Áudio indica ação de presidente em favor da JBS no BNDES

Fernando Torres

29/06/2017

 

 

A transcrição feita pelos peritos da Polícia Federal do áudio da conversa entre Joesley Batista e o presidente Michel Temer (PMDB), na noite de 7 de março, corrobora a informação, dada em depoimento recente do empresário, de que Temer, pessoalmente, e seu grupo político teriam agido para representar interesses da JBS no BNDES, após rejeição de reorganização societária pela área técnica do banco.

Conforme a degravação feita pela PF de trecho antes inaudível, logo após Joesley dizer que o ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB) havia lhe relatado sobre "todo empenho e esforço" sobre "aquela operação" que envolvia o BNDES, Temer teria afirmado: "Sabe que eu fui em janeiro pressionar (ininteligível)".

Após mais um trecho inaudível, Joesley responde: "Não deu de um jeito, mas deu do outro, tá e pronto, deu certo."

A conversa se referia à reorganização societária pretendida pela JBS. A empresa queria transferir sua sede para a Irlanda, o domicílio fiscal para o Reino Unido e os negócios com suas ações para a bolsa americana, conforme anúncio feito em maio de 2016. No Brasil, haveria negociação apenas de recibos de ações da empresa, chamados de BDRs.

Após análise da área técnica, o BNDES exerceu seu direito de veto previsto no acordo de acionistas e se manifestou contra a operação, que era bem vista pelo mercado. No dia 26 de outubro, quando a JBS divulgou o fato relevante sobre a posição do banco, suas ações tiveram queda de 11%.

A saída encontrada, desta vez com apoio do BNDES, foi a listagem de recibos de ações de uma subsidiária, a JBS Foods International, nos Estados Unidos. Mas mantendo a sede da JBS S.A. no Brasil e suas ações na bolsa brasileira B3. Essa alternativa, contudo, foi anunciada publicamente em 5 dezembro, antes, portanto, do mês de "janeiro" que, segundo a PF, Temer teria mencionado.

Uma possibilidade, considerando a baixa qualidade do áudio e outros fatos já tornados públicos, é que o presidente tenha dito que "foi ao Rio de Janeiro", e não que "foi em janeiro".

Isso porque o BNDES reiterou ontem, em nota, que "o único encontro" que a ex-presidente Maria Silvia Bastos Marques teve com o presidente Temer sobre o assunto "Veto à operação de mudança domicílio fiscal da JBS", com a presença dos diretores jurídico e de mercado de capitais, aconteceu no dia 24 de outubro de 2016, conforme já divulgado pelo banco. "O presidente somente ouviu as informações sobre as razões que levaram o banco a vetar a operação, não tendo solicitado que a diretoria alterasse a sua decisão", disse a nota.

Em 24 de outubro, o veto não era de conhecimento público. Embora o BNDES tenha dito que a posição fora comunicada à JBS, por carta, em 16 de setembro, a empresa só divulgou a informação em fato relevante ao mercado em 26 de outubro, dois dias depois de Temer e Maria Silvia tratarem do caso.

A reunião ocorreu no Rio, às 10h, antes da abertura "Conferência Rio Oil & Gas", e foi uma das apenas três que Maria Silvia teve com Temer, conforme agenda oficial, durante sua passagem de 12 meses pelo banco, antes do pedido de demissão por "motivos pessoais", em 26 de maio. A primeira havia sido 14 de junho de 2016, para visita do Parque Olímpico, e a terceira em 21 de fevereiro.

O encontro de fevereiro combina com o relato feito por Temer a Joesley, em 7 de março, dizendo que "muito recentemente" havia chamado Maria Silva em Brasília e que ela teria lhe contado sobre a solução encontrada para o caso da JBS. "Eu chamei e ela veio me explicar. Daí (ininteligível). 'Aquele (ininteligível) da JBS, deu pra fazer (ininteligível)?', 'Nós fizemos de outro jeito que deu certo'", contou o presidente, parafraseando a interlocutora.

Em nota divulgada após publicação de entrevista de Joesley Batista à revista "Época" de 16 de junho, em que o empresário reforçou as acusações que fizera em acordo de delação premiada, Temer disse que, em seu governo, Joesley tinha "portas fechadas para seus intentos".

E deu outra versão sobre o episódio discutido no áudio: "Em relação ao BNDES, é preciso lembrar que o banco impediu, em outubro de 2016, a transferência de domicílio fiscal do grupo para a Irlanda, um excelente negócio para ele, mas péssimo para o contribuinte brasileiro. Por causa dessa decisão, a família Batista teve substanciais perdas acionárias na bolsa de valores e continuava ao alcance das autoridades brasileiras. Havia milhões de razões para terem ódio do presidente e de seu governo."

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4286, 29/06/2017. Política, p. A8.