O Estado de São Paulo, n. 45188, 07/07/2017. Política, p. A8

 

Geddel ligou para mulher de Funaro 

Fabio Serapião

07/07/2017

 

 

PRESIDENTE ACUSADO / Acusado de obstrução da Justiça, ex-ministro admite ter falado com Raquel Pitta; ao ter pedido de domiciliar negado, peemedebista chora

Ex-ministro de Michel Temer, Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) admitiu ontem, em depoimento ao juiz federal Vallisney de Souza Oliveira, da 10.ª Vara Federal Criminal, de Brasília, que ligou “mais de dez vezes” para a mulher do corretor Lúcio Funaro, apontado como operador de propinas do PMDB. Funaro já dissera, também em depoimento, que o ex-ministro ligava para sua mulher, Raquel Pitta, na tentativa de pressioná-la para evitar que ele fizesse um acordo de delação premiada.

Geddel chorou ao ouvir de Vallisney que ficará preso preventivamente na Penitenciária da Papuda, no Distrito Federal, até que seja esclarecido o contexto das ligações para Raquel. O ex-ministro foi preso pela PF, em Salvador, na segunda-feira, sob a acusação de obstrução da Justiça nas investigações sobre desvios de recursos do Fundo de Investimentos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FIFGTS) – ele foi vice-presidente de Pessoa Jurídica da Caixa Econômica Federal, que administra do fundo, entre 2011 e 2013.

Anteontem, Funaro foi transferido da Papuda para uma cela da Superintendência da PF em Brasília para preparar sua delação premiada com o Ministério Público Federal (MPF). Vallisney deu um prazo de três dias para que Raquel seja ouvida a fim de explicar a suposta pressão de Geddel. Há três semanas, o advogado de Funaro, Bruno Espiñeira, entregou à PF “impressos de ligações” recebidas por Raquel feitas pelo ex-ministro.

As chamadas, realizadas por WhatsApp, são de “Carainho”, que, segundo os investigadores da Operação Cui Bono? (a quem interessa?), é Geddel.

A Vallisney, o ex-ministro disse que retornou para Raquel porque uma ligação “ficou marcada em seu celular” e negou qualquer tipo de pressão sobre a mulher de Funaro. “Acabei de dizer que nesta ligação se tratou exatamente de ‘como vai você?’, porque é o mínimo. ‘Sua família está bem?’ Não se tratou de marido dela, de esposo dela, nada disso”, afirmou Geddel.

Questionado pelo procurador da República Anselmo Cordeiro Lopes a respeito de quantas ligações fez para a mulher de Funaro, o ex-ministro relatou que conversou com ela “mais de dez vezes”. Sempre, segundo o peemedebista, o teor era o mesmo: “Isso: ‘Como vai? Tudo bem?’”. “Nunca indaguei se ela estava recebendo dinheiro.”

Apelo. De cabeça raspada, Geddel apelou ao juiz federal para que cumprisse prisão domiciliar ou que fosse aplicado outro tipo de medida cautelar, como uso de tornozeleira eletrônica. O ex-ministro disse “assegurar com toda a força da alma” que, caso solto pela Justiça, se compromete a não fazer nada que o leve de volta à prisão ou venha a causar “constrangimento pessoal e moral”. “De modo próprio, eu já estava praticamente em prisão domiciliar. Eu não saía mais da minha casa, a não ser para trabalho, (cuidar) das coisas que tinha de cuidar”, afirmou o ex-ministro a Vallisney.

O juiz, por sua vez, negou o pedido de prisão domiciliar ou cautelar feito pela defesa, o que levou o ex-ministro a chorar.

“Esses telefonemas reconhecidos pelo Geddel são existentes, de modo que, com eles, o quadro parece grave”, afirmou Vallisney.

“Não tenho elemento para dizer nesse momento que não há indício de crime. Desse modo, eu mantenho aqui o que coloquei na decisão de que há indícios de autoria e materialidade quanto a Geddel.”

Justificativa. No entendimento de Vallisney, dois pressupostos justificam a manutenção da prisão preventiva de Geddel: a defesa da ordem pública, por causa da reiterada conduta delitiva do ex-ministro, e as suas ligações para a mulher de Funaro.

Para o MPF, Geddel tentou obstruir a Justiça ao supostamente pressionar Funaro a não fazer delação premiada. Vallisney ainda solicitou que seja feita um perícia no celular da mulher de Funaro para comprovar se as ligações partiram do número de Geddel.

Após a oitiva de Raquel, o juiz se comprometeu a analisar novamente o pedido de soltura do ex-ministro. Na terça-feira, Geddel foi transferido da sede da PF para a Papuda.

Em Brasília. Geddel Vieira Lima deixa o prédio da Justiça Federal depois de depor ao juiz Vallisney de Souza Oliveira

Vídeo. Ex-ministro chora ao saber que continuará preso

Depoimento

“De modo próprio, eu já estava praticamente em prisão domiciliar. Eu não saía mais da minha casa, a não ser para trabalhar, das coisas que tinha que cuidar.” “

Acabei de dizer que nesta ligação se tratou exatamente: ‘como vai você?, porque é o mínimo. ‘Sua família está bem?’ Não se tratou de marido dela, nada disso.”

Geddel Vieira Lima

EX-MINISTRO DE GOVERNO DE MICHEL TEMER, PRESO NESTA SEMANA

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Corretor já reúne documentos para fazer delação premiada

Fabio Serapião e Ricardo Brandt

07/07/2017

 

 

Preso desde 2016, Funaro negocia acordo de colaboração com Ministério Público e mira no PMDB

O corretor Lúcio Bolonha Funaro iniciou, ontem, a produção dos anexos de sua proposta de delação premiada que será entregue ao Ministério Público Federal (MPF). Com revelações sobre a corrupção que envolve medalhões do PMDB, ele promete entregar provas dos pagamentos relacionados ao ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que também corre contra o relógio em busca de um acordo.

