O globo, n.30821 , 25/12/2017. PAÍS, p. 4

Defensoria aponta danos mentais a presos federais

ANDRÉ DE SOUZA

25/12/2017

 

 

Mesmo com melhores instalações, espaço sobrando e até seis refeições por dia, detentos tentam voltar a seus estados de origem

Defensoria afirma que 60% dos presos sofrem com problemas mentais, por isolamento. Revista de parentes e proibição de visita íntima também são alvos de queixas

 Apesar de abrigarem presos de 14 diferentes facções criminosas, os quatro presídios federais do país — Catanduvas (PR), Campo Grande (MS), Porto Velho (RO) e Mossoró (RN) — não tiveram nenhum registro de rebelião, fuga ou homicídio nos últimos anos, de acordo com relatórios produzidos pela Defensoria Pública da União (DPU) entre 2015 e 2017. Em Campo Grande e Mossoró, os agentes penitenciários usam apenas armamentos não-letais. O sistema tem 832 vagas, mas abriga apenas 437 detentos. Em todas as unidades são servidas de cinco a seis refeições diárias — em Mossoró e Campo Grande, cada refeição chega a pesar um quilo — e os presos costumam ter acesso a atividades como futsal, xadrez, leitura e vídeos. Ainda assim, 185 presos que estão há mais de dois anos em unidades federais — 55 deles do Rio de Janeiro — tentam, na Justiça, retornar a seus estados de origem. Os dados são do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), ligado ao Ministério da Justiça.

Na ação em que solicita a volta dos presos a seus estados, a DPU alegou, entre outras coisas, que o isolamento levou muitos presos a terem problemas de saúde mental. Usando dados fornecidos pelo Depen, o órgão diz que “cerca de 12% dos custodiados federais já recorreram ao suicídio e 60% sofrem com alucinações auditivas, psicose, desorientação, dentre outros problemas mentais”. Nos relatórios de autoria da DPU, no entanto, os casos de transtorno mental citados são mínimos. Procurada pelo GLOBO, a DPU informou que não há contradições, uma vez que não é possível comparar os dois levantamentos, realizados a partir de bases de dados e metodologias diferentes. O isolamento é agravado pela demora na entrega de correspondências. “Os internos que não recebem visita de familiares, mas se comunicam por meio de carta, reclamam da demora no envio e recebimento (90 a 120 dias)”, diz trecho do documento. O pedido para a volta dos presos foi negado liminarmente, em outubro deste ano, pelo relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Alexandre de Moraes, mas ainda não há uma decisão definitiva. Os relatórios das vistorias da DPU foram anexados ao pedido.

VISITANTES PRECISAM FICAR SEM ROUPAS

As principais queixas dos presos de unidades federais são a proibição de visitas íntimas — determinada pelo Depen neste ano—, constrangimentos na revista a familiares e monitoramento de conversas entre os presos e seus advogados. “Os presos em geral estão reclamando bastante das limitações às visitas íntimas, impostas pela recente portaria do Depen, sendo esta, sem dúvida, a maior reclamação apresentada durante a inspeção”, diz trecho do documento da DPU. Com relação à revista de visitantes, não há scanner corporal em Campo Grande, Mossoró ou Porto Velho. Assim, quem entra no presídio tem que se despir. Em Mossoró, adolescentes precisam ficar nus e até mesmo as crianças têm de ficar só com as roupas íntimas. Em Porto Velho, os adolescentes também se despem. Para controle de entrada, há detectores de metal e equipamentos de raio-X. Segundo o relatório da unidade de Porto Velho, as conversas entre advogados e presos no parlatório são gravadas. Segundo a DPU, isso se deve a uma decisão da Corregedoria Judicial da penitenciária. Medidas assim costumam causar insatisfação entre advogados, que veem nisso uma violação ao sigilo na relação profissional deles com seus clientes.

