Lula é sentenciado a 9 anos e meio de prisão

Rafael Moro Martins, Cristiane Agostine e Fernando Taquari

13/07/2017

 

 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado ontem pelo juiz federal Sergio Moro a nove anos e meio de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá (SP). Moro também proibiu que o petista, líder em pesquisas de opinião pública para a Presidência em 2018, exerça cargo ou função pública "pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade", ou seja, 19 anos. Além disso, Lula foi condenado ainda a pagar indenização de R$ 16 milhões. A sentença, contudo, precisa ser confirmada pela segunda instância do Judiciário, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), de Porto Alegre, para que comece a ser cumprida e torne o ex-presidente inabilitado para concorrer no próximo ano.

Lula foi considerado culpado da acusação de receber R$ 2,2 milhões da empreiteira OAS em retribuição a contratos da empresa para obras da Refinaria Abreu e Lima (Rnest) em Pernambuco. Segundo os procuradores da Operação Lava-Jato, o dinheiro teria sido usado para a compra e a reforma do apartamento no litoral de São Paulo. O juiz não aceitou a tese do Ministério Público de que o ex-presidente teria recebido ainda R$ 1,5 milhão pagos por meio da guarda de itens do acervo presidencial entre 2011 e 2016. É a primeira condenação de Lula em processo decorrente da Lava-Jato. Ele é réu em outra ação penal em Curitiba e uma terceira denúncia contra o ex-presidente ainda não foi convertida em ação penal.

Moro afirmou na sentença que Lula poderá recorrer em liberdade e disse que a prisão cautelar de um ex-presidente "não deixa de envolver certos traumas". "A prudência recomenda que se aguarde o julgamento pela Corte de Apelação antes de se extrair as consequências próprias da condenação", afirmou Moro, na sentença de 260 páginas. Moro avaliou como "inapropriadas" as condutas do "sr. Luiz", afirmou que havia provas suficientes para decretar a prisão preventiva do ex-presidente e disse que cogitou mandar prendê-lo. Porém, disse ter optado por não tirar a liberdade do petista porque isso envolveria "certos traumas".

No despacho, o juiz de Curitiba procurou se defender de críticas de que atuar com viés político. "Não têm qualquer relevância suas eventuais pretensões futuras de participar de novas eleições ou assumir cargos públicos", anotou Moro, nas primeiras das 216 páginas da sentença. O magistrado afirmou que a condenação não lhe trazia "qualquer satisfação pessoal, mas disse que é "de todo lamentável que um ex-presidente seja condenado criminalmente". "Mas a causa disso são os crimes por ele praticados e a culpa não é da regular aplicação da lei", escreveu o juiz federal. Em seguida, registrou um ditado para terminar sua sentença contra Lula com uma frase de efeito: "Não importa o quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você".

A reação no PT foi imediata. O ex-presidente recebeu a visita e telefonemas de diversos aliados em seu instituto e a Executiva Nacional da sigla fez uma reunião de emergência em São Paulo. Lula não se pronunciou publicamente e fará hoje um discurso na sede do PT na capital paulista, cercado por dirigentes e lideranças petistas, pela militância e por integrantes de movimentos sociais. A legenda programou um "abraço" ao ex-presidente no local. A direção nacional da sigla orientou os diretórios estaduais e municipais do país a irem às ruas para defenderem o ex-presidente. Ontem, movimentos sociais fizeram um ato em solidariedade a Lula na avenida Paulista. Os petistas negam que Lula tenha qualquer relação com o imóvel no Guarujá, que permanece em nome da empreiteira OAS e também rejeitam a versão de que Lula teria recebido propinas de quem quer que seja. Atribuem a sentença a um desejo dos investigadores de interferirem na próxima eleição presidencial.

Em nota, os advogados de Lula, Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira, afirmaram que "Moro deixou seu viés e sua motivação política claros desde o início até o fim deste processo". Por meio de outra nota, a Executiva Nacional do PT afirmou que a sentença se baseou exclusivamente em delações premiadas que "simplesmente validam as convicções contidas na acusação dos procuradores". Vice-presidente do PT, o ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha reforçou a tese de que querem impedir a candidatura de Lula. "Ele é líder nas pesquisas de intenção de voto para presidente e querem tirá-lo da eleição de 2018. Isso é querer excluir o povo das eleições", disse Padilha.

No Instituto Lula, os interlocutores do ex-presidente afirmaram que o petista está "indignado e frustrado com a Justiça". "Ele está indignado como qualquer pessoa inocente se sentiria diante de uma condenação que tem caráter político", disse o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Wagner Santana, que passou parte da tarde com o petista. Segundo o sindicalista, o ex-presidente não tem receio de ser preso e está convicto de que consegue reverter a decisão de Moro em outras instâncias da Justiça. Para o vice-presidente do PT Marcio Macedo, que também se reuniu com Lula, o ex-presidente "recebeu a notícia com a serenidade de um inocente e com a indignação de um injustiçado". Os dirigentes petistas negam-se a falar sobre alternativas caso Lula não possa concorrer no próximo ano. "Não tem esse debate. Nós estamos indignados com o que aconteceu", disse Marcio Macedo.

