Superávit recordes fazem governo elevar estimativa

Cristiane Bonfanti, Daniel Rittner e Marta Watanabe

04/07/2017

 

 

Diante de resultados expressivos para o mês de junho e para o acumulado do primeiro semestre, que apresentaram os maiores saldos positivos desde o início da série histórica em 1989, o governo revisou para cima sua estimativa de superávit para a balança comercial em 2017. A projeção saiu de US$ 55 bilhões para US$ 60 bilhões. No ano passado, as exportações superaram as importações em US$ 47,5 bilhões - uma marca recorde até então.

A nova previsão foi divulgada pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic) logo depois do anúncio do saldo de US$ 36,2 bilhões na primeira metade do ano. Foi um semestre repleto de boas notícias na área comercial. Uma delas veio da conta-petróleo, historicamente deficitária, que inverteu sua tendência e teve superávit de US$ 3,334 bilhões - estava negativa em US$ 957 milhões no mesmo período de 2016. Houve uma ampliação de 106% das exportações na comparação anual. Isso reflete o aumento da produção, sobretudo na camada do pré-sal, com embarques de 1,067 milhão de barris de óleo bruto por dia.

Analistas que acompanham comércio exterior também revisaram para cima a projeção de superávit para o ano após a divulgação dos dados de junho. A Rosenberg Associados elevou sua estimativa de saldo comercial positivo para 2017 de US$ 60 bilhões para US$ 68 bilhões. Na MacroSector, o superávit projetado de US$ 47 bilhões deve subir para cerca de US$ 52 bilhões.

Pela primeira vez desde 2011, a balança comercial de janeiro a junho teve um superávit que os técnicos chamam de "saudável", com aumento nas exportações e também nas importações. "Isso é um sinal claro de retomada do crescimento econômico", afirmou o ministro Marcos Pereira, em declaração gravada em Madri, onde cumpre agenda oficial. Em anos anteriores, os saldos robustos se justificavam principalmente pela retração das compras no exterior, como impacto da queda na atividade. As vendas de produtos brasileiros evoluíram 19,3% sobre igual período do ano passado e alcançaram US$ 107,7 bilhões. Enquanto isso, as importações subiram 7,3% e atingiram US$ 71,5 bilhões.

O secretário de Comércio Exterior, Abrão Neto, chama atenção para o fato de que houve alta em todas as categorias de exportações (básicos, manufaturados e semimanufaturados) e de importações (bens intermediários, bens de consumo, combustíveis e lubrificantes). Mais do que os números em si, na avaliação dele, é esse crescimento "transversal e sustentável" que autoriza o governo a enxergar na balança do primeiro semestre um sinal de recuperação da economia. A única exceção nas estatísticas foram as compras de bens de capital no exterior, termômetro de investimentos no parque produtivo, que sofreram contração de 27% no acumulado até junho.

Rafael Bistafa, economista da Rosenberg, explica que a elevação do superávit comercial projetado para o ano de US$ 60 bilhões para US$ 68 bilhões levou em consideração o crescimento de exportações reestimado de 15% para 17% neste ano e a revisão para a alta da importação, de 9% para 7,5%.

Segundo Bistafa, o crescimento mais desacelerado das importações em junho - 3,3% contra 7,3% no acumulado dos seis primeiros meses - é um reflexo da recuperação lenta da economia doméstica e também do câmbio, que passou para um nível mais desvalorizado desde meados de maio. Por conta disso, o economista avalia que nos próximos meses a taxa de crescimento das importações deve ser maior que a de junho, mas já mais desacelerada que a dos primeiros meses do ano.

Fabio Silveira, sócio da MacroSector, diz que o superávit projetado pela consultoria também está em revisão, mas com estimativa de saldo mais modesta. Dos US$ 47 bilhões projetados inicialmente, o novo superávit estimado deve ficar por vota de US$ 52 bilhões. A consultoria projeta crescimento de 0,8% para o PIB em 2017. "Isso deve trazer discreta melhora no nível de atividade do segundo semestre, levando uma velocidade maior à importação de insumos", avalia.

Esses desembarques, porém, devem pressionar um pouco o superávit para baixo. Os embarques devem manter desempenho favorável, com a reação de alguns segmentos da indústria, acredita, por conta do câmbio mais desvalorizado. De qualquer forma, salienta Silveira, o superávit comercial deverá ser robusto e importante para as contas do setor externo.

Um ponto de preocupação que entra no radar é o desequilíbrio nas relações comerciais Brasil-Argentina. Motivo para uma escalada de medidas protecionistas no passado, o descompasso voltou à cena. A balança no comércio bilateral foi superavitária em US$ 3,7 bilhões no primeiro semestre. No mesmo período de 2016, o saldo havia sido favorável ao Brasil em US$ 2,3 bilhões.

O desequilíbrio aparece em um momento de calmaria na agenda bilateral, com os dois países alinhados em relação ao Mercosul e fazendo um esforço pela redução de barreiras não-tarifárias dentro do bloco. Em ocasiões anteriores, quando o desequilíbrio se acentuou, reclamações da indústria argentina levaram o governo local a lançar mão de controles formais ou informais para diminuir as compras do Brasil.

Em franca recuperação e puxadas pelo setor automotivo, as exportações brasileiras à Argentina aumentaram 27,1% no primeiro semestre e chegaram a US$ 8,3 bilhões. Trata-se do quarto maior mercado para produtos brasileiros no exterior - atrás da China, União Europeia e Estados Unidos. Do lado contrário, as vendas da Argentina para o Brasil subiram 8,8% na primeira metade do ano e atingiram US$ 4,6 bilhões. Trigo em grão, milho, cevada e veículos de carga foram os destaques.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4289, 04/07/2017. Brasil, p. A3.