O Estado de São Paulo, n. 45202, 21/07/2017. Política, p. A6

 

Nonsense

Eliane Cantanhêde

21/07/2017

 

 

Nós, os leigos, que não presidimos o País, não presidimos nenhum partido e nem sequer temos mandato parlamentar, não estamos entendendo nada. Michel Temer aumenta impostos enquanto abre os cofres para a base aliada? E Gleisi Hoffmann faz juras de amor ao regime Maduro, que está matando pessoas e destruindo a Venezuela?

Aumentar impostos é coisa para governos fortes, com apoio popular e votos garantidos no Congresso Nacional. Não é exatamente o caso de Temer, que amarga em torno de 7% de popularidade, índice ainda pior do que o de Collor e o de Dilma Rousseff às vésperas do impeachment.

Além disso, Temer está a dias da votação da denúncia da PGR no plenário da Câmara e enfrenta sérios problemas no Congresso, onde ele tem uma base aliada imensa, mas nem sempre fiel. Os partidos dizem uma coisa, os seus deputados e senadores podem fazer outra. Vide o ex-presidente do Senado e ex-líder do PMDB Renan Calheiros. O PMDB é o partido de Temer, mas o peemedebista Renan é cada vez mais ostensivamente contra Temer.

Anunciado o pacote de aumento do PIS/Confins sobre a gasolina e mais um corte de R$ 5,9 bilhões em gastos, Temer embarcou para a Argentina, onde o Brasil vai assumir a presidência do Mercosul e ajudar a transformar o encontro num foro contra Nicolás Maduro e a favor dos venezuelanos.

Enquanto isso, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, acaba de participar de um outro Foro, o de São Paulo, na Nicarágua, onde se reuniram 118 partidos de 26 países das Américas. Acreditem ou não, ela fez exatamente o oposto do que se pretende no Brasil e no Mercosul: levou o apoio petista ao regime injusto e sangrento de Maduro.

Com boa vontade, dá até para entender que Gleisi tenha defendido o ex-presidente Lula, que é o grande pastor de almas do PT, acaba de ser condenado a 9 anos e 6 meses de prisão e ainda é réu de mais quatro processos. Vá lá, até porque Gleisi só virou presidente do PT por obra e graça de Lula.

Mas defender Maduro?! Em nome do PT, Gleisi manifestou “apoio e solidariedade a ele frente à violenta ofensiva da direita”. E defendeu “a consolidação cada vez maior da revolução bolivariana”. Quase macabro.

Maduro não só aprofundou o caos na Venezuela, destruiu a economia, acabou com os produtos e jogou a população na rua da amargura (e nas fronteiras brasileiras) como, por fim, está matando manifestantes que resistem à ditadura e ao colapso do país. São dezenas de mortos. Ficar com Maduro é ficar contra o povo venezuelano.

O risco de Temer é o azedume contra o Planalto piorar ainda mais. Aumento de imposto é um prato feito para a oposição, irrita a população e os setores produtivos. Ainda mais se o governo abre as burras para garantir votos da Câmara contra a denúncia do procurador Rodrigo Janot e empurra a conta da crise fiscal para a maioria da sociedade.

E o risco de Gleisi é não ganhar nada e perder muito. O PT e Lula já tinham mesmo o apoio incondicional da esquerda do continente, mas podem perder ainda mais votos e simpatia dos brasileiros que simplesmente não suportam os absurdos cometidos na Venezuela em nome de uma ideologia.

Mas, enfim, Temer, Meirelles, Gleisi e o PT são vacinados, maiores de idade e sabem muito bem o que fazem. Ou deveriam saber.

Marco Aurélio. Por falar em Venezuela, o professor Marco Aurélio Garcia, morto ontem, aos 76 anos, foi um dos ideólogos da guinada em direção aos “bolivarianos” no governo Lula, mas sumiu no de Dilma, por absoluta inexistência de política externa. Era um homem culto e, justiça seja feita, passou incólume pelas lambanças da Lava Jato.

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Temer barra político na pasta da cultura 

Igor Gadelha, Tânia Monteiro e Fábio Grellet

21/07/2017

 

 

Presidente escolhe jornalista Sérgio Sá Leitão para o ministério em uma tentativa de agradar ao setor artístico; cargo estava vago desde maio

Com a imagem fragilizada pela denúncia de corrupção passiva apresentada pela Procuradoria-Geral da República, o presidente Michel Temer abriu mão de uma indicação política e decidiu agradar ao setor artístico com a nomeação do jornalista Sérgio Sá Leitão para o Ministério da Cultura. O cargo estava vago desde 18 de maio, quando o deputado Roberto Freire (PPSSP) deixou o posto, após a divulgação da delação do Grupo J&F, que atingiu Temer.

A pasta da Cultura era cobiçada por parlamentares do PMDB e do Centrão, grupo de partidos que ganhou força desde que votou majoritariamente contra a admissibilidade da denúncia contra Temer na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. A deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), filha do presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, se articulava para ser indicada ao cargo, mas enfrentou resistência por não ser da área. Anteontem, o próprio presidente informou que já tinha feito outra escolha. O deputado André Amaral (PMDBPB) também queria o posto.

O Ministério da Cultura tem sido um problema para Temer, que vem enfrentando críticas do setor desde o início de sua gestão, quando chegou a extinguir a pasta – e depois recuou. Por isso, o presidente buscou um nome da área, que tivesse apoio para diminuir as resistências.