Um dos principais interlocutores de Lula e diretor-presidente do instituto do ex-presidente, Paulo Okamotto afirmou que o PT não tem "plano B" para disputar a sucessão presidencial - Lula é o único candidato. "Só temos um plano, plano A", afirmou. "Lula é a principal liderança política. O povo coloca esperança nele, portanto vamos continuar com Lula. Tenho certeza absoluta que vamos encontrar a saída democrática para o Lula ser nosso candidato". "É um golpe político e se tiver qualquer prejuízo para Lula poder concorrer será mais um golpe na democracia", disse Okamotto. "É um julgamento com caráter político", afirmou, reforçando a tese petista. Okamotto disse que a condenação de Lula foi baseada em um processo equivocado, no qual o juiz se baseou em delações premiadas de pessoas "desesperadas" e buscou o apoio da opinião pública para proferir sua decisão. "Não existe nenhuma prova. Lula é uma pessoa inocente, não é dono desse imóvel, nunca pediu esse imóvel, nunca morou nesse imóvel, nunca frequentou esse imóvel. É um caso muito, muito grave de injustiça", disse sobre o tríplex.

As reações populares foram modestas. Na Avenida Paulista, em São Paulo, grupos favoráveis e contrários ao ex-presidente se manifestaram horas depois de a condenação ter sido tornada pública e fecharam duas pistas de trânsito. Somavam cerca de 300 pessoas. Não havia registro de incidentes até o fechamento desta edição. Em Curitiba, alguns carros ensaiaram um buzinaço em apoio a Moro, nas proximidades da Justiça Federal. Mais relevante foi a reação nas redes sociais da internet. Lula chegou a ser a pessoa mais citada no Twitter mundial em determinado momento da tarde. Também os mercados reagiram. A notícia da condenação fez aumentar as ordens de compra de ações. No pregão da Bovespa, houve aumento de 82% no volume de negócios por minuto entre 13h58 e 13h59. A sentença entrou no sistema eletrônico de divulgação da Justiça do Paraná às 13h54. O movimento financeiro por minuto passou de R$ 48,8 milhões às 13h58 para R$ 88,6 milhões às 13h59. No fim do dia, o Ibovespa subiu 1,57%, aos 64.836 pontos, o maior patamar desde a agudização da crise institucional. A cotação do dólar recuou 1,35%.

A sentença contra Lula deixou inconformada a força-tarefa do Ministério Público na Lava-Jato. Em nota, os procuradores afirmaram que irão recorrer da sentença, "manifestando sua discordância em relação a alguns pontos da decisão, inclusive para aumentar as penas". Ontem, juristas apontaram problemas na sentença de Moro, que devem ser explorados pelo PT. Em nota divulgada à imprensa, o advogado Guilherme Marcondes Machado afirmou que o juiz errou ao determinar o confisco do tríplex, alegando ser produto de crime. Moro determinou que o bem seja retirado da recuperação judicial, "o que seria ilegal", segundo a nota. "Documental e contabilmente, o tríplex é da OAS, constando inclusive no seu ativo. Logo, o juízo da recuperação judicial é o único competente para decidir acerca de bloqueios realizados no patrimônio da recuperanda, ou seja, da OAS", disse Machado.

Lula não foi o único condenado no despacho de Moro. O juiz também sentenciou os executivos da OAS Léo Pinheiro e Agenor Franklin Magalhães Medeiros a dez anos e oito meses e quatro anos e seis meses de detenção, respectivamente. Léo Pinheiro está preso e poderá sair do regime fechado após completar dois anos e seis meses de reclusão. O executivo já tem outras duas condenações na Lava-Jato, ambas por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa, que somam 24 anos e seis meses. Na segunda instância, o TRF-4 aumentou as penas para 26 anos e 7 meses.

Ainda na mesma sentença, Moro absolveu Paulo Okamotto. Okamotto era acusado de ter usado dinheiro de propina no armazenamento do arquivo do ex-presidente. "Apesar das irregularidades no custeio do armazenamento do acervo presidencial, não há prova de que ele envolveu um crime de corrupção ou lavagem", escreveu Moro. Também foram absolvidos Paulo Roberto Valente Gordilho, Fabio Hori Yonamine e Roberto Moreira Ferreira, todos funcionários da OAS. Eles eram acusados de lavagem de dinheiro por conta da ocultação e dissimulação da titularidade do apartamento no Guarujá. Para Moro, "há falta de prova suficiente do agir doloso" dos três.

(Colaborou Alessandra Saraiva, do Rio, com agências noticiosas)

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4296, 13/07/2017. Política, p. A6.