O Estado de São Paulo, n. 45190, 09/07/2017. Política, p. A4.
Pedidos de investigação ganham sigilo nos Estados
Ricardo Galhardo / Adriana Ferraz / Valmar Hupsel Filho
09/07/2017
Os pedidos de investigação enviados pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin à primeira e segunda instâncias da Justiça Federal com base nas delações da Odebrecht resultaram, quase três meses depois, em ao menos 48 inquéritos criminais. O número, que representa 1/4 do total de 194 petições, pode ser maior, já que 53 delas tramitam em segredo de Justiça – medida que contraria a decisão de Fachin, que havia determinado o levantamento do sigilo.
A decisão de recolocar o sigilo dos autos foi tomada por procuradores e juízes de nove Estados, além do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região , que assumiram as investigações.
Como consequência, em alguns desses locais não é possível nem sequer saber quantas petições viraram inquéritos.
É o que ocorre, por exemplo, na Bahia, para onde Fachin enviou 14 pedidos. São investigados no Estado desde vereadores suspeitos de recebimento de caixa 2 até o ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB) – que participou dos governos Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer – e o ex-governador e ex-ministro Jaques Wagner (PT). Todos negam irregularidades.
Geddel foi preso na semana passada, com base em investigações da Operação Cui Bono? Coordenador Criminal do Ministério Público Federal na Bahia, o procurador da República Ovídio Augusto Amoedo Machado afirmou que, segundo regulamentação do Conselho Nacional do Ministério Público, “o presidente do procedimento investigatório criminal poderá decretar o sigilo das investigações, no todo ou em parte, quando a elucidação do fato ou interesse público exigir”.
“A regra é a publicidade, mas, em alguns casos, para proteger as investigações é necessário decretar o sigilo, desde que essa decisão seja bem fundamentada”, afirmou o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti.
A necessidade de “preservar o curso das investigações” também é argumento do MPF no Rio, Estado que possui o maior número de pedidos de investigação sob sigilo: 22. Assim como na Bahia, no Rio não é possível saber quantas e quais petições serviram de base para inquéritos na Polícia Federal.
Dos 21 Estados para onde foram enviadas petições, oito tiveram inquéritos instaurados, além do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região – que compreende as seções judiciais de 13 Estados e o Distrito Federal.
A grande maioria dos casos está na fase de análise. Mas o mapa dos inquéritos já instaurados mostra que a partir das delações da Odebrecht as investigações da Lava Jato, antes concentradas em Curitiba, sob o guarda- chuva do juiz federal Sérgio Moro, se espalharam pelo País.
Os pedidos enviados aos Estados não envolvem autoridades com foro privilegiado. Fachin ainda determinou a abertura de dezenas de inquéritos no Supremo (mais informações na pág. A6).
A delação da empreiteira envolve ao menos 415 políticos de 26 dos 35 partidos.
Na Justiça Federal nos Estados, a lista provisória de investigados reúne ex-prefeitos, exparlamentares e dirigentes partidários que perderam ou não tinham direito ao foro especial, além de empresários citados na delação homologada pelo STF.
Em São Paulo, o chefe da Procuradoria da República, Thiago Lacerda Nobre, disse que aguarda autorização da Procuradoria- Geral da República para a constituição de uma força-tarefa paulista que se dedique exclusivamente às investigações.
Políticos. No Estado, um dos 12 inquéritos instaurados (de um total de 28 petições) envolve o ex-prefeito Fernando Haddad. Ao lado do publicitário João Santana, o petista é investigado por supostamente ter recebido doações ilegais da empresa.
Em nota, o petista manifestou “estranheza” em figurar na delação de João Santana e Mônica Moura, mulher do publicitário.
“Ainda mais quando é sabido que a Odebrecht teve todos os seus interesses contrariados durante a gestão”, afirmou. O suplente de senador José Aníbal (PSDB) é outro investigado.
A delação cita repasse de R$ 50 mil de forma indevida durante sua campanha para a Câmara em 2010. José Aníbal nega irregularidade.
A Justiça do Distrito Federal é a que tem o maior número de inquéritos instaurados (e divulgados) como desdobramentos da Lava Jato: 16. O ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) é alvo de um deles, por supostamente cobrar propina em troca de financiamentos do fundo de investimento do FGTS (FI-FGTS). Ele nega recebimento de vantagem indevida.
O ex-ministro da Fazenda Guido Mantega também é investigado no Distrito Federal e em São Paulo – ele nega que tenha cometido irregularidades.
Alvo de inquérito no Paraná, o ex-presidente da Petrobrás e do Banco do Brasil Aldemir Bendine é citado como receptor de propinas, segundo delação da Odebrecht. Sua defesa já afirmou que Bendine jamais se beneficiou indevidamente das empresas.