Funaro foi transferido anteontem do Complexo Penitenciário da Papuda para a carceragem da Superintendência da Polícia Federal no Distrito Federal.

A mudança de domicílio prisional foi pedida pelo criminalista Antonio Figueiredo Basto, advogado de defesa, para permitir a montagem dos anexos para entregar à Procuradoria-Geral da República (PGR) e Procuradoria do Distrito Federal.

Funaro está preso desde julho de 2016, em Brasília, alvo da Operação Sépsis, um desdobramento da Lava Jato que apura corrupção e desvios nos Fundo de Investimentos do FGTS, da Caixa. Ele seria o arrecadador das propinas em nome de Cunha – preso desde outubro de 2016, em Curitiba.

Nas últimas três semanas, enquanto participava das audiências do processo da Sépsis, na Justiça Federal de Brasília, Funaro vinha escrevendo os resumos do que entregará se o acordo de colaboração for fechado.

Além de detalhar sua atuação para o PMDB da Câmara, o futuro delator promete explicar sua relação com o presidente, Michel Temer. Os delatores do Grupo J&F apontaram Funaro como operador financeiro do PMDB da Câmara, grupo político de Cunha e Temer.

Há duas semanas, após uma das audiência da Sépsis, Funaro chegou a se reunir por cerca de 30 minutos com o procurador Anselmo Cordeiro Lopes em uma sala reservada onde discutiu os principais temas que delatará.

Anselmo é o procurador das operações Sépsis e Greenfield – que também apura desvios em investimentos de fundos federais.

A colaboração espontânea feita por Funaro serviu para o Ministério Público Federal embasar o pedido de prisão na segunda- feira passada do ex-ministro Geddel Vieira Lima.

A prisão foi baseada nos depoimentos de Funaro e Joesley Batista, um dos donos do Grupo J&F. No pedido enviado à Justiça, a PF e o MPF sustentam que Geddel estaria agindo para atrapalhar as investigações e que o objetivo seria evitar que Cunha e Funaro firmassem o acordo de colaboração.

Temer e Geddel negam envolvimento em irregularidades. / F.S. e RICARDO BRANDT, ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

Detido. Funaro foi transferido da Papuda para a sede da PF

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Colaboração de Joesley pode ser questionada

Julia Affonso, Luiz Vassallo e Valmar Hupsel Filho

07/07/2017

 

 

Empresário teria omitido compra de empresa com aporte do BNDES quando fechou contrato com consultoria de Palocci

A delação premiada do empresário Joesley Batista, pivô da crise que abala o governo Michel Temer, pode ser questionada pela Procuradoria-Geral da República porque o acionista da JBS teria omitido negócio bilionário do grupo realizado sob a bênção do ex-ministro dos governos Lula e Dilma Antonio Palocci.

Segundo revelou o site O Antagonista, Joesley firmou contrato com Palocci, com cláusula de êxito, depois que a JBS adquiriu a empresa americana Pilgrim’s, Pride Corporation com aporte bilionário do BNDES. A informação foi confirmada pelo Estado.

A JBS repassou R$ 2,1 milhões à empresa Projeto Consultoria Empresarial e Financeira, de Palocci, entre dezembro de 2008 e junho de 2010. O empresário que gravou a conversa com Temer no Palácio do Jaburu afirmou à PGR – já no curso da colaboração – que Palocci não facilitou nenhuma transação da JBS no BNDES.

Na época em que firmou contrato com a empresa de Palocci, a JBS comprou a Pilgrim’s por US$ 2,8 bilhões, dos quais US$ 2 bilhões vieram do BNDES. Palocci exercia mandato de deputado federal pelo PT e detinha forte influência no governo – havia sido ministro da Fazenda de Lula e, depois, ministro-chefe da Casa Civil de Dilma.

O contrato de consultoria previa o pagamento de comissão de êxito no valor equivalente a 0,10% do negócio, até o limite de R$ 2 milhões. Estava previsto adiantamento de honorários de R$ 500 mil.

No dia 21 de junho, Joesley depôs na Polícia Federal e teve que explicar os motivos de ter contratado a Projeto Consultoria, a empresa de Palocci. Em seu depoimento, ele afirmou que ele e o petista eram “amigos íntimos”. O empresário declarou que “não tem qualquer interesse em proteger (Palocci)”.

Especialistas em direito penal têm opiniões distintas sobre as consequências de uma suposta omissão na delação. Para a doutora em Direito Penal (PUC-SP), sócia da Viseu Advogados, Carla Rahal Benedetti, o acordo de Joesley não corre riscos.

“O compromisso da delação é provar aquilo que foi revelado.

O que foi omitido e, portanto, não está contemplado no acordo, nada tem a ver com o que foi negociado.” Já a especialista em Direito Penal e Empresarial e presidente do Instituto Compliance Brasil, Sylvia Urquiza, afirma que o acordo de Joesley pode ser de “colaboração contínua” e a entrega da planilha faria parte deste acordo. “Agora, se ele mentiu deliberadamente sobre o assunto durante sua delação, o acordo pode ser revisto.” Em nota, o STF afirma que eventuais questionamentos sobre o acordo podem ser posteriormente submetidos à Corte. /COLABOROU GILBERTO AMENDOLA

Acordo. Joesley prestou novo depoimento à PF em junho