Título: Supercarteira para carros potentes
Autor: Alcântara, Manoela
Fonte: Correio Braziliense, 12/02/2012, Cidades, p. 27

Projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados prevê que condutores de veículos com mais de 300 cavalos sejam habilitados na Categoria C, hoje imposta a quem guia pequenos caminhões

Bonitos, caros e potentes. Não é difícil ver nas ruas de Brasília carros de alta performance. Eles podem custar R$ 1 milhão e ultrapassam 300 quilômetros por hora. São Ferraris, Lamborghinis, Porsches, BMWs, Mercedes. Apesar do preço e do grande número de pardais espalhados pela cidade, a quantidade de máquinas como essas aparentemente só aumenta na capital. Para se ter uma ideia, a venda do Camaro, cresceu 600% em 2011. A empolgação com os carrões preocupa o Poder Legislativo. Tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei que amplia as exigências aos condutores de veículos com mais de 300 cavalos, caso em que se encaixam todos os modelos citados. A ideia é exigir carteira da categoria C dos motoristas desses veículos, obrigatoriedade, hoje, restrita a quem dirige pequenos caminhões.

Pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB), quem deseja habilitar-se nessa categoria precisa ter a carteira tipo B, por pelo menos um ano e não ter cometido qualquer infração grave ou gravíssima. Outra exigência é não ser reincidente em infrações médias nos últimos 12 meses. Hoje, a legislação é específica para quem usa transporte de carga com peso acima de 3,5 mil kg. "Acredito que se uma habilitação com o maior nível de exigência for obrigatória, a prudência desses motoristas aumentará. Isso não vai resolver o problema da alta velocidade no trânsito, mas é um jeito de formar motoristas mais bem orientados para dirigir esses carrões", diz o autor do Projeto Lei nº 2332/2011, o deputado Paulo Foletto (PSB-ES).

A proposta do parlamentar começou a sair do papel no ano passado, quando dois graves acidentes chocaram a cidade de São Paulo, um deles com um Camaro SS , outro com um Porsche (veja Memória). "As pessoas que dirigem veículos de tal porte têm uma característica mais ousada, entusiasmada. Quando vi esses acidentes com velocidades muito acima da via, pensei em tomar alguma atitude para reduzir ocorrências dessa natureza", complementa Foletto. A proposta, porém, provoca polêmica entre a população do Distrito Federal e é reprovada por especialistas ouvidos pelo Correio.

Para o perito criminal e especialista em acidentes de trânsito do Instituto Geral de Perícias do Rio Grande do Sul Rodrigo Kleinübing, o projeto representa claramente a ineficiência da

atual política de formação de condutores. "Entendo a intenção de ter um motorista mais bem preparado para esses carros potentes. Mas o ideal é que pessoas com a carteira B tenham essa consciência. Não há necessidade de mudar o código, mas de melhorar as escolas que formam condutores", enfatiza. Kleinübing acrescenta que o cumprimento das leis atuais já pode gerar resultados interessantes. "Uma nova categoria não mudará nada. Mas a impunidade que ocorre no país está diretamente ligada ao mau comportamento nas vias. Se as carteiras daqueles que excedem o número de pontos permitidos fossem cassadas, eles sentiriam que não podem infringir as regras", avalia.

Comportamento

Colecionador de carros potentes, Carlos Bacarense, 47 anos, tem um Chevrolet Corvette (440cv), uma Mercedes SL (320 cv) e uma Mercedes CL (motor V12, 500cv). Para ele, as novas exigências não fariam muita diferença para os condutores. "É uma lei inaplicável. A responsabilidade do motorista não depende do tipo de carteira, mas da consciência no trânsito. As pessoas que causam acidentes por alta velocidade vão continuar com o mesmo comportamento. O que precisa mudar é a educação", aposta. Segundo o empresário, a medida não se justifica de forma proporcional à realidade do trânsito. "Quantos acidentes vemos com carros potentes? Veículos comuns chegam a 180km/h e matam do mesmo jeito. São pouquíssimas ocorrências como essas registradas em São Paulo", complementa.

Bacarense dirige carros de alta performance há 20 anos e garante que raramente passa dos 60km/h. "Meus carros têm computador de bordo, que fazem uma média da velocidade, que nem sequer ultrapassa os 50km/h. Compro carros potentes porque gosto, sou um colecionador", conta. Para ele, mais importante do que a discussão de uma nova categoria destinada aos seleto grupo do carros de luxo é investir na qualidade da pavimentação do DF e na fiscalização. "Pago IPVA médio de R$ 25 mil e ainda amasso as rodas em buracos. Acho que o esforço deveria ser voltado para essas melhorias. Uma boa fiscalização e equipamentos eletrônicos de controle de velocidade também seriam mais eficazes", analisa.

O motorista profissional Jonathan Rodrigues Santos, 23 anos, discorda. Ele acredita que a aprovação do projeto de lei no Congresso fará diferença. "Vejo jovens muito inconsequentes, principalmente quando estão nesses carros de luxo. Eles cruzam o trânsito sem pensar. Se o veículo estiver nas mãos erradas, quanto maior a potência, maior o perigo", acredita.

Rodrigues conta que precisou de dois anos de experiência com a carteira B para fazer as aulas e garantir o Tipo D, de motorista profissional. Depois disso, afirma que a postura diante do volante mudou. "É mais responsabilidade. Aprendemos direção defensiva, temos mais consciência. Mudei totalmente o meu comportamento. Acho que outras pessoas também podem aprender muito se fizerem esses cursos", complementa.

O Projeto de Lei nº 2332/2011 tramita em caráter conclusivo nas comissões de Viação e Transportes e na de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados. Paulo Foletto, enfatiza que não vai poupar esforços para votar a proposição o quanto antes.

Em alta

Em comparação com 2010, o número de Camaros — carro com 406 cavalos — comercializados aumentou de nove para 63 unidades, de acordo com dados do Sindicato dos Concessionários e Distribuidores de Veículos do DF (Sincodiv). Embora não existam estatísticas oficiais, colecionadores de máquinas como a da GM afirmam que no DF existem hoje 20 Ferraris de modelos diferentes, pelo menos seis Lamborghinis, dezenas de Porsches, entre outros. Esses modelos conseguem evoluir de 0 (zero) a 100 km/h de três a seis segundos.

Isso não vai resolver o problema da alta velocidade no trânsito, mas é um jeito de formar motoristas mais bem orientados para dirigir esses carrões"

Paulo Foletto, deputado federal (PSB-ES), autor do projeto