O BNDES e a saída da crise

Carlos Kawall Leal Ferreira

30/06/2017

 

 

Em rica entrevista concedida ao Valor (5/6/17), o ex-presidente e funcionário de carreira do BNDES, José Pio Borges, que presidiu o banco durante o governo FHC (1998/9), colocou o dedo na ferida: "Quase todos os erros e críticas à política do BNDES advieram do excesso de recursos. Esse aporte de R$ 500 bilhões do Tesouro ao BNDES gerou a maioria das distorções e dos erros de política". Entre tais erros, citou a concessão excessiva de subsídios, falta de parcerias com o setor privado, a não reciclagem da carteira de renda variável e remuneração de funcionários ligada a metas de desembolsos.

As colocações de Borges chamam atenção para distorções alocativas causadas por políticas com custo/benefício negativo para a sociedade. Olhando à frente, qual seria o melhor retorno para os cerca de R$ 440 bilhões (6,9% do PIB) devidos pelo banco ao Tesouro Nacional, descontados os R$ 128,3 bilhões já restituídos?

Frente à fortíssima queda dos investimentos, não é surpresa que a demanda pelos recursos do BNDES tenha colapsado. Observou-se uma redução de 12,9% nos desembolsos feitos pelo banco nos cinco primeiros meses de 2017 contra o mesmo período do ano passado. Na mesma métrica, as consultas ao BNDES, que medem a demanda pelos recursos, mostram retração de 22,1% contra o mesmo período do ano passado. Tudo indica que haverá menos desembolsos este ano do que em 2016 (R$ 88 bilhões), quando alcançaram menos da metade do pico observado em 2013 (R$ 190 bilhões).

Neste contexto, os retornos de empréstimos concedidos têm largamente excedido os desembolsos. Somente em 2016, tal cifra alcançou R$ 103 bilhões, levando o caixa da instituição a atingir R$ 129 bilhões ao final do ano, apesar do pré-pagamento de R$ 100 bilhões ao Tesouro. O caixa hoje provavelmente supera R$ 150 bilhões.

A primeira alternativa é que os recursos sejam utilizados para estimular a economia. Mas como fazê-lo se não há demanda para investimentos? A resposta está em desembolsos não atrelados ao investimento, via capital de giro (linha Progeren). Neste caso, basta a análise de crédito e garantias. Tal opção permitiria um grande volume de desembolsos até o final do ano, ainda na vigência da TJLP. De acordo com a MP 777 enviada ao Congresso, a TJLP será substituída a partir de 2018 pela TLP (Taxa de Longo Prazo), que gradualmente eliminará os subsídios implícitos (diferença entre a TJLP/TLP e Selic).

A elevação de operações de capital de giro teria como objetivo reduzir custos financeiros por meio do subsídio das taxas concedidas. Atualmente as condições de tais operações são favoráveis apenas para empresas pequenas (faturamento até R$ 90 milhões/ano), que recebem empréstimos à TJLP. Há intenção de estender tais condições para empresas que faturem até R$ 300 milhões.

(...)

Contudo, o maior obstáculo é a capacidade de crédito limitada do setor empresarial e a dificuldade de dar garantias. As empresas saudáveis serão beneficiadas, pois podem usar até aplicações financeiras como garantia, arbitrando TJLP + spread contra a Selic; as empresas em dificuldades provavelmente não se beneficiarão. Até maio último, as operações de Progeren responderam por 10% dos desembolsos do banco, contra apenas 1,8% para o mesmo período de 2016.

A segunda alternativa é buscar a continuidade do processo de redução do balanço do BNDES por meio de novo pré-pagamento da dívida contra o Tesouro, opção que temos defendido há algum tempo. Fazendo um exercício contrafactual, apuramos que se não houvesse os sucessivos aportes do Tesouro ao BNDES desde 2008 teríamos uma dívida bruta de 60,8% do PIB, 10,9 pontos percentuais (p.p.) menor que os 71,7% do PIB registrados ao final de abril. Uma dívida pública mais baixa traz benefícios importantes na forma de menores prêmios de risco, reduzindo o juro de equilíbrio da economia. É possível que ainda tivéssemos o grau investimento.

O tamanho da contribuição que o BNDES pode dar para a sustentabilidade da dívida pública é enorme. Um cenário sem pagamento antecipado conduz a uma dívida bruta/PIB de 81,9% em 2026, na hipótese de um crescimento médio do PIB de 2,2% e uma Selic de 9%, com vigência do teto de gastos durante o período. Supondo que haja pagamento antecipado de toda a dívida junto ao Tesouro em 10 anos, com a mesma premissa de crescimento e um juro 0,5 p.p. menor, teríamos uma dívida/PIB de 70,3% do PIB ao final de 2026. Sem o repagamento, aquilo que já é difícil ficará impossível: não conseguiremos buscar a sustentabilidade da dívida sem expressivo aumento da carga tributária. Mais BNDES hoje será mais imposto amanhã.

Entendemos, assim, que mesmo na vigência do teto do gasto (que supõe aprovada em algum momento a reforma da previdência), o repagamento antecipado da dívida do BNDES é parte fundamental para uma estabilização mais rápida e posterior redução da dívida bruta.

Assim entendemos que há claras vantagens para a continuidade, já em 2017, do repagamento do BNDES ao Tesouro, como política que gera benefícios horizontais para a sociedade, e não somente para os que têm acesso ao crédito do banco. Idealmente, deveria ser anunciado cronograma de redução, para que os benefícios fossem antecipados na trajetória da dívida pública.

Como forma de tornar mais transparente a concessão de subsídios de crédito implícitos (como a diferença entre a TJLP/TLP e a Selic), propomos que o montante de tais subsídios passe a depender de autorização orçamentária, disciplinada na Lei de Diretrizes Orçamentárias.

O BNDES não precisa de um balanço grande para apoiar a recuperação da economia. Prova disso é a iniciativa recentemente anunciada de compartilhar garantias com bancos para financiar consórcios investidores no setor de infraestrutura. Sem uso de caixa e em parceria com o mercado de capitais.

 

Carlos Kawall Leal Ferreira é economista-chefe do Banco Safra. Foi Secretário do Tesouro Nacional e diretor do BNDES.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4287, 30/06/2017. Opinião, p. A10.