O globo, n.30812 , 16/12/2017. PAÍS, p. 6

‘Impossível não sentir vergonha’

FERNANDA KRAKOVICS

16/12/2017

 

 

Para Luís Roberto Barroso, corrupção se naturalizou, mas país tem oportunidade de vencer batalha para ‘superar ranços de patrimonialismo, da cultura de ficar pendurado no Estado’

Ao receber homenagem do Ministério Público do Estado do Rio (MP-RJ), o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou ontem que a fotografia do momento brasileiro é “devastadora” devido à corrupção endêmica e sistêmica revelada pela Operação Lava-Jato. — Não foi um fato isolado, foi uma corrupção que contaminou empresas estatais, agentes públicos, privados, partidos, membros do Legislativo e do Executivo. É impossível não sentir vergonha pelo que aconteceu no Brasil nos últimos anos — disse ele, que recebeu o Colar do Mérito do MP-RJ.

Barroso, que não quis dar entrevista, afirmou, em seu discurso, não fazer diferença se o dinheiro da corrupção foi utilizado para caixa dois ou em proveito próprio, porque seus danos para a sociedade são os mesmos, com desvio de dinheiro que deveria ser aplicado em serviços públicos: — O problema é de onde o dinheiro vem e o que se faz para obtê-lo. Ele criticou a classe política: — Este é o modo ordinário de se fazer política no Brasil. Naturalizou-se a corrupção. Ela virou um meio de vida e de fazer negócios. A sociedade se tornou consciente de que somos liderados pelos piores.

Para Barroso, essa é uma oportunidade de o país recomeçar em novas bases: — Estamos enfrentando, no fundo, uma batalha cultural, para superar ranços de patrimonialismo, da cultura de ficar pendurado no Estado. Na sequência, ele participou de um almoço na Associação Comercial do Rio, onde a tônica de seu discurso também foi a corrupção. Sem citar um caso concreto, o ministro afirmou que mudanças da jurisprudência têm contribuído para enfrentar a impunidade e que há pressão para revertê-las.

Cresce dentro e fora do STF a pressão para que seja marcado novo julgamento sobre a possibilidade de réus condenados em segunda instância irem para a cadeia. No ano passado, o tribunal decidiu pela execução antecipada da pena. Até então, a regra era, a não ser em casos de criminosos perigosos, recorrer em liberdade até a última instância. A decisão tem repercussão geral, ou seja, deve ser cumprida por juízes de todo o país, na análise específica de cada caso. Porém, nem no próprio STF esse entendimento tem sido totalmente cumprido. — Tem havido mudanças na jurisprudência que são importantes para acabar com o ciclo de impunidade. Algumas deram tão certo para enfrentar a impunidade no crime de colarinho branco que já há pressão para voltar atrás — afirmou Barroso.