O Estado de São Paulo, n. 45194 , 13/07/2017. Política, p. A7

 

Consequências diversas da narrativa

 Glezer, Rubens

 

 

Que tipo de prova é necessária para comprovar a corrupção passiva de um presidente da República? Para o Ministério Público Federal, como a corrupção do alto escalão político deixa poucos rastros é preciso construir uma narrativa com base em diversos elementos esparsos, desde que se articule uma narrativa convincente. A condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na primeira instância sugere uma adesão a essa tese, que tem repercussões diretas para o futuro do País.

Para o MPF, seria condenável um ex-presidente ou presidente receber bens de uma determinada pessoa se não for capaz de explicar quais seriam os motivos lícitos para ser alvo dessa generosidade.

 

 

MPF quer aumentar pena de ex-presidente

Por: Julia Affonso / Luiz Vassallo / Ricardo Brandt

 

Os procuradores que integram a força-tarefa da Operação Lava Jato afirmaram que vão recorrer da sentença do juiz Sérgio Moro para impor ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva penas mais pesadas. Eles disseram discordar “em relação a alguns pontos” da decisão de Moro, que aplicou pena de 9 anos e 6 meses de prisão, mas não mandou prender o petista para evitar “traumas”.

O Ministério Público Federal (MPF) avalia que Lula merece pena mais alta porque Moro o absolveu dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo armazenamento de bens custeado pela OAS. Os procuradores consideram que a “sentença ostenta robusta fundamentação fática e jurídica, tendo analisado todo o enorme conjunto de provas apresentadas na denúncia e nas peças das defesas e produzidas na instrução da ação penal”.

“O processo tramitou às claras, com transparência, e permitiu amplas possibilidades para a defesa produzir provas e apresentar argumentos, os quais foram analisados detalhadamente pela Justiça”, destacaram os procuradores, em nota.

“Com base nas provas, as quais incluem centenas de documentos, testemunhas, dados bancários, dados fiscais, fotos, mensagens de celular e e-mail, registros de ligações telefônicas e de reuniões, contratos apreendidos na residência de Lula e várias outras evidências, a Justiça entendeu que o ex-presidente é culpado pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro de que foi acusado pelo MPF”, escreveram os procuradores.

Segundo eles, a sentença de Moro não reconheceu apenas que o ex-presidente recebeu o valor correspondente ao triplex e às reformas nele realizadas a título de pagamento de propinas pela OAS, que totalizaram mais de R$ 2 milhões, “mas também reconheceu que o ex-presidente Lula é responsável pelo esquema de corrupção na Petrobrás. O caso focou especificamente nos crimes relacionados à empreiteira OAS”.

Os procuradores afirmaram que a atuação do MPF “é apartidária, técnica e busca investigar e responsabilizar todas as pessoas envolvidas em atos de corrupção, além de devolver aos cofres públicos os valores desviados nesse gigantesco esquema criminoso”./JULIA AFFONSO, LUIZ VASSALLO E RICARDO BRANDT, ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

Esse indício se tornaria mais forte se a pessoa que ofereceu o bem estiver envolvida em contratos rentáveis com a administração pública federal. Um indício que se tornaria ainda mais forte em um contexto de corrupção – investigada ou comprovada – de agentes políticos próximos ao ex-presidente ou presidente e que atuam com proximidade com o setor beneficiado.

A narrativa ganharia força probatória caso o ex-presidente ou o presidente tenha claro interesse na manutenção de esquema ilícito que favoreça o agente que lhe oferece benefícios ou que, pelo menos, tenha claro conhecimento de tais operações.

Além disso, seria indiferente que os bens sejam recebidos por pessoa próxima ou de sua estrita confiança. Nesse sentido, para o MPF, essa seria apenas uma forma de mascarar a corrupção.

O MPF tem razão? Ao condenar o ex-presidente Lula, o juiz federal Sérgio Moro entendeu que sim. Já ao longo dos próximos dias o País saberá se a Câmara dos Deputados e eventualmente o Supremo Tribunal Federal (STF) também pensam assim ao analisar a denúncia contra o presidente Michel Temer.

As consequências para essas respostas são diversas. Em um primeiro momento elas afetam diretamente a permanência do governo atual (com um eventual afastamento de Temer) e as eleições presidenciais de 2018 (com a possível inelegibilidade de Lula). Porém, acima de tudo, será um teste mais profundo de integridade para a cultura política do País: a corrupção será punida ou relevada quando privilegiar determinada agenda política?