O globo, n.30826 , 30/12/2017. RIO, p. 10

ENTREVISTA - LUIZ FERNANDO PEZÃO

 GABRIELA GOULART

 LUDMILLA DE LIMA

 MARIA FERNANDA

30/12/2017

 

 

 

‘Ainda vou tomar medidas amargas’

Em 2018, o governador Luiz Fernando Pezão entra na reta final do mandato. Depois de um ano em que o Rio chegou ao fundo poço e enxergou a saída na lei de socorro aos estados, ele pretende zerar o rombo de R$ 10 bilhões, acertar as contas com o servidor, ajustar a segurança e mexer com a previdência. Pezão diz que a corrupção não teve peso na crise e que recorre ao cheque especial devido ao atraso do próprio salário

Não há como fugir do tema mais latente no Rio, que é a segurança. O que o senhor acha que desandou no projeto e como o senhor pretende dar novo rumo a essa área?

Havia um contingente de quase 10 mil homens. Nós perdemos muitos policiais, e isso foi mais acentuado em 2015 e 2016. Foram mais de dois mil por ano, que dão baixa e vão para a reserva. E a gente teve que cobrir o asfalto. Não deu para admitir muito. Depois do último concurso, já contratamos uns dois mil, e tem mais uns quatro mil para serem contratados. Estamos numa crise, também não adianta contratar e não ter como pagar. Além de quatro mil homens, perdemos um instrumento que nos ajudava muito, que era o RAS (Regime Adicional de Serviço). Nós colocávamos três mil policiais nas ruas com ele. Ainda estamos com o RAS atrasado da Polícia Militar. Então, a gente perdeu quase sete mil policiais.

Se colocando no papel de cidadão: o senhor se sente seguro hoje andando nas ruas do Rio?

Não estou podendo muito andar nas ruas, estou trabalhando direto, indo a aeroporto, indo a Brasília (para negociar a recém-aprovada lei de incentivo aos estados). A cobertura da imprensa no Rio é maior sobre isso, mas a violência é grande em todo grande centro.

Há previsão de investimentos novos em 2018?

Quero fazer na segurança, com o fundo de segurança que nós aprovamos. Tem a frota de carros que vamos começar a comprar. Quero conseguir dinheiro também colocando na bancada federal emenda ao orçamento.

O senhor pretende retomar o projeto das UPPs?

Sim, mas dentro de um conceito que a gente tenha resultados mais concretos. Não vou criar nada novo. Há estudos que ainda não foram muito detalhados, e que não quis mexer antes de botar salário em dia. Mas, no Alemão, Maré e Rocinha, quero uma coisa mesclada junto com batalhões. Não adianta ter estrutura só de UPP.

Por que?

O tráfico é muito forte. A Rocinha é uma guerra permanente. O que quero é reforçar com outro tipo de batalhão. Ter Bope e Choque mais perto. É reforçar, dar mais suporte ao policial que está ali.

No começo do seu mandato, havia a promessa de mais 50 UPPs...

Não posso voltar às promessas de quando eu não previa o que ia enfrentar.

Há prazo para começar a entrar recursos no fundo de segurança (com 5% de royalties do pré-sal)?

Esse vai ser um dos meus maiores legados. É um recurso que vai imbicar, porque, com novos leilões de campo de petróleo, vai crescer muito.

A intenção, então, é investir em um novo modelo para a segurança?

Paras as menores, como Dona Marta, continua (o modelo antigo). Para as maiores, haverá reforço do Bope e do Choque.

Com presença permanente?

Sim

E com as Forças Armadas também?

Sim, direto.

Uma parte dos servidores ainda não recebeu novembro, assim como o 13º deste ano. O senhor pretende pagar o que falta com os R$ 900 milhões que ainda serão depositados do empréstimo previsto no pacote de ajustes?

Vamos pagar com os R$ 900 milhões e com mais uma operação de securitização de royalties. Vai começar a entrar um recurso, cerca de US$ 100 milhões a US$ 130 milhões ao mês pela desaceleração que está havendo com o aumento do preço do barril do petróleo.

