O Estado de São Paulo, n. 45196, 15/07/2017. Política, p. A8

 

Veto a Lula em cargo público é menor 

Fausto Macedo, Julia Affonso, Luiz Vassallo e Ricardo Brandt 

15/07/2017

 

 

Sentença prevê proibição por 7 anos – e não de 19 – porque se refere apenas ao crime de lavagem de dinheiro julgado por Sérgio Moro

O prazo de proibição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de exercer cargo público ou função pública imposto pelo juiz Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, é de sete anos, e não de 19. Na sentença em que condenou Lula a 9 anos e 6 meses de prisão no caso do triplex, Moro determinou como pena acessória a interdição do petista “pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade” relativa exclusivamente ao crime de lavagem de dinheiro. Apenas esta pena rendeu ao petista 3 anos e 6 meses de prisão.

Inicialmente, a contagem havia sido feita com base na pena total imposta por Moro, incluindo nesse cálculo os 6 anos e 6 meses de condenação pelo crime de corrupção passiva – o que fazia, dessa forma, a punição saltar para 19 anos de proibição.

O veto de Moro também é extensivo ao empreiteiro José Adelmário Pinheiro Filho, o Léo Pinheiro, ex-presidente da construtora OAS, condenado a 10 anos e 8 meses de prisão pelos mesmos crimes no caso do triplex no Guarujá.

“Em decorrência da condenação pelo crime de lavagem, decreto, com base no artigo 7.°, II, da Lei n.º 9.613/1998, a interdição de José Adelmário Pinheiro Filho e Luiz Inácio Lula da Silva, para o exercício de cargo ou função pública ou de diretor, membro de conselho ou de gerência das pessoas jurídicas referidas no artigo 9.º da mesma lei pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade”, sentenciou o juiz da Lava Jato.

O prazo menor de proibição, porém – de 19 anos para 7 –, é considerado “irrelevante” pelos investigadores da Lava Jato se o ex-presidente cair na Lei da Ficha Limpa, o que ocorrerá se o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) confirmar a condenação de Lula.

A Lei da Ficha Limpa, sancionada por Lula em 2010, estabelece que são inelegíveis aqueles “que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 anos após o cumprimento da pena” – por crimes diversos, entre eles o de lavagem de dinheiro. Anteontem, ao falar pela primeira vez sobre a condenação imposta por Moro, Lula declarou que vai se candidatar à Presidência em 2018, cargo que ocupou por dois mandatos consecutivos, entre 2003 e 2010, apesar da condenação em primeira instância.

“Se alguém pensa que com essa sentença me tiraram do jogo, podem saber que estou no jogo”, afirmou Lula, em pronunciamento na sede nacional do PT em São Paulo. “Eu vou me colocar como postulante à candidatura à Presidência da República em 2018. Gostaria de estar nessa mesa no auditório principal de meu partido discutindo a situação do Brasil.” /

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Entrevista - Lincoln Secco: ‘Esquerda não tem plano B sem ex-presidente’, diz historiador

Marianna Holanda

15/07/2017

 

 

Para professor da USP, Lula ‘personalizou o petismo’ e Doria pode ser ‘outsider’ da eleição presidencial de 2018

A decisão do juiz Sérgio Moro de cassar os direitos políticos de Lula, apesar de ainda caber recurso, põe em xeque os planos do presidente – e da esquerda como um todo – para 2018. Se Lula, que lidera as pesquisas de intenção de voto, não for candidato a presidente, os eleitores de esquerda ficarão órfãos. A avaliação é do professor da USP e autor do livro História do PT, Lincoln Secco. “A esquerda não tem plano B sem o Lula”, disse.

O ex-presidente foi enfático em seu primeiro pronunciamento após a condenação, anteontem: “Pode saber que eu estou no jogo”. E, sob aplausos de seus apoiadores na sede nacional do PT em São Paulo, afirmou que vai “reivindicar” ser o candidato do partido no ano que vem. Para o professor, o partido deveria pensar em uma alternativa caso Lula não consiga reverter o processo na segunda instância. Secco, no entanto, disse acreditar que isso não tem sido feito.

O professor vai além: “Sem o apoio do Lula, nenhum candidato da esquerda se viabiliza”. Nem Fernando Haddad, nem Ciro Gomes, nem Guilherme Boulos. Leia abaixo os principais trechos da entrevista com Secco:

Após a condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, Lula insistiu que será candidato do PT no ano que vem. Como o sr. vê essa estratégia?

O PT sempre foi um partido bom de tática e frágil na estratégia. O seu último congresso mostrou que ele não pensa em opções além da candidatura de Lula em 2018. Ele não se coloca a hipótese da inelegibilidade de Lula, por exemplo. Mas esse é o discurso oficial do partido e faz sentido. Impedir o PT de ter um candidato competitivo a um ano do pleito equivale a banir a esquerda da vida política.

Mas o partido não deveria pensar em alternativas, caso isso se concretize?

Acho que sim, mas não tem (alternativas). E nessa situação é melhor denunciar o impedimento da única candidatura que ele pode lançar. Por outro lado, acho ele vai protestar sem radicalizar. Pois para ser coerente deveria boicotar as eleições. Só que um partido com o tamanho da sua presença institucional possivelmente não faria isso.

Como o sr. avalia a condenação de Lula?

Como muitos, eu acho que o juiz tinha suspeitas, mas não provas. Como (Moro) já havia se comprometido politicamente com a condenação não tinha alternativa. Ainda acho que a condenação pode ser revertida na segunda instância, porque condenar um ex-presidente sem provas abre um precedente.

A condenação influencia a disputa eleitoral de 2018?

