O Estado de São Paulo, n. 45196, 15/07/2017. Economia, p. B4

 

Dúvidas cercam reforma trabalhista

Fernando Nakagawa e Murilo Rodrigues Alves

15/07/2017

 

 

Ministério do Trabalho informou ontem que novas regras atingirão todos os trabalhadores, exceto os que já tenham contrato mais detalhado

A reforma trabalhista, sancionada na quinta-feira pelo presidente Michel Temer e que passa a valer daqui a 120 dias, ainda provoca dúvidas mesmo dentro do governo. Na quarta-feira, o Ministério do Trabalho divulgou que a nova regra valeria apenas para novos contratos. Na quinta-feira, o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, informou que já valeria para todos os contratos. Ontem, o ministério informou que as mudanças atingem todos os contratos de trabalho, com exceção daqueles com condições já estabelecidas em documento ou convenções coletivas em vigor (ver exemplos abaixo).

A divergência nas informações é uma amostra das dúvidas geradas pela nova legislação, que já enfrenta ameaça de questionamento sobre sua constitucionalidade. Questionado sobre as diferenças nas informações, o ministério afirmou que as análises distintas foram resultado de um suposto desencontro de informação entre áreas internas do ministério. Segundo o órgão, a informação correta é a prestada pelo ministro.

A área técnica do Ministério do Trabalho explica que as regras valerão para quase todos os contratos porque a maioria dos trabalhadores formais tem apenas uma anotação na carteira de trabalho, sem contrato detalhado. Nesse caso, valem as regras gerais da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que, em novembro, mudarão radicalmente com a adoção da reforma.

“Essa contradição do governo mostra que o mote da reforma – que não retirará nenhum direito dos trabalhadores – não corresponde à realidade. Ao falar erroneamente que a nova legislação só entraria em vigor para os novos contratos para assegurar direitos adquiridos nos atuais contratos, o governo confirma que a nova lei retira direitos dos trabalhadores”, disse ao Estadão/Broadcast o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury.

Na quarta-feira, o Ministério do Trabalho havia informado que os trabalhadores com contratos atuais têm preservados os direitos adquiridos por ser um preceito constitucional, previsto no artigo 5.º, inciso XXXVI, da Constituição. “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, citou o ministério. Em seguida, completou: “Só serão atingidos pela lei novos contratos de trabalho”.

O ministério ainda mudou de entendimento quanto à necessidade de regulamentação de alguns pontos da lei sancionada. Na quarta-feira, o órgão afirmou que não havia nada que precisasse ser regulamentado. Ontem, o ministério citou como alvos de regulamentação a migração de trabalhador em regime tradicional para home office e os contratos de empregados com curso superior e que ganham duas vezes o teto do INSS (R$ 11.062), que deverão negociar individualmente com os patrões.

Constrangimento. Fleury acredita que as empresas vão repactuar os contratos daqui a quatro meses para alinhá-los às novas regras. Apesar de a lei afirmar que, para reafirmar os compromissos trabalhistas, é preciso haver acordo entre patrões e empregados, o procurador disse que não há dúvidas de que o trabalhador vai se sentir constrangido a aceitar. “O trabalhador vai ter de concordar, senão a fila anda. Ainda mais em momentos de crise econômica”, afirmou.

Segundo Fleury, a nova legislação abre espaço para uma série de dúvidas que não foram esclarecidas e que vão motivar uma enxurrada de processos judiciais. Depois, as ações vão cair, porque, de acordo com a nova legislação, o trabalhador será responsável pelo ônus da prova. Ou seja, caberá ao empregado provar sua argumentação em uma ação que questione horas extras, por exemplo. Caso não consiga provar, terá de arcar com as despesas processuais.

O Ministério Público do Trabalho (MPT) pretende barrar as mudanças da reforma trabalhista de duas formas. Estuda propor à Procuradoria-Geral da República que entre com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF). Também vai entrar com várias ações civis públicas em todo o País para questionar pontos específicos da lei.

Entre as inconstitucionalidades, segundo o chefe do MPT, está o fato de que as regras podem prejudicar que trabalhadores tenham acesso a direitos assegurados pela Constituição, como seguro-desemprego, salário mínimo e FGTS, principalmente no caso de trabalhadores contratados como terceirizados ou pelo trabalho intermitente e a transformação do trabalhador formal em pessoa jurídica (PJ).

Dúvidas sobre contratos atuais

1. A reforma prevê almoço de até 30 minutos. Quem poderá ter o intervalo reduzido?

A mudança dependerá de um acordo coletivo da categoria com a empresa, informa o Ministério do Trabalho. Em caso de convenção coletiva, a decisão vale para todos da categoria, inclusive quem não participou da reunião ou não é sindicalizado.

2. A carga máxima de trabalho para contratos de regime parcial vai de 25 horas para até 30 horas. O aumento será automático para os empregos atuais?

Não. Segundo o Ministério do Trabalho, qualquer alteração da jornada precisa ser tema de um aditivo ao contrato que está vigente.

3. Um trabalhador com contrato existente poderá ser beneficiado pela nova regra do acordo amigável para saída da empresa (que prevê metade do aviso prévio e direito a 80% do FGTS)?

Sim. Todos os trabalhadores contratados sob o antigo ou novo regime terão direito ao chamado distrato amigável.

4. Todos os trabalhadores com curso superior e que ganham duas vezes o teto do INSS (R$ 11.062) serão automaticamente considerados hipersuficientes e poderão negociar individualmente com o patrão?

Ministério do Trabalho diz que será necessária regulamentação. A primeira interpretação é que a regra é autoaplicável, mas há leituras divergentes.

5. Como será a migração de trabalhador em regime tradicional para o novo teletrabalho?

Será necessária regulamentação. Segundo o Ministério do Trabalho, o teletrabalho é uma condição que deve estar expressa no contrato. Portanto, é necessária alteração do texto.

6. Será possível parcelar as férias de 30 dias em até três períodos no ano. Trabalhadores precisarão de um novo contrato para dividir as férias?

Segundo o Ministério do Trabalho, só será necessário novo contrato se o atual prever período de férias de 30 dias. Normalmente, contratos não mencionam o tema e vale a regra geral. Nesse caso, não é preciso nenhuma mudança para parcelar férias.

7.O que acontece se a empresa sugerir parcelar férias de um empregado hipersuficiente e o trabalhador não quiser?

A reforma prevê que a divisão das férias é uma faculdade dada ao trabalhador. Para acontecer o parcelamento, é preciso ter concordância entre empregador e empregado.