O senhor tem prometido pagar os servidores em 2018 até o décimo dia útil. Vai ser possível?

Eu quero.

A partir de quando?

Depende dos R$ 900 milhões, se conseguir realmente agora a gente começa a acertar a partir de janeiro.

Com os pés no chão, quando os servidores poderão ter os salários regularizados?

Em fevereiro, acho que já dá. A previsão era de 60 dias (para os R$ 900 milhões serem depositados na conta do estado), mas acho que eles vão antecipar. Não vou dar data pois os servidores me botam com nariz de Pinóquio depois.

Mas essa é uma realidade dura para os servidores.

Eu sei que é duro, eu também estava com meu cheque especial virado. Eu vivo do meu salário. Ganho R$ 21 mil, recebo líquido R$ 18 mil, e estava com meu salário atrasado. Sou o último (a receber).

A relação com o servidor está tensa...

Claro, e não é para menos. Mas estamos tendo avanços. Chegamos a ter três meses atrasados. Eu acho que estamos muito perto de acertar. Hoje, vejo com otimismo.

Falando de legado e balanço crítico: o que o senhor acha que podia ter feito melhor nesses últimos anos?

Eu não podia prever o que ia acontecer quando foram concedidos os aumentos em 2014. Se eu soubesse que nós teríamos uma crise da previdência dessa magnitude, eu teria chamado o servidor para um pacto. Mas não dava para antever ali, estava chegando como governador. Mas algumas medidas da discussão da previdência já poderiam ter sido implementadas. Como o tempo maior de permanência do policial militar. E isso vale para toda a área de segurança. As pessoas saem com 48 anos de idade. Sei que é um trabalho desgastante, mas tem que ter tempo de permanência maior, o estado não tem velocidade para repor esse pessoal. Hoje, já temos mais inativos que ativos no estado. Eu tenho cem coronéis na ativa para 600 aposentados na PM. Eu tenho cem coronéis bombeiros e 400 aposentados. E o aposentado ganha igual a quem está na ativa. Essa conta não fecha.

Pesquisa Datafolha aponta que 81% consideram ruim ou péssimo o seu governo. Como o senhor acha que vai ficar para a história política do estado?

Claro que quero sair bem. Mas tomei medidas amargas, duras, que tinham que ser tomadas. E ainda vou tomar medidas mais amargas. Quero muito colocar as coisas em dia e fazer uma grande discussão sobre leis necessárias, como na previdência. A gente tem que adequar, fazer regimes jurídicos únicos. Há uma série de coisas que quero discutir com funcionalismo.

Que medidas amargas ainda serão tomadas?

O aumento de contribuição de 11% para 14% já implementamos, e também o de 20% para 28% de contribuição patronal. Mas temos que discutir um tempo de permanência maior das forças de toda a área de segurança, para contribuir mais um pouco, sete, oito anos, e aproveitar esse pessoal na reserva em alguma função.

Foram quantas idas a Brasília para aprovar a lei de recuperação fiscal?

Foram 21 semanas seguidas indo a Brasília, 19 à Câmara e duas ao Senado. Não vou fazer drama disso, saí de um câncer forte, pesando 140 quilos por causa da cortisona, com glicose de 500, com meus médicos pedindo para não voltar. Se voltasse, que fosse em maio, junho de 2017. E eu voltei em outubro, na hora que saí do hospital. E fui para o Congresso Nacional aprovar a primeira lei.

Foi uma negociação difícil...

A gente queria a lei. Sabia que ela era a nossa porta de saída, com as contrapartidas. Tanto que votamos as contrapartidas antes até do Congresso Nacional votar.

Diante das perspectivas da lei, da venda da Cedae, como o senhor prevê que vão ficar as contas daqui para frente?

Já estão melhorando e vão melhorar mais. Quando voltei da doença em outubro de 2016, se você visse novembro e dezembro, nossa perspectiva era de pagar oito folhas este ano. Se não fizéssemos as nossas leis, se não tivesse a lei no Congresso aprovada, teríamos oito. Imagina o caos que não estaria. Nós pagamos 11 e mais um pouquinho, quase chegamos a doze. E vamos botar em dia as contas em 2018. Faltam o 13º de 2017 e 16% do funcionalismo, que ainda não receberam novembro.

