Meta de inflação cai pela primeira vez em 14 anos

Eduardo Campos, Edna Simão e Cristiane Bonfanti

30/06/2017

 

 

Depois de 14 anos, o Brasil retomou o processo de desinflação para levar a meta de variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para padrões internacionais. Atualmente fixada em 4,5% para 2017 e 2018, a meta de inflação caiu para 4,25% em 2019 - como foi antecipado pelo Valor - e para 4% em 2020, ação que surpreendeu de forma positiva o mercado. Países emergentes semelhantes ao Brasil trabalham com uma meta de 3%, e esse seria o objetivo a ser atingido no longo prazo.

O Conselho Monetário Nacional (CMN) optou por definir uma trajetória de convergência gradual, apesar de haver espaço para uma redução mais célere da meta, como forma de promover melhor ancoragem das expectativas e também dispor de uma banda de tolerância de 1,5 ponto percentual para absorver choques desfavoráveis de preços que podem ocorrer ao longo do caminho.

A opção por ampliar o horizonte de definição da meta de inflação para três anos foi uma forma de blindar cada vez mais o regime de metas de interferências políticas. Pelo decreto 9.083, editado ontem, para os anos de 2019 e 2020 a meta teria que ser fixada até 30 de junho de 2017; e para os anos de 2021 e seguintes, até 30 de junho de cada terceiro ano imediatamente anterior. Dessa forma, as metas anunciadas sempre abarcarão o governo em curso e a próxima administração.

Ao fixar objetivos mais baixos para a inflação e ampliar o seu horizonte de definição, o governo pretende criar uma nova "cultura desinflacionária" em toda sociedade. O modelo funciona se os agentes econômicos e financeiros mantiverem a confiança de que o Banco Central (BC) irá perseguir a meta e que as políticas fiscal e monetária terão atuação complementar ao longo do tempo.

"A mensagem é de firmeza, convergência gradual da inflação, ao mesmo tempo assegurando o pleno crescimento do PIB potencial e garantindo a queda do desemprego", disse o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, em coletiva de imprensa para apresentar a decisão.

Para o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, a decisão baliza as expectativas em prazos mais longos e melhora a capacidade de planejamento de toda a sociedade. Segundo ele, com expectativas ancoradas é possível almejar juros de longo prazo mais baixos e a política monetária pode acomodar choques de curto prazo. "Essas metas levam à redução gradual, consistente e sustentável da inflação ao longo do tempo", disse.

O presidente do BC também explicou que a fixação da meta de inflação em patamares menores vai levar a taxas de juros longas mais baixas, "desde que a as metas sejam críveis".

O ministro do Planejamento, Dyogo de Oliveira, enfatizou que a decisão do CMN foi unânime e faz parte de um conjunto de ações que têm sido adotadas para dar ao Brasil metodologias e regras de nível internacional, tanto para o controle da inflação como nas demais ações de política econômica. "O objetivo é garantir para o Brasil a retomada do crescimento em nível sustentado a longo prazo", disse.

Tanto Ilan quanto Meirelles afirmaram que a opção por uma convergência gradual também levou em consideração a sistemática de preços da economia brasileira, que mostra uma estrutura ainda bastante indexada, herança dos períodos de hiperinflação. A indexação é um mecanismo que transporta para o futuro a inflação passada.

Por outro lado, lembrou Ilan, como a inflação corrente está rodando abaixo da meta, essa indexação da economia pode trabalhar de forma favorável. "A capacidade de reajuste (de preços), se for feita pelo passado, não é detrimental para a política monetária", disse Ilan.

Ao longo da entrevista, os três enfatizaram que inflação mais alta não significa crescimento mais alto. Oliveira lembrou que em passado recente o que se observou foi o exato oposto, inflação elevada aliada à recessão econômica.

Meirelles, Ilan e Oliveira foram insistentemente perguntados sobre a relação da agenda de reformas com a definição da meta. Meirelles explicou que as reformas são fundamentais para o equilíbrio fiscal e que isso é algo que vai influenciar a definição dos juros estruturais da economia, mas que outra coisa é a política monetária e a definição da meta de inflação.

As reformas influenciam o comportamento do juro real exigido pelo mercado para financiar o Estado brasileiro. Mas, segundo Meirelles, isso não necessariamente influencia a definição da trajetória de inflação, nem cria a necessidade de se conviver com inflação mais elevada no futuro.

Ilan enfatizou que as reformas têm impacto na taxa estrutural e, quanto mais amplas e mais rápidas forem feitas, menor será essa taxa estrutural. "Outra coisa são as metas, que serão cumpridas independentemente da taxa estrutural", disse. Segundo ele, a ideia é desvincular questões estruturais, que são as metas, de conjunturais, que são as reformas. "O que importa é cumprir os objetivos", afirmou.

Perguntado se permaneceria no cargo mesmo com uma eventual saída de Michel Temer da Presidência da República, Ilan disse que sim. Contextualizando a resposta, ele disseque o Banco Central é uma instituição que tem apreço pela autonomia e olha o médio e longo prazos e que o presidente do BC está nesse contexto de forma institucionalizada. Meirelles completouque "compete ao presidente a nomeação dos ministros, não só os aqui presentes, como os outros. Evidentemente, o pressuposto é que estamos no cargo e cada um faz o seu trabalho da melhor forma possível para o país", afirmou.

Ao encerrar a entrevista, o ministro da Fazenda fez questão de enfatizar que " fica mais uma vez demonstrado o alinhamento e harmonia da equipe econômica".

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4287, 30/06/2017. Especial, p. A12.