Paes e Maia. Além das relações na área, o novo ministro também tem ligações políticas. Ele é próximo de Roberto Freire, seu antecessor no comando da pasta, e do ex-prefeito Eduardo Paes (PMDB-RJ). A indicação também agradou ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que será o responsável por comandar a votação da denúncia contra Temer no plenário da Casa, em 2 de agosto. Primeiro na linha sucessória da Presidência, Maia assume o comando do País no lugar do peemedebista, caso a denúncia seja aceita e Temer, afastado do cargo.

Maia negou que tenha influenciado na indicação do novo ministro da Cultura. Aliados do deputado do DEM, contudo, avaliam que Temer fez um “gesto diplomático” a ele, além de acenar ao PMDB do Rio, do qual Paes é integrante.

Placar do Estado mostra que, dos 11 integrantes da bancada peemedebista fluminense, um já se posicionou a favor da aceitação da denúncia contra o presidente, seis estão indecisos ou não quiseram responder e quatro se disseram contra.

Desde que a denúncia por corrupção começou a tramitar na Câmara, Maia tem se mostrado distante do Palácio do Planalto. Na terça-feira, ele e Temer tiveram um atrito, após o presidente convidar parlamentares dissidentes do PSB a se filiar ao PMDB. Maia se irritou com o gesto, uma vez que, desde que o PSB deixou a base do governo, negocia a migração dos descontentes para o DEM. Temer acionou ministros para desfazer o mal-estar.

Em novembro do ano passado, Temer enfrentou uma crise com origem no Ministério da Cultura, quando foi gravado, em seu gabinete, pelo ex-titular da pasta Marcelo Calero. O ex-ministro – que deixou o ministério após o episódio – acusou Geddel Vieira Lima (PMDB), à época na Secretaria de Governo, de tê-lo pressionado a liberar a obra de um edifício onde possuía um apartamento em área tombada de Salvador.

MINISTÉRIO CONTURBADO

12 de maio

O então governo interino do presidente Michel Temer anuncia a fusão dos Ministérios da Educação e da Cultura. O deputado Mendonça Filho (DEM-PE) assume o MEC.

13 de maio

Um dia após a posse de Mendonça Filho, o ministro é recebido com vaias e cartazes de protesto por funcionários da pasta da Cultura.

15 de maio

Artistas, produtores e servidores públicos iniciam ações de protesto em diversas capitais. O cantor Caetano Veloso faz show na sede da Funarte, no Rio, então ocupada por manifestantes.

20 de maio

Em resposta à pressão contra a extinção do MinC, Temer cria o cargo de secretário nacional de Cultura, com status maior, e nomeia o diplomata Marcelo Calero.

21 de maio

O presidente recua e recria o MinC, com Calero como ministro.

26 de julho

A pasta demite 81 funcionários ligados a diversas diretorias e instituições importantes de sua estrutura. Exonerações geram críticas entre representantes do setor.

18 de novembro

Calero pede demissão ao presidente Michel Temer, que convida o deputado Roberto Freire (PPS-SP) para comandar a pasta.

19 de novembro

Em entrevista, Calero afirma que o então ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, o pressionou para que o Iphan aprovasse as obras de um empreendimento em Salvador.

18 de maio

Freire entrega o cargo após divulgação das gravações entre Temer e o empresário Joesley Batista, da JBS.

24 de maio

O cineasta João Batista de Andrade assume interinamente.

16 de junho

Com menos de um mês de interinidade, Andrade pede demissão criticando disputas políticas e corte no orçamento da pasta.

20 de julho

Governo confirma nome do atual diretor da Ancine, o jornalista Sérgio Sá Leitão, como o novo ministro da Cultura.

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Entrevista - Sérgio Sá Leitão 

Ubiratan Brasil

21/07/2017

 

 

‘Fiquei surpreso quando Temer me ofereceu o ministério’

Sérgio Sá Leitão, novo ministro da Cultura

Como foi sua indicação para o Ministério da Cultura?

Uma surpresa, pois, quando o presidente (Michel Temer) me chamou, pensei que era para assumir como diretor-presidente da Ancine, mas fiquei surpreso quando ele me ofereceu o Ministério da Cultura. Aceitei o convite, mesmo sabendo dos problemas da pasta, pois gosto de desafios. Tento sempre fazer a diferença na adversidade – na bonança, qualquer um faz.

Exatamente por causa disso, você já tem ideia por onde começar o trabalho?

Preciso primeiro saber de detalhes da situação. Conheço o ministério, já trabalhei lá (foi chefe de gabinete do MinC durante a gestão Gilberto Gil), conheço como funciona. Também já fui secretário municipal de Cultura do Rio (na gestão de Eduardo Paes), o que me deixa à vontade com esse trabalho. Mas, como venho trabalhando diretamente com o cinema desde janeiro, preciso saber dos detalhes. Uma coisa é acompanhar de fora, a outra é estar lá dentro. Espero estar mais à vontade a partir de terça-feira, quando devo tomar posse. Só então pretendo falar sobre meus planos.

Você vinha encaminhando sua carreira para o cinema, certo?

Sim. Quando surgiu a possibilidade de vir para a Ancine, eu vendi, no início do ano, uma participação que eu tinha em uma produtora para não criar um conflito de interesses. Meu objetivo agora é abrir novo caminho no ministério.