Em outros estados a queda dos royalties foi até maior. Por que no Rio o cenário acabou sendo o mais cruel?

Porque a dependência nossa da indústria do petróleo é muito maior. Você tirar isso de uma hora pra outra é muito difícil.

Como tornar o estado sustentável?

Com a lei de recuperação e sem o Rio viver com essa dependência do petróleo. Se ele (o preço do barril) crescer muito, melhor. Mas, hoje, a gente tem previsibilidade que dá para viver, e vamos atravessar, estamos atravessando com ele (o barril) a US$ 28, US$ 32. A primeira coisa que faço quando acordo é olhar a cotação do barril, antes de ir para a esteira. Claro que eu dou um beijo na Maria Lúcia e olho a cotação, se não ela me mata. Às vezes, quando ela está dormindo, eu olho primeiro a cotação. Não gosto de achismo, mas eu acho que estamos fazendo, com essa lei, o maior ajuste que um estado brasileiro já fez.

A lei de ajuste prevê uma revisão dos incentivos fiscais. Por que o estado não fez isso antes?

Houve aumento de ICMS (com os incentivos). Vou pagar o professor, o médico com que arrecadação?

As práticas previstas na lei, como a revisão dos incentivos, se tivessem sido adotadas antes, não poderiam ter afastado um pouco mais o fundo do poço?

O setor de joias, tão criticado, não recolhia nada dentro do estado. Não tinha uma indústria, nada. As pessoas misturaram... E falaram: deram incentivo para termas. Era um restaurante que tinha lá dentro, toda cadeia de restaurante tinha aquele incentivo. Então ficou uma coisa meio jocosa, e que a gente perdeu a guerra de comunicação. Hoje eu tenho certeza que vai se começar a ver quem fez o dever de casa.

O senhor está fazendo o dever de casa?

Eu e minha equipe. Lutei muito para ter a lei aprovada. Dos 46 deputados federais do Rio, só 20 votaram a favor. Tivemos 312 votos. Quando acabou a votação, a primeira pessoa a me ligar foi o Michel (Temer). Falou: ‘‘Pezão, vou colocar você para articular a previdência, porque, ao conseguir 312 nesse Congresso para essa lei, você foi um herói’.’ E depois tivemos 56 no Senado, foi mais quorum que dois terços. Não foi fácil. Então, trabalhei como nunca pra ter a lei, e ela não vai só beneficiar o Rio.

Com essas medidas todas, é possível reduzir o rombo de R$ 10 bilhões previsto para 2018?

Quero reduzir para zero, vou lutar muito para zero. Estava com déficit de R$ 20 bilhões esse ano, e a gente reduziu para R$ 10 bilhões para 2018.

Uma coisa é cobrir o rombo, e outra é seguir adiante. Como fica esse outro passo, o dos investimentos?

Encontramos um caminho. Agora é retomar empréstimos que foram bloqueados, arrestados, restabelecer relações com BID e Banco Mundial. Tiveram acontecimentos aqui que não tiveram nem no Iraque nem na Síria, em lugar nenhum do mundo. Dinheiros arrestados de convênios para pagar salário, tirados por juízes de primeira instância. Tiraram dinheiro da Baía de Guanabara para pagar salário...

O que o senhor espera entregar em 2018, seu último ano de governo?

Baía de Guanabara, MIS (Museu da Imagem e do Som), ponte do Porto do Açu, uma ponte em Itaperuna, tem 12 trens com o Banco Mundial...

O que o senhor considera como seus maiores legados?

O maior que vou deixar é botar água na Baixada Fluminense. Ruim você estar em 2017, entrando em 2018, falando disso, mas andei aquela Baixada inteira e não tinha água. Estamos fazendo R$ 3,2 bilhões em obras.

Em 2018, qual será o maior investimento em saúde?

