O globo, n.30812 , 16/12/2017. PAÍS, p. 6

Dodge contesta lei que tornou Moreira Franco ministro

ANDRÉ DE SOUZA

16/12/2017

 

 

Procuradora-geral da República pede ainda inquérito contra irmão de Geddel, outro aliado de Temer

 

“O objetivo da norma constitucional é evitar reedições abusivas (de medidas provisórias) por parte do Presidente da República, que configurariam afronta ao princípio da divisão dos poderes” Raquel Dodge Procuradora-geral da República

O ministro Moreira Franco e o ex-ministro Geddel Vieira Lima — dois dos aliados mais próximos do presidente Michel Temer no PMDB — estão na linha de tiro da procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Ela solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) a anulação da lei que criou o cargo de ministro da SecretariaGeral da Presidência da República, ocupado por Moreira. O pedido, se atendido, significará o fim do seu foro privilegiado. Dodge também solicitou a abertura de inquérito para investigar se o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA) ameaçou o ex-ministro da Cultura Marcelo Calero para obter o licenciamento de um empreendimento imobiliário em Salvador, no qual sua família tem participação. Lúcio é irmão de Geddel, que está preso, e ambos já foram denunciados pela procuradora em outro processo.

LEI INCONSTITUCIONAL

Dodge assumiu a Procuradoria-Geral da República (PGR) em setembro deste ano após ter sido escolhida por Temer para o cargo. Ela ficou em segundo lugar na eleição interna, mas era de um grupo de oposição ao ex-procurador-geral Rodrigo Janot, que havia denunciado Temer. O primeiro colocado, Nicolao Dino, era mais próximo do antecessor de Dodge e foi preterido por Temer. Pouco depois de checar ao cargo, a procuradora-geral pediu que Temer prestasse esclarecimentos no inquérito em que é investigado por eventuais irregularidades no decreto presidencial dos portos. O relator no STF, ministro Luís Roberto Barroso, autorizou, mas, em razão de pendências na investigação da Polícia Federal (PF), isso ainda não foi feito.

No caso de Moreira, Dodge argumentou que a lei criando o cargo ocupado por ele é inconstitucional. Em fevereiro, Temer editou a medida provisória (MP) 768. A ação foi vista pelos adversários do presidente como uma forma de proteger Moreira, garantindo foro no STF, onde viria a ser investigado em inquérito baseado na delação da Odebrecht. Sem o status de ministro, o caso poderia ser enviado para o juiz federal Sérgio Moro.

Uma medida provisória tem validade de 120 dias. Nesse prazo, precisa ser aprovada pelo Congresso ou então perde sua eficácia. Mas o parlamento não votou neste prazo. A legislação proíbe ainda que uma nova MP reedite o conteúdo de outra que perdeu validade ao longo do ano. Mesmo assim, com algumas alterações em relação à MP 768, Temer editou em maio a MP 782, recriando a Secretaria-Geral e permitindo que Moreira seguisse no cargo.

Foi por essa razão que, em junho deste ano, o então procurador-geral da República Rodrigo Janot entrou com uma ação no STF questionando a MP. Em novembro, após a nova medida provisória ter sido aprovada no Congresso, ela foi convertida em lei. Assim, Dodge apresentou agora novo parecer na corte questionando também essa lei e reiterando os argumentos de Janot.

“Embora a MPv 782/2017 tenha conteúdo mais abrangente que a MPv 768/2017, o texto desta foi reproduzido por aquela, de sorte que é evidente a reedição de seu objeto”, escreveu Raquel Dodge, acrescentando: “O objetivo da norma constitucional é evitar reedições abusivas por parte do Presidente da República, que configurariam afronta ao princípio da divisão dos poderes”.

Mais adiante, avaliou: “A hipótese do autos, de revogação e reedição de medida provisória com mesmo conteúdo, justifica o controle pelo Supremo Tribunal, porquanto configura burla à sistemática de processamento das medidas provisórias no Congresso Nacional, evidenciando a ausência dos pressupostos constitucionais”.

No pedido de junho, Janot também afirmou que a medida assegurava indevidamente foro privilegiado a Moreira. Dodge não fez menção a esse ponto, mas disse, genericamente, reiterar as razões do exprocurador ao pedir a anulação da MP. A ação é relatada pela ministra Rosa Weber, que não concedeu nem negou a liminar pedida por Janot. O caso será levado diretamente para julgamento no plenário do STF, composto por 11 ministros, mas ainda não há data marcada. Rosa é relatora de outras três ações questionando a nomeação, propostas por Rede, PSOL e PT.

AMEAÇA A CALERO

Em outro processo no STF, Dodge pediu a abertura de inquérito para investigar se Lúcio Vieira Lima ameaçou Marcelo Calero. Ela enviou o pedido para o ministro Edson Fachin, relator no STF de um inquérito no qual a procuradorageral já denunciou Lúcio e Geddel pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa. Mas Fachin entendeu que não há ligação entre os dois casos, e mandou o processo para a presidente da Corte, Cármen Lúcia. Caberá a ela determinar o sorteio que levará à escolha de outro relator.

Dodge chegou a alegar conexão entre os fatos, mas, segundo Fachin, “infere-se que o novo procedimento apuratório tem por finalidade a elucidação de suposta ameaça praticada por Lúcio Quadros Vieira Lima em detrimento de Marcelo Calero Faria Garcia, à época em que este ocupava o cargo de Ministro de Estado da Cultura, em função da divulgação das supostas pressões que sofria por parte de Geddel Quadros Vieira Lima para liberação, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (IPHAN), da obra no empreendimento La Vue”.

Depois, conclui o ministro: “Ainda que o aludido empreendimento tenha sido utilizado para a lavagem de capitais imputada aos denunciados, tal circunstância, por si só, não seria apta a justificar a apuração conjunta dos fatos, pois não se constata, neste momento, a ocorrência de quaisquer das causas de determinação da competência por conexão”.

Na mesma decisão, Fachin negou pedido de Geddel para revelar o número do telefone do qual partiu a ligação anônima que levou a PF a descobrir o “bunker” — um apartamento em Salvador — onde ele guardava R$ 51 milhões. Dodge foi contra esse pedido. Agora, Fachin concordou com ela. O ministro argumentou que a solicitação da defesa de Geddel deve ser feita diretamente à PF.