O Estado não consegui contato com ele ontem. Em Minas, o ex-prefeito de Belo Horizonte Marcelo Lacerda (PSB) é investigado em petição que citava pagamentos não contabilizados nas campanhas municipais de 2008 e 2012. Procurado, ele não atendeu os telefonemas.
À época, negou as acusações. No Rio Grande do Sul, um dos dois inquéritos trata de suspeita de caixa 2 na campanha do exprefeito de Canoas Jairo Jorge, que recentemente trocou o PT pelo PDT. “Não existe nenhum ato ilícito da minha parte.”
DESDOBRAMENTOS
● Inquéritos resultantes das petições enviadas aos Estados com base na delação da Odebrecht
ESTADO/ TRIBUNAL
PR
PETIÇÕES
47
INVESTIGAÇÕES
1
PRINCIPAIS INVESTIGADOS
Aldemir Bendine
Ex-presidente da Petrobrás
ESTADO/ TRIBUNAL
SP
PETIÇÕES
28
INVESTIGAÇÕES
12*
PRINCIPAIS INVESTIGADOS
Fernando Haddad
Ex-prefeito (PT)
Guido Mantega
Ex-ministro
José Aníbal
Suplente de senador (PSDB-SP)
ESTADO/ TRIBUNAL
RJ
PETIÇÕES
22
INVESTIGAÇÕES
Sob sigilo
ESTADO/ TRIBUNAL
DF
PETIÇÕES
15
INVESTIGAÇÕES
16**
Eduardo Cunha
Deputado cassado (PMDB-RJ)
ESTADO/ TRIBUNAL
BA
PETIÇÕES
14
INVESTIGAÇÕES
Sob sigilo
ESTADO/ TRIBUNAL
PE
PETIÇÕES
6
INVESTIGAÇÕES
Zero
ESTADO/ TRIBUNAL
RS
PETIÇÕES
6
INVESTIGAÇÕES
2
PRINCIPAIS INVESTIGADOS
Jairo Jorge
Ex-prefeito (PDT)
ESTADO/ TRIBUNAL
GO
PETIÇÕES
5
INVESTIGAÇÕES
2
ESTADO/ TRIBUNAL
CE
PETIÇÕES
5
INVESTIGAÇÕES
2
ESTADO/ TRIBUNAL
SC
PETIÇÕES
3
INVESTIGAÇÕES
Sob sigilo
ESTADO/ TRIBUNAL
RN
PETIÇÕES
3
INVESTIGAÇÕES
Sob sigilo***
ESTADO/ TRIBUNAL
MA
PETIÇÕES
2
INVESTIGAÇÕES
Sob sigilo
ESTADO/ TRIBUNAL
PI
PETIÇÕES
2
INVESTIGAÇÕES
Sob análise
ESTADO/ TRIBUNAL
PA
PETIÇÕES
1
INVESTIGAÇÕES
Sob sigilo
ESTADO/ TRIBUNA
MG
PETIÇÕES
1
INVESTIGAÇÕES
1
PRINCIPAIS INVESTIGADOS
Marcio Lacerda ex-prefeito
(PSB)
ESTADO/ TRIBUNA
MT
PETIÇÕES
1
INVESTIGAÇÕES
Zero
ESTADO/ TRIBUNA
MS
PETIÇÕES
1
INVESTIGAÇÕES
Sob sigilo
ESTADO/ TRIBUNA
TO
PETIÇÕES
1
INVESTIGAÇÕES
1
ESTADO/ TRIBUNA
ES
PETIÇÕES
1
INVESTIGAÇÕES
Sob sigilo
ESTADO/ TRIBUNA
PB
PETIÇÕES
1
INVESTIGAÇÕES
Sob sigilo
ESTADO/ TRIBUNA
AM
PETIÇÕES
1
INVESTIGAÇÕES
Sob sigilo
ESTADO/ TRIBUNAL
TRF1
PETIÇÕES
11
INVESTIGAÇÕES
11
ESTADO/ TRIBUNAL
TRF2
PETIÇÕES
5
INVESTIGAÇÕES
Sob sigilo
ESTADO/ TRIBUNAL
TRF3
PETIÇÕES
12
INVESTIGAÇÕES
Sob análise
ESTADO/ TRIBUNAL
TRF4
PETIÇÕES
2
INVESTIGAÇÕES
Não chegou
*DUAS PETIÇÕES FORAM ARQUIVADAS EM SÃO PAULO;
**DUAS PETIÇÕES DO PARANÁ VIRARAM INQUÉRITO NO DF;
***UMA DAS PETIÇÕES FOI EXTINTA