Alvo de Temer ganha até R$ 110 mil por mês

André Guilherme Vieira

29/06/2017

 

 

Alvo de ataque de Michel Temer, que em discurso realizado anteontem acusou Marcello Miller de deixar o Ministério Público Federal (MPF) por um escritório de advocacia para receber "milhões em poucos meses" e defender interesses da JBS, o ex-procurador da República receberá cerca de R$ 1,4 milhão a cada 12 meses, em valores brutos e por período de três anos, como sócio do escritório Trench, Rossi & Watanabe. A remuneração é equivalente a R$ 110 mil mensais, em valores aproximados, conforme apurou o Valor.

Pelas linhas gerais do contrato firmado por Marcello Miller com a banca de advocacia, a proposta de trabalho prevê garantia de três anos de remuneração mínima, dividida em parcelas de vencimentos diversos que incluem retirada mensal e bônus pela prática advocatícia, entre outros benefícios.

São cerca de R$ 1,4 milhão por período de 12 meses de trabalho (incluído o 13º salário), sem levar em conta descontos com pagamentos de plano de saúde e previdência privada, apurou a reportagem. Ao acusar Miller, o presidente afirmou que ele já ganhara "milhões em poucos meses". O ex-procurador se sentiu caluniado pelo presidente, segundo relatos de interlocutores.

De acordo com informações do portal da transparência da Procuradoria-Geral da República (PGR), Miller recebeu R$ 28,9 mil em seu último vencimento como procurador da República, em março de 2017. Esse total engloba a remuneração e uma indenização no valor de R$ 5.960,73.

Tomando por base o vencimento bruto recebido em março deste ano pelo agora ex-procurador da República - R$ 25.508,5 -, Marcello Miller teria direito a vencimentos de R$ 306,3 mil a cada 12 meses, sem levar em conta indenizações ou remunerações temporárias devidas pelo período.

Ex-braço direito do procurador-geral da República Rodrigo Janot e reconhecido pela habilidade de costurar acordos em negociações intrincadas envolvendo empresas flagradas em corrupção, Miller nunca atuou como procurador da República ou advogado em causas relacionadas à JBS ou às empresas da holding J&F, ao contrário do que tem repetido o presidente Michel Temer. A última negociação de que participou foi a que levou ao fechamento de acordos de leniência pela Odebrecht e pela Braskem com autoridades do Brasil, Estados Unidos e Suíça, em dezembro do ano passado.

Miller conheceu o escritório Trench, Rossi & Watanabe em 2014, enquanto atuava como procurador nas negociações que ocorreram paralelamente a uma investigação criminal em que executivos da Embraer foram acusados de pagar propinas em negócios fechados na Arábia Saudita, República Dominicana, Índia e Moçambique. Chegou-se a um entendimento que resultou em pagamento de US$ 206 milhões pela Embraer a autoridades brasileiras e americanas, com quitação de multa de R$ 64 milhões destinada à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Em troca, as investigações que estavam em andamento no órgão e no MPF foram encerradas.

Depois de fechado o acordo, um dos sócios do Trench, Rossi & Watanabe procurou Marcello Miller e lhe fez uma proposta de sociedade. O escritório havia acabado de perder três advogados que abriram mão de participação na empresa para constituir uma banca de advocacia própria.

Procurado, Marcelo Miller afirmou, em nota encaminhada pela assessoria de imprensa, que não houve irregularidade no processo de transição que envolveu a sua saída da procuradoria e o posterior ingresso na advocacia.

"Não cometi nenhum ato irregular, mas não responderei às informações a meu respeito pela imprensa", diz o comunicado.

Ainda de acordo com a nota, Miller se manifestará "perante as autoridades com competência para examinar os fatos e com interesse na aferição da verdade".

Marcelo Miller tem classificado os ataques feitos a ele como "abusivos, surreais", de acordo com pessoas do círculo mais próximo do ex-procurador ouvidas pelo Valor.

Desde que passou à condição de alvo dos ataques de Temer, que foi denunciado pela PGR ao Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção passiva, Miller tem manifestado preocupação com sua segurança e a de seus familiares.

O receio decorre das declarações do presidente, que sugeriu que o agora advogado teria enriquecido da noite para o dia. Miller vive com a família em um apartamento de três quartos, no Rio.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4286, 29/06/2017. Política, p. A8.