O Estado de São Paulo, n. 45201, 20/07/2017. Internacional, p. A10.

 

No 1º dia de venda, uruguaios fazem fila e esgotam maconha em Montevidéu

Murillo Ferrari

20/07/2017

 

 

Nova política. Nem mesmo o frio de 10°C impediu a alta procura da erva nas quatro farmácias credenciadas da capital; Uruguai é o primeiro país do mundo a legalizar a produção e a comercialização da droga com o objetivo de enfrentar o narcotráfico e a violência

 

 

Os uruguaios enfrentaram ontem longas filas, um frio de 10ºC e algumas falhas na leitura das impressões digitais para comprar pela primeira vez maconha em 16 farmácias do país. No fim da tarde, o estoque da erva tinha acabado em todos os quatro pontos credenciados de Montevidéu.

No interior, apenas um dos estabelecimentos vendeu toda sua cota. Fontes ligadas às farmácia ouvidas pelo jornal El

País disseram que esperam receber o novo lote do produto entre amanhã e segunda-feira. O governo uruguaio não se posicionou sobre o assunto.

Não é possível afirmar se a droga produzida por duas empresas escolhidas em licitação terá ampla adoção, uma vez que o nível de THC – principal componente psicoativo da droga –, é inferior ao da erva vendida no mercado negro.

Alguns compradores ouvidos pelo Estado descreveram a maconha uruguaia como “muito boa”. Outros, como o jovem Martín Pavarela, de 20 anos, disse que era “fraca”. “Fumei a variação beta (o Estado fornece também o tipo alfa), que tem mais efeito. Normalmente, se consumo a mesma quantidade de outras origens, ficaria mais louco, mas agora estou bem”, disse Pavarela.

“Vou consumir a oferecida nas farmácias, mas ainda não vou descartar a que compro ilegalmente”, completou, ressaltando que o preço e a garantia de origem são fatores que ajudam a optar pela maconha legal.

Em Montevidéu, onde estão 60% dos quase 5 mil usuários registrados para comprar a droga, apenas 4 estabelecimentos oferecem o serviço. Em alguns desses estabelecimentos, os compradores enfrentaram até uma hora de espera para serem atendidos, mas cada vez que uma pessoa que deixava a farmácia com seus 5 ou 10 gramas – o máximo permitido semanalmente – todos na fila se alegravam e se cumprimentavam. Até mesmo alguns carros que passavam pela rua buzinavam.

“O Uruguai é um exemplo para os países que ainda não legalizaram este tipo de mercado, que não permitem ou não regularizam o consumo e a venda da maconha”, afirmou o enfermeiro Pablo Díaz, de 38 anos, após comprar um pacote de maconha no centro da cidade. “Agora, podemos vir e comprar com segurança, não temos o risco do narcotráfico. É isso que eu quero para todo o planeta, porque não faz sentido uma pessoa morrer por consumir maconha.”

A estudante Camila Berro, de 24 anos, é uma das defensoras da venda legal como forma de combater o tráfico. “Temos algumas formas diferentes de maconha, que dependem de como elas foram cultivadas. A que o governo está vendendo é mais uma variedade, com o diferencial de que por ser legalizada sabemos exatamente o que estamos consumindo”, disse.

Ontem, a reportagem questionou se a Junta Nacional de Drogas (JND), órgão vinculado à presidência do Uruguai, tinha uma avaliação do primeiro dia de comercialização de maconha legalizada. A JND informou que não tinha nada a declarar, mas informou que “monitorou o funcionamento do sistema” e garantiu que o Instituto de Regulação e Controle da Cannabis (Ircca) fará uma “avaliação contínua”.

O ex-presidente do país, José “Pepe” Mujica, em cujo governo a lei de legalização da maconha foi promulgada, afirmou ontem a um canal local de TV que “não se pode ter preconceitos.

Para Milton Romano, que para muitos é o “pai” da lei que legalizou a erva no país –, secretário da JND no governo de Mujica, o início da venda nas farmácias é uma data histórica e coloca o Uruguai na vanguarda de uma experiência em um novo modelo para tratar a questão da drogas. “A instrumentalização da lei, aprovada em dezembro de 2013, confirma a tradição liberal do nosso país de resolver problemas complexos a partir de soluções que respeitem o direito das pessoas”, disse Romano.

Uma pesquisa divulgada na segunda-feira pelo Canal 10, indicou que 62% da população é contra a regulamentação. A sondagem constatou que a rejeição à lei é maior no interior, onde 67% desaprovam a medida, enquanto na capital o índice cai para 53%.

Os dados mostram ainda que os cidadãos mais velhos são os que mais são contra a iniciativa: 71% dos uruguaios com mais de 60 anos. Já as pessoas entre 18 e 29 anos, o índice de desacordo é de 48% e o de aprovação é de 42%./COM AFP