Título: Pronto para decolar
Autor: Ribas, Sílvio
Fonte: Correio Braziliense, 13/02/2012, Economia, p. 8

O Brasil é um dos maiores celeiros de obras do mundo. Mas, para atingir o nível da logística dos EUA, precisa de pelo menos R$ 1 trilhão

O Brasil parece ter reencontrado no capital privado uma saída para superar décadas de estagnação nos investimentos em infraestrutura. O sucesso dos leilões de três grandes aeroportos — Brasília, Guarulhos e Viracopos — jogou luz sobre oportunidades de negócios em pelo menos 20 grandes projetos já iniciados ou prestes a começar. Esses empreendimentos, na maioria encabeçados pelo governo federal, ainda podem ser alvo de concessões, parcerias público-privadas (PPPs) e de um promissor mercado de títulos de dívida (debêntures) de médio e longo prazos.

Com orçamentos que vão de US$ 1,8 bilhão — caso do Porto do Açu (RJ), da LLX Logística — aos US$ 25 bilhões das plataformas da Petrobras, passando pelos US$ 23,5 bilhões do trem-bala ligando São Paulo ao Rio de Janeiro, o país apresenta uma lista invejável de obras (veja quadro), que só perde em variedade para os gigantes China e Índia. Como estímulo extra aos investidores estão uma democracia estável, a realização da Copa do Mundo (2014) e das Olimpíadas (2016) e o potencial de crescimento econômico limitado basicamente por uma logística deficiente. Estima-se que, para atingir um patamar de infraestrutura semelhante aos Estados Unidos de hoje, o Brasil precise de R$ 1 trilhão em investimentos.

"Os leilões dos aeroportos romperam uma barreira ao capital privado, iniciando uma nova era. Vencido o imobilismo do governo, é preciso continuar avançando de forma rápida para não desperdiçar oportunidades criadas pelo quadro internacional, sobretudo diante da situação desoladora da Europa", afirma Amaryllis Romano, economista da Tendências Consultoria. "A relativa rapidez com que o governo decidiu mudar de rumo e efetivar a transferência dos terminais a gestores privados é motivo de otimismo com o futuro", acrescenta.

Na avaliação de Amaryllis, desde a crise econômica global de 2008 e 2009, surgiram várias chances para colocar o país em posição privilegiada como porto seguro para investimentos diretos. Embora não considere o modelo de privatização do governo como o ideal, em razão da ausência de regras mais claras, a especialista vê nesse novo consenso um indutor de soluções novas para velhos gargalos. "Só não houve colapso no transporte anual de até 160 milhões de toneladas de grãos nos últimos anos porque a demanda internacional recuou com a crise e a seca conteve a atual safra", ilustra.

Gargalo portuário

Há ainda setores inteiros a serem incluídos no pacote de concessões, conforme já sinalizou o governo. A área portuária, por exemplo, reserva dezenas de espaços para a movimentação de cargas, sejam os já existentes ou a serem construídos em toda a costa brasileira. "Os sucessivos atrasos em reformas e ampliações revelam o quanto juridicamente complexo são os terminais portuários, começando pela mistura de leis estaduais e federais", diz Fábio Moura, advogado do escritório FHCunha, especializado em infraestrutura. Apesar disso, ele acredita que, com exceção da energia nuclear (Usina Angra 3), todos os demais grandes projetos de infraestrutura podem ser alvo da cobiça.

Para Maurício Girardello, sócio da PWC Brasil, a busca de capital para a infraestrutura deverá se acelerar, mas a eficácia dos processos de concessão pode estar ameaçada pela fragilidade das agências reguladoras. "A força da regulação e a independência dos órgãos responsáveis serão decisivas para o cumprimento de prazos e metas de qualidade fixados para os serviços contratados, além de impedir abusos nas tarifas cobradas dos usuários", resume.

Na opinião de Girardello, as próximas concessões não deverão atingir montantes tão expressivos quanto os R$ 24,5 bilhões obtidos com as concessões dos aeroportos de Brasília, Guarulhos e Viracopos. "Apesar desses leilões não repetirem o bom modelo da privatização da telefonia nos anos 1990, que cumpriu seus objetivos, têm um papel simbólico enorme", salienta. Ele torce para que as graves dificuldades estruturais dos setores de mobilidade urbana e de saneamento básico motivem outros arranjos puxados pelo dinheiro privado.

Fontes de financiamento

Um país inteiro a ser construído precisa urgentemente de fontes de financiamento com taxas de juros menores e prazos maiores, em alternativa ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Os especialistas consideram as chamadas debêntures da infraestrutura uma boa novidade, mas esperam que a regulamentação desses papéis leve em consideração a segurança do investidor. "A experiência do financiamento com títulos de médio e longo prazos já adotados na construção civil é um bom exemplo", comenta Amaryllis Romano, da Tendências Consultoria. Pelos cálculos da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústria de Base (Abdib), a União e os governos estaduais planejam leiloar concessões que somam R$ 90,2 bilhões, valor que pode ser triplicado diante das necessidades do país e do apetite de empresários. Em março, por exemplo, estão agendados leilões de transmissão de energia.