União pode receber reforço com venda de usinas da Eletrobras

Camila Maia

11/07/2017

 

 

Menos de uma semana depois de lançar uma consulta pública para alterar o setor elétrico, com um plano que tinha o potencial de gerar bilhões em recursos para a Eletrobras e o setor elétrico, o governo já admite a possibilidade de destinar a maior parte do capital levantado ao Tesouro, ajudando a reduzir o déficit fiscal.

Com isso, a Eletrobras pode ficar sem receber diretamente os recursos bilionários obtidos com a “descotização” e posterior privatização de hidrelétricas, apurou o Valor. O governo federal agora avalia destinar a maior parcela do que for obtido com as outorgas para o Tesouro. A estatal, posteriormente, receberia recursos por meio de um aumento de capital da União.

O Ministério de Minas e Energia lançou na semana passada a consulta para debater as aguardadas mudanças no setor, incluindo a proposta de privatizar as hidrelétricas da Eletrobras que estão no chamado regime de cotas (recebendo uma receita para operação e manutenção), criado pela Medida Provisória 579 em 2012 pela então presidente Dilma Rousseff com o objetivo de reduzir as tarifas.

Até a semana passada, a ideia do MME era distribuir os recursos que poderão ser levantados com as outorgas dessas usinas em três terços: um para a própria estatal, um para o Tesouro e um para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE, fundo que reúne encargos setoriais).

Em teleconferência com investidores do mercado financeiro realizada ontem, no entanto, o secretário-executivo do MME, Paulo Pedrosa, disse que a decisão final não será da pasta, e sim da Fazenda, e que existe uma chance de que a maior parte dos recursos tenha como destino o Tesouro. “Das conversas que tivemos com a Fazenda, vimos que essa é uma tendência”, disse Pedrosa, na conversa com analistas, apurou o Valor.

A saída para ajudar financeiramente a Eletrobras seria um aporte do Tesouro na companhia estatal, feito posteriormente. De todo modo, a decisão pela privatização ou não das hidrelétricas caberá à própria Eletrobras.

Outra questão mencionada por Pedrosa foi a dos minoritários da estatal. Ele lembrou que os minoritários de hoje não são, necessariamente, os mesmos do passado, que sofreram “quando o governo usava a Eletrobras para um conjunto de questões.” Para que a solução seja considerada “isonômica”, como defende a equipe energética do governo, o aporte do Tesouro seria uma alternativa mais apropriada.

A Eletrobras tem atualmente 14 gigawatts (GW) de capacidade instalada no regime de cotas, o que representa cerca de um terço da sua potência total, que somava 46,8 GW ao fim de 2016.

Apesar de representarem cerca de 30% dos 230 mil megawatts-hora (MWh) gerados pela Eletrobras ano passado, esses contratos acabam dando prejuízos à estatal, por terem uma tarifa consideravelmente baixa. Ao fim de março, a companhia tinha R$ 962,4 milhões provisionados para contratos onerosos que decorrem justamente das concessões renovadas pela MP 579, convertida na Lei 12.783 de 2013.

Segundo as notas explicativas do resultado da estatal, isso aconteceu “pelo fato da tarifa determinada apresentar um desequilíbrio em relação aos atuais custos de operação e manutenção”. A tarifa média da energia de cotas no segundo semestre deste ano será de R$ 61,12/ MWh. Para efeito de comparação, o preço médio da energia contratada pela Eletrobras no mercado regulado em 2016 foi de R$ 205,55/MWh.

A privatização desses 14 GW de capacidade instalada tem o potencial de levantar até dezenas de bilhões para o governo em outorga. A ideia de destinar um terço à estatal seria uma forma de ressarcir a companhia dos prejuízos acumulados nos últimos cinco anos. Já os recursos destinados à CDE vão ajudar a cortar subsídios no setor e também reduzir a tarifa dos consumidores, uma vez que o encargo setorial é pago por todos.

O Valor apurou que a ideia enfrentou resistência na Fazenda desde o início, devido à visão de que os recursos poderiam ser utilizados para ajudar a reduzir o déficit fiscal da União. Esse foi um dos motivos que atrasou a divulgação do plano de reforma do setor elétrico, em elaboração há um ano.

A ideia original de destinar uma fatia do montante à Eletrobras tinha impulsionado ganhos significativos nas ações da companhia. Ontem, porém, a mudança de planos derrubou os papéis. As ações ordinárias caíram 4,09%, a R$ 15,25, e as preferenciais classe B recuaram 4,08%, a R$ 18,11.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4294, 11/07/2017. Brasil, p. A3.