REFEIÇÕES COM CONTROLE DE QUALIDADE

Os relatórios foram feitos entre 2015 e 2017. O mais antigo é da unidade de Mossoró, de abril de 2015. O mais recente é o de Catanduvas, e já aborda a portaria do Depen, que restringiu em 2017 as visitas íntimas. Os de Campo Grande e Porto Velho são do fim de 2016. Segundo a DPU, há relatórios mais recentes, de 2017, mas os dados ainda estão sendo consolidados. Sexo, religião, alimentação, lazer, educação e trabalho são alguns dos pontos abordados. Os relatórios de Campo Grande e Mossoró, por exemplo, dizem que visitas homoafetivas são permitidas. Não há informações a respeito disso nos documentos de Catanduvas e Porto Velho. Em Mossoró e Campo Grande, as refeições são adaptadas por motivos de saúde e religiosos. Em Porto Velho, há também dietas específicas e é permitido chocolate em datas como Dias dos Pais, Páscoa e Natal. O cardápio é orientado por nutricionista nos três presídios. Existe até mesmo controle de qualidade. Em Campo Grande, segundo o relatório da DPU, as refeições são pesadas e são verificadas a aparência, temperatura e cheiro. Em Mossoró, “todos os dias a penitenciária federal recebe uma marmita teste, que é provada pelo fiscal, além de ser verificado o peso e a temperatura”.

Em Catanduvas, diante da reclamação dos presos, os defensores públicos que fizeram a vistoria provaram a refeição entregue para os internos no almoço do dia 3 de outubro deste ano (picadinho de carne, arroz, feijão preto, farofa, salada e purê de batata), “restando a mesma aprovada pelos mesmos”, diz o relatório. É permitida a entrada de religiosos, em sua maioria sacerdotes católicos ou evangélicos, mas algumas precauções são tomadas por motivos de segurança. O relatório de Mossoró destaca que é proibido o batismo na banheira, em que a pessoa tem a cabeça mergulhada e fica temporariamente sem respirar. Em Campo Grande, os religiosos não têm restrições de vestimentas para entrar, mas “recomenda-se não usar vestuário e calçados com partes metálicas e que possam comprometer a segurança da unidade”. Em Porto Velho, o relatório traz a reclamação de que presos em regime disciplinar diferenciado (RDD) são privados de assistência religiosa. As condições de banho variam em cada penitenciária. Em Campo Grande, a água do chuveiro é aquecida. Em Porto Velho, não. Em Mossoró, também há banho diário, mas sem chuveiro — é o “banho na pia (de bica)” — e a água é fria. Não há permissão para usar rádio, aparelho de som, de DVD ou TV. Eletrodomésticos como geladeira, fogão e ventiladores também são proibidos.

Se por um lado é comum haver presos no sistema federal estudando, por outro são raras as oportunidades de trabalho. As aulas em geral são dadas por professores da rede estadual de educação. O relatório de Porto Velho é o que aponta mais problemas nesse ponto: “é possível verificar que há sala de aula, mas que não é utilizada”. Também diz: “Segundo alguns internos não há acompanhamento de professores e para ter acesso ao professor é necessário requerer à direção da penitenciária”. Os relatórios dizem que não há oficinas de trabalho em Campo Grande, Mossoró e Porto Velho. Nesta última unidade, há um projeto de assistência social chamado “Colorindo o tempo” e é publicado todo mês o “Jornal dos presos”, com poemas e pinturas. Roupas, calçados, material de higiene e limpeza costumam ser distribuídos periodicamente. As condições de iluminação e ventilação em geral são boas. Em Catanduvas, no entanto, os presos reclamaram da falta de limpeza regular do pátio de sol e nas celas das visitas íntimas, com sujeira e fezes de gatos. Os defensores constataram que o pátio estava “bastante sujo, com restos de cabelo cortados”. A doença mais comum entre os presos é a hipertensão, com 55 casos quando somadas as unidades de Mossoró, Porto Velho e Campo Grande. Há também presos com Aids e diabetes. Os relatórios de Campo Grande e Mossoró mostram que não há casos de tuberculose, doença que costuma ser mais frequente nos presídios do que entre a população em geral. Em Porto Velho, há, mas não são fornecidos números. Existem ainda espaços para tratamento de dependentes químicos em Campo Grande, Porto Velho e Mossoró, embora nenhum preso esteja passando por atendimento. Os relatórios indicam que há apenas homens entre os detentos. Mas, em Porto Velho, já houve uma mulher no passado.