Título: Carros, roupas, joias e juros de 600% no cartão
Autor: Bonfanti, Cristiane ; Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 12/02/2012, Economia, p. 11/12/13

Brasileiros estão pagando o preço de décadas de restrição no país. Dólar barato amplia a sensação de riqueza e o descontrole das finanças

A sensação de riqueza tem sido a principal vilã da escalada do endividamento no Brasil. De dois anos para cá, os brasileiros que viajavam uma vez por ano para o exterior passaram a embarcar duas ou três vezes. Com o dólar barato, encheram malas e malas de mercadorias. Não satisfeitos, passaram a sair carregados de sacolas de lojas de marcas de luxo — algumas com joias — que desembarcaram recentemente no país. A ostentação se estendeu aos apartamentos novos, mobiliados com o que há de melhor no mercado — claro, com a carro da moda na garagem.

Satisfazer as necessidades de consumo faz parte do jogo, reconhece a economista Marianne Hanson, da Confederação Nacional do Comércio (CNC). O problema, destaca ela, é que a maior parte das despesas foi paga com cartão de crédito, muitas vezes em parcelas a perder de vista. Ao longo do tempo, porém, o acúmulo de prestações torna a dívida insustentável. O primeiro passo é recorrer ao crédito rotativo, com juros de até 600% ano. Nos primeiros meses, as faturas são pagas sem grandes complicações. Mas com a chegada de novos gastos, o caminho certo é a inadimplência.

É Carlos Henrique de Almeida, assessor econômico da Serasa Experian, quem diz: "Em pouco tempo, pagar o mínimo permitido pelos bancos nas faturas de cartão de crédito quebra qualquer um, sobretudo aqueles que vivem apenas do salário". Para o especialista, as pessoas estão usando o cartão de maneira equivocada, como se fosse complemento da renda. Ele chama a atenção ainda para a grande disposição dos brasileiros mais endinheirados de comprarem carros muito caros. No meio do financiamento, já estão com a língua de fora. Não à toa, o crédito para veículos passou a ser uma das molas propulsoras do calote medido pelo Banco Central.

Fabiano Calil, especialista em gestão de riquezas, observa que, para as famílias de renda mais elevada, o crédito sempre foi mais acessível. "A classe A consegue acumular dívidas muito superiores ao seu patrimônio. Diferentemente da classe média, ela tem uma rede de relacionamentos, vários bancos e bens para oferecer como garantia, além de um limite de cheque especial, muitas vezes, de R$ 300 mil", diz. A situação se torna mais grave porque, quando a bomba estoura, os ricos têm dificuldades para dizer que precisam de ajuda financeira e vão lidando silenciosamente com a dívida. Tem muita preocupação em manter a aparência e estar próximo de seu grupo na forma de se vestir e se relacionar.

Devedores Anônimos Muitos brasileiros têm procurado ajuda no grupo Devedores Anônimos, criado nos anos 1960 nos Estados Unidos, nos moldes do Alcóolicos Anônimos, e trazido para o Brasil em 1998 por uma brasileira que morava naquele país. Os participantes entendem que, a exemplo do que ocorre com viciados em álcool, o consumismo compulsivo é uma doença e precisa ser controlada. Os devedores anônimos trabalham com 12 passos de "desintoxicação financeira" e com princípios de planejamento das finanças.

Mulheres compulsivas Psicóloga há 14 anos, Juliana Gebrim afirma que, com o aumento do poder aquisitivo do brasileiro, o consumismo compulsivo tem se tornado um problema cada vez mais comum. A causa, geralmente, é a ansiedade ou a depressão. "O tratamento envolve tanto a psicoterapia quanto a medicação. O problema é que as pessoas só começam a procurar ajuda quando estão superendividadas, quando fizeram um buraco na sua vida familiar, profissional e na relação com os amigos", ressalta. Muitas vezes, a pessoa não percebe que sofre um desequilíbrio. Ela compra e sente um alívio. "Vemos que isso atinge mais as mulheres. Vivemos em uma sociedade em que o "ter" é mais importante que o "ser".