Essa é a grande incógnita. O problema é como o País estará em 2018. Lula candidato poderia ser visto como fator de instabilidade política ou estabilidade social? Se o País estiver pior e sob muitos protestos, Lula aparecerá com força, seja como candidato, seja como eleitor de outro nome do PT. E o adversário da esquerda dificilmente será um nome do establishment do PSDB ou PMDB. Um outsider dentro ou fora desses partidos pode radicalizar o processo político. O que não seria nada bom.

O prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), poderia ser esse candidato outsider? É ruim ter um outsider?

Sim, com certeza poderia ser Doria. Ele não é um produto orgânico do PSDB. Não é ruim em si, mas não é bom para o sistema de partidos.

Como o sr. vê o cenário de um outsider do PMDB ou do PSDB concorrendo com um candidato de esquerda que não seja Lula?

As chances da direita seriam maiores sem Lula no páreo, mas o quadro seria imprevisível, porque haveria uma dispersão de candidatos e votos com a incômoda presença de Bolsonaro. O candidato da esquerda provavelmente seria do próprio PT por uma questão de sobrevivência eleitoral dos candidatos a deputado.

Alguém conseguiria vencer sem a bênção do Lula?

Não. Sem apoio do Lula nenhum candidato da esquerda se viabiliza porque ele concentra a memória do legado petista no poder. Lula personalizou o petismo. A esquerda não tem plano B sem o Lula. Mas o PT, provavelmente, apelaria a um parlamentar ou governador do próprio partido.

Quais os nomes da esquerda para 2018, então?

O PT possui o nome de Haddad (Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo), mas ele possivelmente não teria apoio do Lula. Gleisi Hoffmann (senadora e presidente do partido) se crescer teria. Ciro Gomes terá que se viabilizar sozinho e só teria apoio se chegasse a um segundo turno. O Boulos pode ser um vice, se o processo eleitoral se radicalizasse. Mas ele não tem a mínima chance eleitoral hoje, não tem estrutura partidária.

Surgiu uma conversa de que ele se filiaria ao PSOL...

Pode ser. Mas o PSOL é eleitoralmente inviável. E a relação do Lula com Boulos é boa. Para o PSOL seria ótimo pois teria um candidato legitimado por importante movimento social.

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Eike produz anexos de sua proposta de delação premiada

Mariana Sallowicz

15/07/2017

 

 

Fontes com acesso à negociação dizem que empresário propõe relatar repasses ilícitos para Cabral e Mantega

O empresário Eike Batista e seus advogados já produziram ao menos oito anexos da sua proposta de delação premiada que será entregue ao Ministério Público Federal no Rio, segundo apurou o Estado/Broadcast com fontes que tiveram acesso às negociações. Conforme informações, Eike propõe relatar repasses ilícitos ao ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB) e para o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega (PT).

Em relação a Cabral, a colaboração cita propinas pagas por ao menos duas empresas de Eike – a petroleira OGX e a OSX, braço de construção naval do grupo.

No caso de Mantega, ele se propõe a detalhar um suposto pedido do então ministro para que fizesse um pagamento de R$ 5 milhões que seriam destinados ao PT. Eike já tratou do assunto em depoimento prestado no ano passado à força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba. Na ocasião, ele disse que recebeu o pedido do então ministro em novembro de 2012 e que a quantia seria usada para quitar dívidas de campanha da legenda.

Executivos. A defesa do fundador do Grupo X está agora colhendo anexos de executivos e ex-executivos das empresas de Eike, que podem corroborar as suas declarações. Neste momento, há cinco executivos colaborando, segundo fontes. O empresário alega que recorreu a eles em busca de detalhes porque ficava na holding do grupo, a EBX, e não estaria envolvido no dia a dia das companhias.

Procurado, o Ministério Público Federal informou que não se manifesta sobre tratativas de acordos de delação.

O advogado de Eike, Fernando Martins, disse que não iria comentar o caso. O empresário foi preso no início do ano pela Operação Eficiência, desdobramento da Calicute (operação que levou Cabral à prisão no ano passado). Atualmente, Eike cumpre prisão domiciliar na sua residência na zonal sul do Rio.

Nesse processo, o fundador do Grupo X foi indiciado por corrupção ativa e lavagem de dinheiro. Ele teria pagado US$ 16,5 milhões em propinas ao suposto esquema liderado pelo ex-governador Sérgio Cabral para ter benefícios em seus negócios. Além disso, teria desembolsado R$ 1 milhão em propina a Cabral, por meio de contrato fraudulento com o escritório de advocacia de Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador.

As tratativas sobre o acordo com Procuradoria da República no Rio já estão em andamento há alguns meses, mas o processo ainda terá de passar pela Procuradoria-Geral da República, em Brasília. Isso porque a delação de Eike envolve pessoas com foro privilegiado.

Pessoas com acesso às negociações afirmaram também que, na sua proposta, Eike cita o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O empresário propõe detalhar lobby que teria sido feito por Lula em favor das empresas do Grupo X. Ele, no entanto, diz que o petista nunca fez pedido formal para que contribuísse em campanhas eleitorais.

A delação do empresário ainda precisa ser firmada com o MPF e depois homologada pela Justiça. Todo relato deve ser corroborado por provas.

A defesa de Cabral informou não ter conhecimento da delação de Eike e do seu conteúdo. Procuradas, as defesas de Lula e Mantega não haviam se manifestado até a conclusão desta edição.

O empresário iria depor ontem, mas teve o interrogatório adiado na 7.ª Vara Federal Criminal do Rio. Uma nova audiência já foi remarcada para o dia 31.