O Estado de São Paulo, n. 45188, 07/07/2017. Política, p. A9

 

PF acaba com grupo da Lava Jato em Curitiba 

Ricardo Brandt e Fausto Macedo

07/07/2017

 

 

Investigadores e procuradores criticam decisão e apontam tentativa de desmonte

A Polícia Federal extinguiu ontem o Grupo de Trabalho da Operação Lava Jato, criado em Curitiba em 2014 para atuar exclusivamente nas investigações sobre o esquema de cartel e corrupção na Petrobrás. A medida foi criticada pela força-tarefa do Ministério Público Federal, que pediu a revisão da medida.

Segundo a Polícia Federal, as equipes da Lava Jato e da Operação Carne Fraca – que apura corrupção no Ministério da Agricultura – passarão a integrar a Delegacia de Combate à Corrupção e Desvio de Verbas Públicas (Delecor), que investiga também outros casos.

Em nota oficial, a PF afirmou que a fusão das equipes visa a “priorizar ainda mais as investigações de maior potencial de dano ao erário”. O texto destaca que a medida “permite o aumento do efetivo especializado no combate à corrupção e à lavagem de dinheiro e facilita o intercâmbio de informações”.

Inquéritos da Operação Lava Jato poderão ser distribuídos para outros integrantes da Delecor, que tem 84 pessoas, sendo 16 delegados. “Em nenhum momento o grupo da Lava Jato foi extinto. Pelo contrário, ele foi aumentado”, disse o superintendente da PF no Paraná, Rosalvo Ferreira Franco.

A decisão, porém, foi recebida por investigadores como parte de um “desmonte” orquestrado pelo governo para enfraquecer as apurações. Desde o início do ano, a equipe teve o número de delegados reduzido de 9 para 4. Filipe Hille Pace, Renata da Silva Rodrigues, Dante Pegoraro Lemos e Ivan Ziolkowski passarão a ser chefiados pelo novo chefe da Delecor, delegado Felipe Hayashi, que integrou a primeira equipe de investigações da Lava Jato em 2014.

Para investigadores, a decisão de extinguir o Grupo de Trabalho da Lava Jato desintegra a equipe, que já enfrentava problemas de desmotivação e falta de condições. O Estado mostrou em maio que a Lava Jato e a Superintendência da PF do Paraná tiveram quase um terço do orçamento cortado neste ano pelo governo federal.

O Ministério da Justiça destinou a ambos R$ 20,5 milhões – R$ 3,4 milhões para os gastos extras da operação – ante os R$ 29,1 milhões de 2016 – dos quais R$ 4,1 milhões especificamente para a Lava Jato –, uma queda de 29,5%. Além da redução, houve contingenciamento de 44% da verba destinada à corporação.

Os cortes se refletem, entre outras coisas, em redução de diárias, passagens aéreas, combustível para viaturas e manutenção de aeronaves.

Há hoje cerca de cem inquéritos em andamento. Eles incluem de investigação sobre o ex-ministro Antonio Palocci a apuração sobre corrupção envolvendo a Refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos.

Reação. A mudança na PF pôs em alerta procuradores da Lava Jato em Curitiba, Brasília e Rio. Em reservado, eles avaliaram que as medidas caracterizam interferência direta do governo Michel Temer para tentar frear as investigações e defenderam a revisão da medida. “O Ministério Público Federal espera que a decisão possa ser revista, com a consequente reversão da diminuição de quadros e da dissolução do Grupo de Trabalho da Polícia Federal na Lava Jato, a fim de que possam prosseguir regularmente e com eficiência as investigações contra centenas de pessoas e de que os bilhões desviados possam continuar a ser recuperados”, afirmou a instituição, em nota.

Para o procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, são “falsas” as afirmações de que “não há mais demanda”. “Há centenas de investigações em andamento e com potencial de serem iniciadas”, escreveu, em sua página no Facebook. “Nenhuma razão há para o corte de verbas ou a redução do quadro, quanto mais para encerrar um trabalho ainda com tanta possibilidade de êxito. Bilhões foram recuperados para os cofres públicos”, disse o procurador. “Qual é o interesse por trás disso?”

Balanço. Desde 2014, a forçatarefa afirma ter recuperado R$ 10,3 bilhões em acordos de delação – desse total, R$ 3,2 bilhões foram em bloqueios de bens de réus e R$ 756 milhões em valores repatriados. Procuradores e delegados dizem que já detectaram R$ 6,4 bilhões em propinas pagas. A força-tarefa também pediu que os acusados paguem aos cofres públicos R$ 38,1 bilhões, incluindo multas.

Equipes. PF diz que fusão visa a ‘priorizar investigações de maior potencial de dano ao erário’

Duas visões

“A demanda é bem menor hoje (...) Foi uma decisão nossa, não de Brasília.”

Igor Romário de Paula

CHEFE DA DELEGACIA REGIONAL DE INVESTIGAÇÃO E COMBATE AO CRIME ORGANIZADO

“A distribuição das investigações a um número maior de delegados e ausência de exclusividade prejudicam a especialização.”

FORÇA-TAREFA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EM CURITIBA

PONTOS-CHAVE

Em um ano, 29,5% a menos de recursos

Equipe

Sob o governo Michel Temer, a Polícia Federal reduziu a equipe destacada para a força-tarefa da Lava Jato. O número de delegados em Curitiba caiu de 9 para 4.

Recursos

Recursos para a Lava Jato e a Superintendência da PF do Paraná tiveram queda de 29,5% em 2017 em relação a 2016: R$ 20,5 milhões ante R$ 29,1 milhões.

Operações

Em 2016, agentes do Paraná fizeram 52 operações, das quais 16 ligadas à Lava Jato. Até 31 de março deste ano, foram 8, sendo 2 da operação.

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Duque renuncia a ¤ 20 milhões em propinas

Ricardo Brandt, Julia Affonso e Luiz Vassallo

07/07/2017

 

 

O ex-diretor de Serviços da Petrobrás Renato Duque abriu mão de ¤ 20 milhões que recebeu em propinas de empreiteiros. Ele mantinha a fortuna – já bloqueada – numa conta secreta de um banco no Principado de Mônaco.

Em petição ao juiz federal Sérgio Moro, responsável pelas ações da Operação Lava Jato na primeira instância, a defesa do ex-diretor afirmou que Duque “ r e - nuncia a todo e qualquer direito sobre os valores depositados nas contas bancárias na Suíça – Banco Cramer (Contas Satiras Stiftung - Drenos Corpotarion) – e em Mônaco, no Banco Julius Baer (Pamore Assets INC e Milzart Overseas Holdings INC)”.

Disse ainda que as contas que Duque mantém no exterior em nome das offshores Milzart Overseas e Pamore Assets, no Banco Julius Baer, no Principado de Mônaco, tinham saldo de cerca de¤ 20.568.654,12.

Repatriação. Na petição, Duque “autoriza, expressamente, a repatriação de todos esses valores”. “Requer que o D. Juízo oficie o Ministério Público Federal para que dê início aos procedimentos da referida repatriação”, solicitou a defesa do ex-diretor.

“O requerente manifesta seu interesse de continuar colaborando com todas as investigações das quais tenha conhecimento de fatos relevantes sobre a Petrobrás.” O ex-diretor da estatal petrolífera foi preso pela Operação Lava Jato em fevereiro de 2015.

Na primeira instância, Duque já foi condenado a mais de 50 anos de prisão, em quatro ações penais.