Alcance de 'vitimização' será limitado, dizem analistas

Ligia Guimarães, Cristian Klein, Rodrigo Carro, Rafael Rosas e Marcos de Moura e Souza

13/07/2017

 

 

A condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo juiz Sergio Moro poderá levar potenciais eleitores de Lula a repensar o voto, "prejuízo" que só será dimensionado quando forem divulgadas as próximas pesquisas eleitorais, na opinião do cientista político Antonio Lavareda. "Com certeza isso tem um efeito dissuasório sobre uma parcela da população que até então pretendia votar no presidente. Vamos ver nas próximas pesquisas qual será a dimensão desse 'prejuízo' nas intenções de voto", afirma o cientista. Lula só será preso se o Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmar a sentença de 9 anos e seis meses por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex no Guarujá em segunda instância.

Para o cientista político Marcus André Melo, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco, o impacto mais importante da condenação do ex-presidente diz respeito ao "timing" do magistrado. Em sua opinião, caso a decisão tivesse sido tomada há um ano ou no fim de 2016 - "o que é plausível pensar", aponta - a narrativa do PT de que a Operação Lava-Lato é seletiva teria muito mais credibilidade do que hoje. Desde então, afirma, as ações da força-tarefa voltaram-se para o incumbente de plantão, o presidente Michel Temer, e seu círculo mais próximo do PMDB, além de figuras do tucanato, como o senador mineiro Aécio Neves, que recebeu a "bala de prata" na delação de Joesley Batista. "As reações não serão tão inflamadas quanto se a condenação de Lula tivesse ocorrido há pelo menos mais de seis meses", afirma Melo.

Lavareda diz que condenação representa mais um percalço para a esquerda brasileira, que precisará conciliar a campanha pela eleição de Lula com a articulação de possíveis "planos B" para a presidência. "O comportamento da esquerda vai ser, publicamente, defender o presidente Lula, óbvio. Agora, ao mesmo tempo, a divulgação da sentença levará parte da esquerda a começar cogitar com mais força projetos alternativos ao da candidatura de Lula", afirma. Lavareda destaca entre as principais alternativas as candidaturas de nomes de dentro do PT, e alternativas de fora do partido. "A candidatura de Ciro Gomes, por exemplo, poderá ganhar gás nesse processo".

Na visão da cientista política Céli Pinto, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a condenação do ex-presidente foi "tímida", refletindo até uma certa cautela com relação às possíveis reações que uma sentença mais dura poderia provocar. Dentro dessa lógica, a condenação funciona como uma espécie de "balão de ensaio". "É difícil aquilatar qual seria a reação nacional e internacional a uma sentença pesada contra Lula. Talvez uma sentença de 20 anos com prisão imediata poderia levar a protestos nas ruas", diz a cientista política. Céli lembra que, como aconteceu com o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, Moro poderia já ter determinado a prisão de Lula. Para o professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ebape), Carlos Pereira, a condenação de Lula é "sinal inequívoco" de que a democracia no país é madura, além de representar uma oportunidade para o PT "se redefinir e se reencontrar com suas origens".

Para o professor Carlos Pereira, a decisão anunciada ontem significa o coroamento das instituições de controle no pós-Constituição de 1988. Pereira ressalta que o presidencialismo desenhado pela Constituição trazia o risco de que o presidente governasse de forma "desviante". Para evitar a possibilidade de desvios por parte do presidente, a Constituição, na visão de Pereira, delegou poderes amplos para o Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal.

Análise divergente tem o professor emérito de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, Fábio Wanderley Reis, para quem a condenação tende a reforçar o ambiente de polarização política, mas não abalará a imagem de Lula para seu eleitorado. "Para uma parte dos eleitores, essa condenação poderá parecer uma corroboração de que há um perseguição contra Lula", diz Reis, que compara o momento atual de Lula ao das manifestações que pararam o país em junho de 2013. "Houve um desgaste enorme de Dilma e ela acabou sendo reeleita no ano seguinte."

Na mesma linha está Marcus Melo, da Federal de Pernambuco, que diz que a narrativa da vitimização de Lula é muito atraente para o PT, "faz todo o sentido" e é tudo o que o partido precisa para reenergizar uma parte do eleitorado que a sigla perdeu depois de sair do poder. O discurso, prevê, é suficiente para mobilizar os simpatizantes mais próximos, parte do grupo de eleitores voláteis que foram essenciais à vitória do PT à Presidência em 2002, e outra parte que foi beneficiada pelos governos de Lula e de sua sucessora, Dilma Rousseff. Mas não será suficiente para conquistar os eleitores medianos e fazer uma onda de apoio ao ex-presidente.

Para Melo, o prognóstico de que a eleição de 2018 representará um golpe no poder dos partidos políticos tradicionais não se confirmará. Ele lembra que não serão permitidas doações empresariais e que o fundo partidário de R$ 3,5 bilhões que está sendo criado para financiar as campanhas eleitorais vai reforçar muito os incumbentes e os maiores partidos, pela divisão proporcional dos recursos. Uma união entre PMDB e PSDB, por exemplo, tende a construir uma candidatura "imbatível", seja encabeçada pelo prefeito ou o governador de São Paulo, respectivamente João Doria e Geraldo Alckmin. Melo vê favoritismo mesmo com a impopularidade do governo Temer - e um eventual clima de mudança no eleitorado.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4296, 13/07/2017. Política, p. A7.