O trajeto do Brasil e o que esperar da adesão à OCDE

Mauricio Chapinoti e Gustavo Pagliuso Machado

07/07/2017

 

 

Recentemente o governo brasileiro enviou carta ao Secretário Geral da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) comunicando sua requisição formal para iniciar o processo de adesão a esta organização. A carta detalha o histórico da interação do Brasil junto à OCDE e expressa que a aproximação do país é parte de uma estratégia mais ampla do governo brasileiro para consolidar os caminhos para um desenvolvimento inclusivo e sustentável.

De fato, o Brasil já era considerado um "key partner" da OCDE desde 2007, quando seu conselho recomendou que a organização mantivesse um engajamento ampliado com Brasil, Índia, China, Indonésia e África do Sul. A intenção dessa maior integração era que países representantes das maiores economias em desenvolvimento pudessem contribuir mais ativamente nos diferentes organismos que compõem a OCDE.

A adesão de países que representam economias em desenvolvimento está alinhada à missão da OCDE de promover políticas para o desenvolvimento econômico e social e o bem-estar dos povos ao redor do mundo. Em sua concepção original, o intuito da então Organização para a Cooperação Econômica Europeia (OEEC) era o de gerenciar o Plano Marshall para a reconstrução do continente devastado pela guerra. Naquele tempo, a organização já se preocupava com a relação de interdependência das economias dos Estados membros. Em 1960, com a adesão do Canadá e dos EUA, a organização foi rebatizada para OCDE e contava com 20 membros.

A organização conta hoje com 35 Estados membros após a adesão de economias emergentes, como o México, Coreia do Sul e Chile, primeiro país sul-americano a aderir, em 2010. Com isso a organização parece ampliar um pouco o seu espectro para um enfoque efetivamente mais global.

Isto posto, questiona-se: o que o Brasil tem a ganhar com sua adesão? Como se dará seu processo de ingresso e quanto tempo levará? Quais mudanças podem se esperar no tocante às políticas fiscal-tributárias como consequência disso?

De início, esse movimento do Brasil denota uma tentativa de sinalizar às economias desenvolvidas uma maior disposição à abertura da economia. Isso deriva do próprio processo de adesão na medida em que para se adequar ao "padrão OCDE", o país teria que se alinhar à missão dessa organização que guarda ligação com a amplificação e liberalização dos fluxos globais de comércio e investimento.

Quanto à forma de adesão à OCDE, esta se dá mediante convite do Conselho (composto por todos os Estados membros) a qualquer governo "preparado para assumir as obrigações decorrentes dessa adesão". O próprio conselho decidirá pela aprovação. Daí pode-se extrair que o Estado candidato deve demonstrar sua capacidade de alinhamento aos ditames da organização.

Regras de preços de transferência no Brasil têm um caráter sui generis se comparadas com as de outros países

Todo esse processo deve levar cerca de três anos da edição de Resolução do Conselho para iniciar discussões com o país, até a assinatura do Tratado, formalizando a adesão. Durante esse processo, diversas comissões específicas conduzirão um profundo processo de análise de políticas públicas, legislação e estatísticas sobre os mais diversos temas desde agricultura e meio-ambiente, passando por educação, ciência e tecnologia, comércio internacional, assuntos tributários, dentre outros.

Em relação às políticas fiscal-tributárias, alguns aspectos devem chamar atenção das comissões específicas, como por exemplo: as regras brasileiras de preços de transferência; a dupla tributação internacional; políticas de desoneração tributária; guerra fiscal; complexidade da legislação e os altos custos para o cumprimento de obrigações acessórias; além da regressividade e as incidências em cascata da tributação.

Dos aspectos citados acima, talvez o que mais chame a atenção seja o relativo às regras de preços de transferência. Isso porque as regras de Preços de Transferência brasileiras têm um caráter sui generis se comparadas com as de outros países. Alguns especialistas concluem até mesmo que nossas regras desrespeitam o princípio "arm's length", que rege a observância da precificação a níveis de mercado nas transações internacionais entre empresas do mesmo grupo econômico.

Eis que, ao contrário da maioria dos países que permitem a análise dos preços de transferência com base em estudos comparáveis e de benchmark relativos à indústria ou setor econômico do contribuinte, a legislação brasileira prevê margens fixas de tributação sobre o lucro. Ocorre que essas margens foram pré-determinadas pelas próprias autoridades fiscais e por mais que haja previsão normativa para o uso de estudos de benchmark, isso na prática se mostrou inviável.

Ou seja, é fato que as regras brasileiras de Preços de Transferência destoam dos "Transfer Pricing Guidelines" da OCDE. Portanto, será interessante observar se e quais mudanças podem surgir a partir do processo de adesão do Brasil à OCDE nesse sentido. Muito provavelmente pode-se esperar uma flexibilização maior das margens fixadas em lei ou mecanismos que permitam a utilização de estudos de benchmark.

Todavia, considerando-se que os instrumentos da OCDE sobre política fiscal não têm força vinculante, mas em sua maioria são "Recomendações" do Conselho da OCDE será também interessante verificar como as autoridades brasileiras sopesarão os valores da soberania nacional que permitem ao Estado brasileiro adotar a política fiscal segundo valores próprios da nação, sem interferência externa ao processo de "pressão e revisão pelos pares" (peer-pressure e peer-review) aos quais os membros da OCDE devem se submeter perante sua adesão.

A tendência indica claramente um maior alinhamento às políticas da OCDE, do contrário o Brasil teria adotado uma postura de se manter como "nação parceira" da OCDE e se manteria ativo em outros fóruns de discussão sobre a tributação, como os da ONU, do G-20 e até dos Brics sem ter que se comprometer com os ditames e valores da OCDE. (...)

 

Mauricio Chapinoti e Gustavo Pagliuso Machado são, respectivamente, sócio e advogado sênior de TozziniFreire Advogados.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4292, 07/07/2017. Opinião, p. A10.