O globo, n.30712 , 07/09/2017. País, p. 8

Núcleo de corrupção vai investigar ex-procurador

 VINICIUS SASSINE

07/09/2017

 

 

Procuradoria da República no Distrito Federal também apura possível descumprimento de quarentena

O ex-procurador da República Marcello Miller passará a ser investigado pelo núcleo de combate à corrupção da Procuradoria da República no Distrito Federal. Pivô de uma possível derrubada do acordo de colaboração premiada dos executivos do grupo J&F, Miller já é investigado na Procuradoria por duas suspeitas: exercer advocacia no juízo em que atuava antes de um prazo de afastamento de três anos e acesso privilegiado a informações internas do Ministério Público Federal (MPF).

Esse acesso privilegiado levou à “obtenção de resultado que discrepa das outras colaborações firmadas com o MPF”, conforme suspeita expressa em despacho em que houve um declínio de competência sobre o processo. O inquérito deixou a área de atos administrativos e seguiu para o núcleo de combate à corrupção da Procuradoria da República no DF. Miller era investigado somente em razão de um possível descumprimento de quarentena para atuar como advogado. Na segunda-feira, ao abrir procedimento interno para revisar a delação dos executivos da J&F, proprietária da JBS, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, determinou o encaminhamento de cópia dos autos ao ofício de atos administrativos “para adoção das providências que entender pertinentes” relacionadas a Miller. Janot considerou grave a conduta do ex-procurador, com possibilidade de prática de crime.

O procurador Felipe Fritz, que responde pelo ofício, decidiu declinar da competência, para que Miller possa ser investigado por suspeita de prática de crime e de improbidade administrativa. O declínio ocorreu no dia seguinte ao procedimento de Janot. A redistribuição do processo, por sorteio eletrônico, foi feita ontem.

 

EX-PROCURADOR DEVE SER OUVIDO HOJE

“Impõe-se a redistribuição com urgência do feito a um dos ofícios de combate à corrupção”, escreveu o procurador Fritz no despacho que provocou a movimentação do processo dentro da Procuradoria no DF. O processo foi sorteado para o 4º ofício da Procuradoria, um dos sete que cuidam de combate à corrupção.

O titular do 4º ofício é o procurador Anselmo Lopes. Ele é um dos que assinam o acordo de leniência firmado entre MPF e J&F, proprietária da JBS. Miller atuou nesse acordo, por meio de um escritório de advocacia para o qual trabalhou após deixar o MPF. Anselmo não está respondendo pelo 4º ofício no momento, uma vez que atua na força-tarefa criada para cuidar das Operações Sépsis, Cui Bono? e Greenfield. O procurador responsável pelo caso de Miller será Frederico Silveira.

Pela leniência, o grupo se comprometeu a pagar R$ 10,3 bilhões num prazo de 25 anos, em troca da possibilidade de contratos com o poder público. Este acordo foi feito na primeira instância, com a Procuradoria da República no DF. A delação premiada, por sua vez, garantiu imunidade penal aos executivos.

Em conversa gravada e entregue à Procuradoria Geral da República (PGR), os delatores Joesley Batista e Ricardo Saud detalham uma suposta atuação de Miller para os dois buscando a obtenção da delação na PGR. Joesley é um dos donos da J&F. Saud é diretor de relações institucionais do grupo.

O áudio tem data provável de 17 de março deste ano. Naquele momento, Miller ainda era procurador da República. A saída definitiva ocorreu em abril. Miller integrou o gabinete de Janot, atuando no grupo de trabalho da Lava-Jato. O procedimento instaurado por Janot para revisar a delação determinou que Joesley; Saud; Francisco de Assis e Silva, diretor jurídico do grupo; e Miller sejam ouvidos até amanhã. Os três primeiros serão ouvidos na PGR. Miller deve prestar depoimento no Rio.

 

MILLER DIZ QUE NÃO ATUOU COMO INTERMEDIÁRIO

Quando denunciado por corrupção passiva por Janot em junho, o presidente Michel Temer levantou suspeitas sobre a ligação entre Miller Janot.

Em nota à imprensa divulgada ontem, Miller afirmou que não cometeu crime ou improbidade administrativa, que não recebeu dinheiro ou vantagem pessoal da J&F “ou de qualquer outra empresa” e que nunca atuou como intermediário entre o grupo e Janot “ou qualquer outro membro do MPF”. “O advogado esclarece que não mantém relações pessoais e jamais foi ‘braço-direito’ do procurador-geral”, diz a nota.

Ainda segundo o ex-procurador, não houve comunicação com Janot desde outubro de 2016, “com exceção do dia 23 de fevereiro de 2017, quando esteve na PGR para pedir a exoneração do cargo”. Miller disse que não atuou na operação que acabou por levar a um acordo de leniência com a J&F e que se afastou do grupo de trabalho da Lava-Jato em julho de 2016. “Nesse período, também não acessou nenhum arquivo ou documento da operação.“