessória da Presidência da República – Renan havia virado réu na Corte pelo crime de peculato. No processo, que tramitava desde 2007 no STF, o peemedebista era suspeito de receber propina da Mendes Júnior. Na ocasião, Marco Aurélio afastou o peemedebista do comando do Senado, não do mandato parlamentar.

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Decisão acertada, Tribunal incoerente

Roberto Dias

01/07/2017

 

 

A decisão do ministro Marco Aurélio Mello reconhece que não existe fundamento constitucional e legal para afastar o senador Aécio Neves do mandato nem para prendê-lo. Isso porque a Constituição Federal prevê que um parlamentar só pode ser preso em flagrante de crime inafiançável.

Para o ministro, os atos imputados a Aécio, por mais graves que sejam, não indicam, neste momento, a existência dessa hipótese.

A Constituição não contempla o afastamento de parlamentares de seus mandatos por decisão do Supremo Tribunal Federal, mas a Corte vem entendendo que a suspensão do exercício do mandato pode ser determinada como medida em substituição à prisão cautelar. Foi assim, por exemplo, que o pleno do Tribunal decidiu afastar do cargo o então deputado Eduardo Cunha.

Na mesma linha da decisão de Cunha, Aécio foi afastado do Senado por decisão de um único ministro, Edson Fachin. Ontem, também de forma monocrática, Marco Aurélio decidiu que o senador deve voltar a exercer a sua função parlamentar, negando o pedido de prisão preventiva formulado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

Temas sensíveis como esse, que envolvem uma grave tensão entre os Poderes Legislativo e Judiciário, não deveriam ser resolvidos por um único ministro da Corte, pois tal prática enfraquece o Supremo, que pode tomar decisões conflitantes para um mesmo problema – como se vê agora –, além de correr o risco de ver sua autoridade contestada, como, aliás, ocorreu quando o mesmo ministro Marco Aurélio decidiu afastar Renan Calheiros da presidência do Senado em dezembro.

Portanto, ainda que substancialmente acertada, a decisão de Marco Aurélio expõe um Tribunal incoerente. Restaurar o princípio da colegialidade seria salutar para o Supremo e para a democracia brasileira.

*PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL DA FGV-SP