O globo, n.30821 , 25/12/2017. EDITORIAL, p. 10

A miopia do nacionalismo

25/12/2017

 

 

A estatal foi exaurida pela MP de Dilma, e não há outra alternativa para o setor receber investimentos

Segundo Millôr Fernandes, “quando uma ideologia fica bem velhinha, ela vem morar no Brasil”. Pois nos aproximamos da segunda década do século XXI e a visão do nacionalismo, mesmo num mundo globalizado, ainda atrai brasileiros, à esquerda e à direita.

Como certas ideologias são uma forma de religião sectária, não importa os estragos que o nacionalismo fez e faz no mundo, nos aspectos político e econômico. Trump e Putin são dois exemplares desta visão estreita e que, no extremo, costuma levar a catástrofes. Na economia, não basta o atraso que o Brasil demorou a superar no petróleo, e que começou a ser eliminado quando a Petrobras se abriu a contratos de exploração com empresas estrangeiras. Mas os religiosos continuam fieis.

A miopia nacionalista continua sem enxergar o que dizia Deng Xiao-Ping com sua frase: “Não importa a cor do gato, contanto que cace o rato”. Ele não escapou de ser uma vítima da Revolução Cultural, reação do maoismo a tentativas de abrir a China, mas sobreviveu para construir bases sobre as quais o país se modernizou no aspecto econômico, usando para isso instrumentos do capitalismo. Como resultado, a China se tornou a segunda economia do mundo. Tem um encontro marcado com a contradição de se modernizar, gerar milionários e uma enorme classe média, e continuar uma ditadura política de partido único. Mas esta é outra questão.

No Brasil o velho nacionalismo volta a ser brandido contra a intenção do governo de privatizar o controle da Eletrobras, pulverizando-o no mercado. Voltam os antigos jargões que fazem pouco caso da racionalidade.

O problema é fácil de entender: a estatal, holding do setor elétrico, foi quebrada pela política voluntarista da presidente Dilma Rousseff, considerada grande especialista no setor. E sem condições mínimas de liderar os pesados investimentos que o país precisa na geração e de energia, o sensato é repassá-la ao setor privado, o que não significa perder o controle do planejamento na atividade. Além de haver formas de assegurar a palavra final em assuntos estratégicos na empresa. Vide a Embraer.

A bomba que implodiu o setor elétrico chama-se MP 579, de 2012, cuja intenção era reduzir as tarifas em 20% — objetivo também de interesse políticoeleitoral. A varinha mágica da operação era antecipar a renovação de concessões de usinas a vencer entre 2015 e 2017. Hidrelétricas de estados (Minas, São Paulo e Paraná) não aceitaram, e ainda um grave período de seca forçou o uso intensivo de termelétricas, de custo superior às usinas hidrelétricas. Mágicas foram tentadas com subsídios, empréstimos do Tesouro, e tudo somado não apenas não reduziu de forma consistente as tarifas, como abriu rombos bilionários na contabilidade de todo o sistema Eletrobras.

A reação pavloviana do nacionalista é usar o Tesouro. Mas este tem acumulado gigantesco déficits anuais de 8% a 9% do PIB. A racionalidade de um comunista como Deng-Xiao Ping aconselha se escolher a melhor solução: a privatização, o gato para caçar (...)

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Pilhagem do Estado

O Congresso não pode permitir passivamente mais essa etapa do leilão das riquezas brasileiras
Por: JOSÉ GUIMARÃES

 

Em mais um passo rumo ao completo desmonte do Estado brasileiro, o governo planeja a privatização da Eletrobras, que deve chegar ao Congresso nos próximos dias. O petróleo essa administração já entregou às empresas estrangeiras a preço de banana. Agora vai presentear o mercado com outro bem essencial à soberania e à segurança nacionais, que é o setor energético. Nenhum país do mundo, nem os Estados Unidos na era de Ronald Reagan, privatizou energia, petróleo e gás.

Mesmo no maior processo de privatização que o Brasil já viveu, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, se chegou ao absurdo que se observa agora. Não se trata de um modelo de desenvolvimento. Tudo que esse governo ilegítimo procura é fazer caixa, com o objetivo, inclusive, de comprar apoio político. Foi isso que se verificou nas duas votações das denúncias contra Michel Temer no Congresso.

Como denunciou o jornalista Luis Nassif, a venda da Eletrobras vai representar a maior pilhagem já vista do Estado brasileiro. Com a venda da estatal, o governo espera arrecadar entre R$ 12 bilhões e R$ 40 bilhões. Esses são os valores que circulam na imprensa. Acontece que não entra no cálculo o valor das concessões das empresas controladas pela Eletrobras.

As concessões da empresa pública devem valer cerca de R$ 289 bilhões. Afinal, a empresa detém mais de 30% do mercado nacional de energia, com 233 usinas de geração, seis distribuidoras e 61 mil quilômetros de linhas de transmissão. Não precisa ser gênio em matemática para calcular a extensão do presente concedido ao deus desse governo — o mercado.

Mas os prejuízos não serão apenas para os cofres públicos. Como se trata de empresa com a maior fatia do mercado, deixar de controlar a Eletrobras significa perder o controle sobre as decisões estratégicas relativas a esse mercado. E a energia representa o ativo mais importante para o desenvolvimento.

O governo argumenta que irá “pulverizar” a venda para que o controle não fique nas mãos de uma única empresa. Acontece que não é possível garantir que essa estratégia irá funcionar. No segundo semestre de 2016, uma empresa chinesa adquiriu ações da CPFL Energia. Em janeiro deste ano, já havia se tornado a controladora da empresa.

Quem for o sócio majoritário na Eletrobras terá controle sobre investimentos no setor e, com isso, sobre o preço da energia. Cálculos iniciais da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) estimam que o processo poderá elevar as contas de luz em até 16,7%.

O Congresso não pode permitir passivamente mais essa etapa do leilão das riquezas brasileiras. É necessário reagir para barrar mais esse retrocesso. Do contrário, quando houver consciência dos prejuízos, não haverá nada mais (...)

José Guimarães é deputado federal (PT-CE) e líder da oposição na Câmara