O globo, n. 30812, 16/12/2017. ECONOMIA, p. 23

ASCENSÃO SOCIAL RESTRITA

DAIANE COSTA

16/12/2017

 

 

Oportunidades no mercado de trabalho não acompanham avanço no nível educacional

No Brasil, a ascensão no mercado de trabalho ocorre a passos lentos. Metade dos brasileiros consegue alcançar um estrato social melhor do que o ocupado por seus pais, mas poucos avançam em saltos de longa distância — ou seja, sobem mais do que dois “degraus” na pirâmide social. Essa escalada ocorre em ritmo mais lento do que o avanço educacional. Segundo a Síntese de Indicadores Sociais, divulgada ontem pelo IBGE, 68,9% têm nível de instrução superior ao dos pais. Especialistas explicam que isso se dá por uma questão estrutural do mercado e de rede de relacionamentos. O estudo mostra, por exemplo, que brasileiros com origem no topo da pirâmide social têm quase 14 vezes mais chance de continuarem nesse estrato do que pessoas nascidas na base ascenderem para essa posição. — Existe uma conexão direta entre origem social e resultado educacional, e isso tem repercussão na vida profissional do indivíduo, que a transmite para gerações futuras. O período da infância (de 0 a 6 anos) é quando o cérebro está se formando e, por isso, determinante para cada destino. Crianças abastadas recebem melhores estímulos cognitivos e orientação sobre como se comportar na sociedade. E isso tudo vai favorecê-los na vida adulta — analisa Rafael Guerreiro Osório, sociólogo e pesquisador do Ipea. Por isso, explica, as sociedades menos desiguais em relação às oportunidades são aquelas que têm ensino gratuito de qualidade disponível para todos, realidade de países nórdicos, como a Dinamarca: — Crianças pobres e ricas recebem um estímulo mais uniforme, e as que têm menos estímulo familiar, porque os pais têm menor capacidade de investimento, fazem essa compensação na escola. É necessário uma mesma escola de qualidade para todos.

BAIXA QUALIFICAÇÃO

Na base da pirâmide da pesquisa do IBGE estão os trabalhadores agrícolas. Em um terço das famílias deste grupo, os filhos se mantêm no mesmo tipo de ocupação. Em pouco mais de metade dos casos (51,8%), a segunda geração dá dois saltos na escala ocupacional — ou seja, os filhos ascendem para o estrato E (domésticas, auxiliares de serviços gerais, vendedores em lojas ou supermercados, entre outros) ou para o estrato D (como motoristas ou trabalhadores na construção civil). E apenas em 15,4% há um avanço de longa distância, para os estratos C (trabalhadores do serviço administrativo), B (técnicos de ensino médio) ou A (dirigentes ou profissionais das ciências ou das artes). — O Brasil, apesar de ser extremamente desigual, vivenciou uma mobilidade considerável. Mas ela é fruto principalmente do processo de urbanização: da substituição de atividades mais agrícolas para o conjunto de ocupações urbanas. E essa mobilidade se concentra nos estratos mais baixos — resume Betina Fresneda, analista na coordenação de População e Indicadores Sociais do IBGE. Na opinião do economista e pesquisador da Faculdade de Campinas Waldir Quadros, essa mobilidade curta e concentrada nas camadas mais populares é explicada pelo tipo de emprego ofertado, mesmo com a expansão do mercado de trabalho ocorrida entre 2004 e 2014: — O país não se industrializou, e as vagas ofertadas ainda são de baixa qualificação e reduzida remuneração. Esse crescimento econômico de baixo rendimento, fruto da falta de modernização, limita a mobilidade. Estudar em uma escola de bom nível e ter uma boa rede de relacionamentos são mecanismos tradicionais de ascensão, mas, para isso, é preciso ter vagas, afirma Quadros.

Tanto que, durante a recessão, todos os estratos foram penalizados com desemprego, observou: — O país pode se tornar um lugar com menos desigualdade em oportunidades a partir de uma reindustrialização. Isto criaria empregos de melhor qualidade e traria desafios como melhorar a educação, que se expandiu, mas ainda não é de qualidade aceitável. De acordo com a pesquisa do IBGE, o percentual de filhos (25 a 65 anos) com nível educacional diferente do paterno foi de 73,9%, sendo que 69% tinham estudo superior ao do pai e 5%, inferior. Mas apenas 4,6% dos filhos cujos pais não tinham instrução conseguiram concluir o ensino superior. Enquanto 70% dos filhos de pais com ensino superior também alcançaram essa formação. — Houve explosão das matrículas nos anos 2000, e a escolaridade vem aumentando sistematicamente, principalmente por causa da maior oferta de vagas no ensino superior privado, que encontrou demanda com a criação do sistema de financiamento Fies e do programa de bolsas Prouni. É consistente que os filhos estão mais escolarizados que os pais — avalia Quadros. Filho de uma agricultora que estudou até o 4º ano do ensino fundamental e de um barbeiro, Cícero Weliton da Silva Santos, de 31 anos, é uma dessas exceções. Se tornou advogado e ganha uma média de R$ 6.500 mensais como contratado de um escritório de advogacia em Teresina (PI), onde mora. Como assume outras causas, pode ganhar até R$ 10 mil mensais, como ocorreu neste mês de dezembro. Cícero deixou a zona rural, onde nasceu, e foi trabalhar e estudar em Teresina aos 16 anos. Fez faculdade com ajuda do programa de bolsas Prouni, do governo federal. Ganhou 80% de desconto nas mensalidades. — Eu sou a primeira pessoa de minha família com curso superior. Consegui ter uma renda melhor do que a de meus pais por conta da educação. É sabido, por todos, que quem vem do interior tem uma certa dificuldade. Mas, se o jovem pretende ingressar em uma faculdade, tem que se dirigir à capital, onde há mais opções. É a educação que faz a diferença — comentou o advogado.

52 MILHÕES NA POBREZA

A Síntese de Indicadores Sociais mostrou ainda que o Brasil tem 52 milhões de pessoas — o equivalente a toda a população da África do Sul e a um quarto da brasileira — vivendo na pobreza. Ou seja, em lares cujo rendimento médio de cada morador não passa de R$ 387 por mês ou US$ 5,50 ao dia. A classificação é a usada pelo Banco Mundial para verificar a quantidade de pessoas nos países da América Latina que vivem nessas condições. Na pobreza extrema — rendimento domiciliar per capita mensal de R$ 133,72 ou US$ 1,90 diários — vivem 13,4 milhões de pessoas ou 6,5% da população brasileira. De acordo com o estudo, 42% das crianças de 0 a 14 anos ou 17,8 milhões vivem na pobreza, assim como 33% dos homens pretos ou pardos e 34% das mulheres dessa mesma cor, enquanto atinge apenas 15% dos homens e mulheres brancas.