Analistas elevam projeções para dívida

Sergio Lamucci

03/07/2017

 

 

A trajetória esperada para a dívida bruta piorou nas contas de vários analistas, com algumas estimativas apontando para um número superior a 80% do Produto Interno Bruto (PIB) já no ano que vem. A revisão se deve à redução nas projeções de crescimento e, em alguns casos, do resultado primário das contas públicas, devido ao surgimento da nova crise política.

Em maio deste ano, o endividamento bruto ficou em 72,5% do PIB, o nível mais alto da série histórica iniciada em dezembro de 2006. Um dos principais termômetros de solvência fiscal de um país, o indicador subiu 21 pontos percentuais do PIB desde o fim de 2013, quando estava em 51,5% do PIB. Para comparar, a média da dívida bruta dos emergentes deve ficar em 48,6% do PIB neste ano, nas previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Como as incertezas no quadro político devem adiar a tramitação de reformas no Congresso, como a da Previdência, o Itaú Unibanco promoveu neste mês uma ampla revisão do seu cenário econômico, cortando as estimativas para o crescimento e piorando um pouco as projeções para o déficit primário em 2017 e 2018. Com isso, alterou a trajetória esperada para a dívida bruta, passando a projetar que o indicador alcançará 77,2% do PIB no ano que vem - a previsão anterior era de 74,4% do PIB.

O economista Pedro Schneider, do Itaú Unibanco, diz que o principal motivo foi a revisão das estimativas para o PIB, que caíram de 1% para 0,3% em 2017 e de 4% para 2,7% em 2018. O endividamento bruto projetado, cujo valor em reais pouco mudou, passa a ser comparado a um PIB menor. O banco também piorou as suas previsões para o déficit primário do setor público consolidado (que exclui gastos com juros). Para 2017, a estimativa passou de um rombo de 2,2% do PIB para 2,4% do PIB; no caso da projeção de 2018, o déficit pulou de 1,7% para 2,1% do PIB.

A possibilidade de cumprimento das metas, de 2,1% do PIB neste ano e de 1,8% do PIB no ano que vem, ficou bem mais difícil, afirma Schneider. Excluindo programas de renegociação de dívidas passados, o governo conta com R$ 55 bilhões a R$ 60 bilhões de receitas extraordinárias neste ano, dos quais até agora muito pouco entrou nos cofres do Tesouro, observa ele. Um crescimento mais fraco, por sua vez, compromete também as receitas recorrentes.

"Com as incertezas sobre a aprovação das reformas, aumenta o risco de a dívida não se estabilizar", diz Schneider. A demora em fazê-las avançar no Congresso tem impacto sobre a confiança dos agentes econômicos e tende a afetar os preços dos ativos brasileiros. Na visão do Itaú Unibanco, isso "enfraquece as perspectivas de retomada do crescimento econômico e dificulta a queda dos juros, que decorreriam da perspectiva de maior equilíbrio fiscal, pressionando ainda mais o crescimento da dívida pública". Para o fim deste ano, o indicador deve ficar em 74,7% do PIB, prevê o banco.

O chefe de economia e estratégia do Bank of America (BofA) Merrill Lynch no Brasil, David Beker, é outro analista que mudou as suas projeções para a dívida bruta, por ter reduzido as estimativas para o crescimento do PIB e do resultado primário deste ano e do ano que vem. Nesse novo cenário, ele passou a esperar que o endividamento bruto atinja em 2018 quase 82% do PIB - antes, a sua estimativa era de 78% do PIB.

"As perspectivas mais fracas de crescimento para os próximos anos devem reduzir adicionalmente as receitas", escreve Beker, lembrando que há pouco espaço para o governo cortar gastos, dada a rigidez das despesas. Com a nova crise, a expectativa é de aprovação mais lenta das reformas, o que deve afetar o processo de retomada da confiança. Isso fez com que ele revisasse a projeção para o PIB de 2017 de 1% para 0,25% e a de 2018 de 3% para 1,5%.

