Governo e UTC celebram acordo de leniência

Murillo Camarotto

11/07/2017

 

 

Após mais de dois anos de negociações, o governo federal assinou ontem seu primeiro acordo de leniência com uma empresa investigada pela Operação Lava-Jato. Por R$ 574 milhões, o Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) entrou em entendimentos com a construtora UTC, que confessou ter pago propina em 29 contratos firmados com a União e com estatais. O Valor antecipou em maio que a empresa seria a primeira a assinar com o governo. Pelos termos acordados, a construtora recebeu um prazo de 22 anos para realizar o pagamento. Como os valores serão corrigidos anualmente pela taxa Selic, a UTC irá desembolsar pouco mais de R$ 3,1 bilhões se utilizar todo o prazo disponível. O dono da empresa, Ricardo Pessoa, também se comprometeu a se afastar do dia-a-dia da UTC. Cerca de 70% do total será pago diretamente à União, ficando o restante destinado às estatais prejudicadas: Pe trobras, Valec e Eletrobras. A primeira parcela, de R$ 30,8 milhões, será paga até o fim do ano.

Em troca, a construtora não será declarada inidônea, o que a proibiria de fazer obras ou tomar empréstimos com o poder público municipal, estadual e federal por um período de até cinco anos. A Advocacia-Geral da União (AGU), signatária do acordo, comprometeu-se a suspender as ações de improbidade administrativa movidas contra a UTC. O acordo, feito em âmbito administrativo, é diferente dos já assinados, por exemplo, por Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez. Essas empresas entraram em entendimentos com o Ministério Público Federal e as protege de futuras ações nas áreas cível e penal. Esses acordos, entretanto, não garantem ficha limpa com o governo federal. O ministro interino da CGU, Vagner Rosário, disse que o prazo para pagamento foi definido com base em uma auditoria nas demonstrações financeiras da UTC, que atestou sua real capacidade de pagamento. O valor do acordo contempla R$ 110 milhões pagos em propina pela UTC e R$ 400 milhões referentes ao "lucro" obtido ilegalmente, além das multas aplicáveis. Rosário também destacou que, apesar da demora de mais de dois anos na assinatura, o acordo evoluiu muito em relação à proposta original da UTC, que queria pagar R$ 92 milhões. "Temos plena convicção de que esse acordo foi feito em bases sólidas", complementou a ministra-chefe da AGU, Grace Mendonça.

Apesar dessa convicção, o acordo só saiu porque a UTC aceitou enfrentar por conta própria os contratempos com outros entes públicos, especialmente com o Tribunal de Contas da União. Em março deste ano, órgão declarou a empresa inidônea por conta da fraude à licitação da montagem eletromecânica da usina nuclear de Angra 3. Em uma análise preliminar, portanto, não haveria sentido em se firmar um acordo para evitar a inidoneidade já estando condenado. A UTC, no entanto, assumiu os riscos de contornar sua situação perante o tribunal de contas. A empresa foi condenada juntamente com outras três: Queiroz Galvão, Techint e EBE. Como elas estão recorrendo da decisão, o bloqueio para contratação com o poder público ainda não está valendo oficialmente. Para que o acordo fosse viável, a CGU teve que incluir cláusulas que preveem uma revisão dos valores caso o TCU identifique danos maiores do que os já apontados nos mesmos contratos. Outra saída foi excluir do acordo a chamada quitação do débito, uma espécie de salvo-conduto para a empresa usar na hipótese de questionamentos futuros.

"O acordo respeitou plenamente os espaços institucionais dos demais órgão envolvidos", afirmou Grace Mendonça. Ela fez questão de enfatizar, no entanto, que a AGU e CGU não precisam do aval do TCU para fechar seus próprios acordos de leniência. Essa versão é questionada no tribunal de contas. Uma instrução normativa assinada em fevereiro de 2015 dá ao órgão a prerrogativa de revisar cada uma das etapas dos acordos, desde a manifestação de interesse até a proposta financeira para celebração. Em nota, a UTC informa que a leniência permitirá que a empresa tenha direito a participar de processos licitatórios e de certames realizados por gestores e empresas públicas, como a Petrobras. "Dessa forma, a empresa espera ser reincluída no cadastro de fornecedores da Petrobras e dar continuidade as suas atividades econômicas", diz a nota.

 

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4294, 11/07/2017. Política, p. A10.