Mercado ganha fôlego após condenação de Lula

Chrystiane Silva, José de Castro e Lucinda Pinto

13/07/2017

 

 

A condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo juiz Sergio Moro deu força ao movimento positivo que os mercados financeiros vinham exibindo desde o começo da semana e que colocou os ativos locais como destaque dentre os emergentes. Num dia em que o apetite por ativos de risco cresceu no mundo, a decisão que pode afastar Lula da corrida eleitoral de 2018 levou o dólar ao menor patamar em oito semanas, na maior queda desde os dias seguintes ao estouro da crise política, em meados de maio. A moeda americana recuou 1,35%, para R$ 3,2084, ameaçando deixar para trás o suporte de R$ 3,20. Na mesma linha, as taxas do CDS ("credit default swap", espécie de seguro contra calote da dívida) recuaram 9 pontos-base, maior queda numa lista de 28 países emergentes e desenvolvidos. O CDS brasileiro atingiu 227 pontos-base, nível mais baixo desde o fatídico dia 17 de maio, última sessão antes do vazamento da gravação do empresário Joesley Batista, da JBS, com o presidente Michel Temer. Já o Ibovespa subiu 1,57%, aos 64.836 pontos, maior nível desde 18 de maio. O giro financeiro ficou em R$ 10,11 bilhões, o maior desde 16 de junho, e bem acima da média diária do ano, de R$ 6,2 bilhões. Logo que a notícia da condenação de Lula começou a circular entre as mesas de operação, no início da tarde, aumentaram as ordens de compras de ações. O volume de negócios por minuto que estava em R$ 4,19 milhões às 13h57, passou para R$ 48,82 milhões no minuto seguinte e para R$ 88,66 milhões às 13h59.

Entre as ações mais negociadas, o destaque de alta ficou com o papel Petrobras PN, que subiu 4,95%. No setor bancário, o papel preferencial do Bradesco subiu 2,72%. As ações ordinárias do Banco do Brasil ganharam 2,71%. A decisão de Moro de condenar Lula provoca um efeito positivo sobre os preços de mercado porque toca em um ponto sensível para as decisões de investimento e que justifica uma boa parte do prêmio de risco exigido pelos investidores: o quadro eleitoral de 2018. Embora a condenação não garanta que Lula estará afastado da disputa - cabe recurso em segunda instância -, ela eleva a probabilidade de que isso aconteça. E como Lula é considerado hoje a única alternativa capaz de unificar a esquerda para a disputa eleitoral, seu enfraquecimento justifica a redução do prêmio de risco dos ativos. Esse cenário levou o ganho da moeda brasileira para 3,31% neste mês, o melhor desempenho dentre 33 pares do dólar americano. Analistas já consideram que o dólar a R$ 3,20 parece um preço mais "justo" neste momento, mas não descartam chances de a moeda seguir em queda. Em quatro sessões, o dólar perdeu 2,81%. É a mais longa série de baixas desde o período entre 9 e 16 de maio (quando a moeda recuou por seis pregões).

Com isso, o dólar diminuiu para 2,46% a alta acumulada a partir da deflagração da atual crise política do país. No dia 18 de maio, o real sofreu um recuo de 8%, maior queda diária desde 1999, quando houve a maxidesvalorização cambial. A forte baixa levou a moeda, em apenas um dia, a sair de ganho de 3,81% no acumulado do ano para perda de 3,93%. Com a recuperação da divisa desde o fim de junho, o câmbio não só apagou as perdas no ano como passou a subir 1,32%. O Ibovespa, por sua vez, ainda cai 4%, em moeda local, e 9,69%, em dólar, desde o dia 17 de maio, mas vem recuperando parte do "atraso" em relação a outras bolsas emergentes, que passaram por um rali capitaneado pelos mercados americanos. No mesmo período, o índice Dow Jones subiu 3,89%, a bolsa mexicana ganhou 8,86%, e o mercado de ações da Índia teve alta de 3,52%. "A bolsa brasileira ficou parada à espera de uma definição política, ninguém sabe o que vai acontecer. O Ibovespa deixou de capturar o melhor momento do mercado global", diz um gestor. Desde o fim de junho, no entanto, os ativos brasileiros melhoraram sua performance. Isso porque, segundo analistas, a desvalorização já sofrida pelo real e pelas ações, a melhora dos fundamentos domésticos e a percepção de que a política econômica seria mantida - com ou sem Temer - acabaram limitando o apetite por vendas. No caso do câmbio, o elevado custo de carregamento de posições negativas em reais desestimula estratégias que ganham com a desvalorização da moeda brasileira.

Para o curto prazo, o cenário ainda inspira cautela, mas analistas resistem a ver gatilhos negativos para o câmbio nas próximas semanas. Nada indica pressa dos bancos centrais do mundo desenvolvido no sentido de desmontar abruptamente suas políticas de estímulo - o tom da presidente do Fed (o BC americano), Janet Yellen, em comentários ontem reforçou a percepção. A balança de pagamentos brasileira segue forte, ajudada pelos fluxos comerciais superavitários. E, apesar da trajetória de baixa, o juro brasileiro ainda é comparativamente mais elevado que o restante do mundo, o que mantém a atratividade dos ativos domésticos. No plano político, o estrategista do Crédit Agricole em Nova York Italo Lombardi chama atenção para a notícia da condenação do ex-presidente Lula. Segundo ele, ainda que em segunda instância a decisão seja revertida, fica a sensação de que Lula pode iniciar uma possível campanha presidencial de 2018 mais enfraquecido. "Em linhas gerais, é isso que vai determinar a continuidade da política econômica. Se vai haver ruptura ou não. E o medo com relação a 2018 incomoda bastante o gringo", diz.

Ao mesmo tempo, o mercado começa a ver mais probabilidade de que algum ajuste na Previdência seja aprovado - ainda que de forma mais diluída e menos abrangente. A base para essa esperança é a ideia de que, com Temer ou Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, no poder, a equipe econômica será mantida e terá capacidade de reação caso a reforma da Previdência não volte à pauta do Congresso neste ano. Para os próximos dias, não se descarta algum ajuste de alta no dólar, à medida que o mercado digere a combinação de notícias, avalia o sócio-gestor da Leme Investimentos Paulo Petrassi. Mas o cenário-base já parece melhor do que uma semana atrás, o que faz o gestor considerar que o câmbio mais apreciado levará o Banco Central a manter o ritmo de corte de juros da Selic no fim deste mês. "Mais até do que o dólar, acho que o juro tem muito espaço para cair", afirma, citando o cenário de inflação em queda e atividade econômica distante de retomada mais forte. O mercado já discute a possibilidade de corte de um ponto percentual da Selic neste mês. A taxa básica de juros está atualmente em 10,25% ao ano. Na B3, o juro com vencimento em janeiro de 2019 - que reflete expectativas para os movimentos da política monetária até o fim de 2018 - caiu a 8,64% ao ano, de 8,73% no ajuste anterior.

No caso da bolsa, há ainda elementos que embaralham a recuperação. Além das incertezas políticas, as altas taxas de desemprego e a piora das perspectivas para o crescimento da economia podem limitar a continuidade de alta do Ibovespa. "Tenho dificuldade para enxergar a bolsa brasileira acompanhando o rali global deste ano", diz Pablo Spyer, diretor da corretora Mirae Asset. Para Marco Saravalle, estrategista da XP Investimentos, depois de perder o rali do mercado acionário global, o Ibovespa poderá ganhar fôlego com sinais mais concretos de recuperação da atividade econômica.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4296, 13/07/2017. Finanças, p. C1.