Nesse quadro, Beker mexeu nas projeções para o resultado primário do governo central. Para 2017, ele estima um rombo de R$ 165 bilhões, ou 2,5% do PIB - antes, a estimativa era de um déficit de R$ 139 bilhões, ou 2,1% do PIB. Para 2018, a projeção mudou de um buraco de R$ 95 bilhões, ou 1,3% do PIB, para um de R$ 135 bilhões, ou 2% do PIB.

A MCM Consultores Associados, por sua vez, elevou as projeções para a dívida bruta devido à redução das estimativas para o crescimento, que caíram de 1,1% para 0,2% em 2017 e de 2,2% para 1,8% em 2018. Para o ano que vem, a MCM elevou a previsão de 75,8% do PIB para 78,9% do PIB.

O analista Antonio Madeira, da MCM, diz que a trajetória da dívida pode ser inclusive revista para pior, dada as frustrações com a arrecadação. Com receitas mais baixas do que o projetado, o resultado primário tende a ser mais fraco. A preocupação é que a tendência do endividamento não aponte para uma estabilização dentro de alguns anos, diz Madeira. Para ele, é possível que o governo aumente o contingenciamento de gastos ou mesmo aumente impostos, como a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), para tentar cumprir as metas fiscais.

Análise da MCM destaca que, " a curto prazo a situação fiscal preocupa, observando que "as notícias não são boas do lado da receita, com atividade vacilante." No mês passado, o déficit primário do setor público consolidado ficou em R$ 30,7 bilhões, rombo recorde para meses de maio.

O fato de o governo voltar a falar em aumento de impostos indica que as coisas não andam bem para as contas públicas, avalia a consultoria. "As preocupações com a trajetória das contas públicas podem voltar à tona com força", adverte a MCM, lembrando que a dívida bruta pode encostar em 80% do PIB no ano que vem, num país que já tributa o equivalente a um terço do PIB. "Talvez mais cedo do que tarde ocorram revisões para baixo de nosso rating de crédito, acrescentando ofensa à injúria fiscal."

Diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto acha improvável que o governo consiga elevar impostos neste momento, dado o cenário político do país. Órgão do Senado voltada ao acompanhamento da situação fiscal e orçamentária do país, a IFI trabalha com três cenários para a trajetória da dívida pública - um básico, um otimista e um pessimista. No básico, a dívida atinge o pico de 92,4% do PIB em 2023 e começa a cair lentamente a partir do ano seguinte, alcançando 81,5% em 2030. A projeção para 2018 é de 80,7% do PIB. No otimista, a dívida alcança o máximo de 84,6% do PIB em 2022, passando a cair com força a partir de 2023, até cair para 53,6% do PIB em 2030.

No cenário pessimista, o endividamento cresce ininterruptamente até 2030, quando atingiria 124,5% do PIB, batendo em 83,9% do PIB já no ano que vem. Isso ocorreria pela combinação de juros mais altos, crescimento mais baixo e déficit primário mais elevado. Salto diz que ainda vê como mais provável o cenário básico, mas considera que aumentou a possibilidade do quadro mais pessimista, por causa da nova crise política, iniciada com a divulgação, em 17 de maio, da conversa entre o presidente Michel Temer e o empresário Joesley Batista, da JBS.

O país precisa de reformas como a da Previdência para enfrentar o crescimento estrutural das despesas, afirma ele. "Com o ambiente político conturbado, fica mais difícil aprovar as mudanças necessárias na Previdência", observa ele, lembrando que o Brasil tem uma dívida bruta elevada para um país emergente, com um custo médio pesado. Pelas estimativas do FMI, o endividamento bruto da China ficará em 49,3% do PIB, na Rússia, em 17,1% do PIB, e no Chile, em 24,8% do PIB. O indicador da Índia é alto, devendo terminar o ano em 67,8% do PIB, mas a estimativa é que caia nos próximos anos, para 59,3% do PIB em 2022. O maior problema no caso brasileiro é justamente a trajetória explosiva em que o indicador se encontra.

Na média dos países desenvolvidos, o indicador deve ficar em 107% do PIB em 2017, segundo o FMI, número que chega a 240% do PIB no caso do Japão. A diferença é que economias avançadas têm juros muito mais baixos, o que abre espaço para níveis de dívida bem mais altos, por causa do custo menor.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4288, 01/07/2017. Brasil, p. A3.