Quero apoiar os municípios, a Região Metropolitana, os hospitais já existentes, melhorar o que já vem funcionando. Não quero inventar nada novo.

Esse é o clima de 2018? De melhorar e não inventar a roda? Isso, de entregas...

E qual o seu plano para a Uerj?

Tenho conversado com muita gente da Uerj de diversos segmentos, quero ajudar muito a levantar a autoestima da Uerj, mas acho que a universidade precisa mudar. Ela saiu de um orçamento de R$ 300 milhões para R$ 1,2 bilhão, e 70%, 80% vão para o bolso do professor, para a folha. Ela tem que se modernizar. Não dá para ter patrimônio violentíssimo, e a gente não poder criar fundo imobiliário, fazer umas PPPs, achando que tudo é uma violência contra a autonomia universitária.

Teve a crise do petróleo, a previdência... Mas como o senhor vê a corrupção nessa crise do estado?

Está sendo apurada como em nenhum outro estado. Quem foi julgado culpado está pagando.

O senhor então acredita que não teve peso?

Não vou minimizar a corrupção, mas ela não é a causa dos problemas no Estado do Rio. E está sendo apurada. É chato, é ruim, são muitas pessoas do meu grupo político, o que é muito dolorido para mim.

O senhor se sente confortável de ter feito parte desse grupo que tem presos e investigados?

Eu sinto muito, porque vi o auge desse estado. Ninguém pode negar que o governo do Sérgio (Cabral) teve um legado grande, realização de obras, conquistas da Olimpíada, que mexeram com a economia do Rio. Políticas públicas foram implementadas, com UPPs, UPAs... Há uma série de legados em que participei.

Hoje qual é a relação com o ex-governador?

Não tenho. Só através dos filhos.

Cabral, num dos depoimentos à Justiça, responsabilizou o senhor pela crise.

Aceito crítica de todo mundo, todo mundo tem direito. Claro que ele teve um momento bom da economia, com país crescendo a 7,5% com Lula. Teve preço do barril do petróleo a US$ 115. Eu peguei o barril a US$ 28. Peguei o país a menos oito. São períodos distintos. Mas aceito críticas dele, como aceito de qualquer cidadão.

Quando sair do governo o senhor ainda pretende ser candidato?

Eu não sou candidato a mais nada. Sou candidato a levar o governo até dezembro, botar a vida do servidor em dia, do fornecedor em dia, implementar essa lei. Estou há 35 anos disputando votos. Se for candidato a algo, minha mulher me mata. Vai ser lei Maria Lúcia. Vou levar uma surra.

O senhor foi acusado de caixa dois na sua campanha...

Eu fiz campanha, estava na rua pedindo voto, estava trabalhando e gravando TV, coisa que nunca tinha feito na vida. Trabalhava 20, 22 horas por dia. Eu não cuidei de campanha, não tive esse tempo. Tem erro na campanha? Que se apure, que se puna. Se eu tiver que ser punido, que seja. Dizer que recebi dinheiro em conta no exterior é uma mágoa que vou levar para o resto da vida.

E como será sua vida depois de 2018?

Vou procurar emprego, tenho que me aposentar com 65 anos de idade, tenho 62. Preciso trabalhar mais dois anos para me aposentar pelo INSS. Se o Michel passar para 70, estou roubado.

Como o senhor pretende fazer seu sucessor?

Vai ser um ano muito difícil, mas muito mais previsível. Meu sucessor vai chegar aqui e ter um ano e dez meses sem pagar dívida e sem bloqueios, prorrogáveis por mais três anos se quiser. Pode passar um mandato inteiro sem pagar dívida e sem bloqueio. E sofri R$ 8,7 bilhões de bloqueios. Eu vou trabalhar muito para o Eduardo Paes ficar no PMDB e ser candidato.

A sensação que se tem é que o senhor está terminando esse mandato um pouco amargurado...

Estou muito. Eu não gosto de ter esse sentimento não, sou uma pessoa para cima. Mas não é fácil, todo mundo está sendo jogado na mesma vala comum. Não dá prazer hoje estar na política.