Lula reage à condenação e reitera candidatura

Cristiane Agostine e Fernando Taquari

14/07/2017

 

 

Em sua primeira fala desde a condenação em primeira instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva negou ontem os crimes pelos quais foi sentenciado, criticou o juiz Sergio Moro, responsável pela Operação Lava-Jato, e lançou sua candidatura à Presidência da República na eleição de 2018.

"Se alguém pensa que com essa sentença me tiraram do jogo, podem saber que eu estou no jogo", afirmou Lula em pronunciamento na sede nacional do PT, na capital paulista. Ao lado de dezenas de dirigentes petistas e de movimentos populares, o ex-presidente disse que vai reivindicar ao partido o direito de concorrer novamente ao Palácio do Planalto.

"Quem acha que é o fim do Lula vai quebrar a cara. Quem tem o direito de decretar o meu fim é o povo brasileiro", afirmou Lula em um recado aos adversários e à força-tarefa da Lava-Jato. Com a declaração, o ex-presidente procurou afastar os rumores de que o PT poderá ter outro candidato na corrida presidencial do ano que vem.

No partido, a possibilidade de um "plano B" foi negada categoricamente. Os petistas devem explorar a ideia de que uma eleição presidencial sem a participação de Lula seria uma fraude, como declarou a presidente nacional do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR). "Se com isso pretendem enfraquecer a candidatura de Lula estão redondamente enganados", disse ela.

Já o líder do PT no Senado, Lindbergh Farias (RJ), em uma estratégia extrema, sugeriu até que a legenda nem tenha candidato ao Planalto se o ex-presidente for impedido de concorrer pela Justiça.

"Se Lula não puder disputar, não será uma eleição democrática. Se for assim, o PT não deve participar dessa eleição presidencial", afirmou Lindbergh.

A proposta do senador, no entanto, não teve consenso. O ex-governador da Bahia e ex-ministro Jaques Wagner ressaltou que o PT não deve defender o voto nulo, mesmo que Lula seja inabilitado. "Temos até outubro de 2018 para defender a candidatura do ex-presidente. Só terá plano B se estiver frustrado o plano A. E não tem nenhuma construção interna no PT para isso", disse Wagner.

O ex-governador baiano afirmou que o PT trabalha com dois cenários contra Lula: o da inviabilização da candidatura do ex-presidente, com uma eventual condenação em segunda instância, e a de manter a campanha do petista sob judice, tornando a chapa de Lula mais frágil e com mais dificuldade para construir uma ampla aliança política com outros partidos.

"O sonho de consumo [da oposição a Lula] é interditar totalmente a candidatura dele, mas isso é muito difícil. Isso pode tornar também o Lula um herói. Pode ser que seja mais viável manter a candidatura sub judice, tornando mais difícil a construção da aliança", afirmou Wagner, que passou a tarde reunido com Lula.

O ex-presidente prepara uma série de viagens pelo Nordeste a partir do dia 18 de agosto. O giro pela região será a oportunidade para o petista defender-se das acusações no palanque e ao mesmo tempo fortalecer sua pré-candidatura.

O roteiro terá início pela Bahia, com paradas em Salvador e no Recôncavo, e terminará no Maranhão, em uma ofensiva que deve durar vinte dias.

Lula escolheu a região onde tem seus mais altos índices de popularidade e de intenção de votos, conforme as pesquisas. Quanto maior o índice de preferência, mais forte será o discurso de perseguição política.

Em sua fala ontem, o ex-presidente deu o tom que deve marcar seus pronunciamentos pelo Nordeste.

"Sempre tive consciência que o golpe não se fechava se Lula pudesse ser candidato", afirmou o petista ao destacar o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016. "O que me deixa indignado, mas sem perder a ternura, é saber que sou vítima de pessoas que contaram uma mentira", disse Lula, acrescentando que vai recorrer da condenação e apresentará denúncia contra Moro no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

"A Justiça não pode mentir e não pode tomar decisões políticas", argumentou o ex-presidente, pedindo em seguida que "se alguém tiver provas contra ele, que mostre". "A única prova é da minha inocência". Segundo o ex-presidente, a condenação é uma demonstração de que o Estado democrático de direito no Brasil está "sendo jogado na lata do lixo". A sentença de Moro, prosseguiu ele, é um modelo "de como não fazer".

"Meus acusadores sabem que não roubei, mas não podem recuar depois do massacre que promoveram na mídia", frisou Lula depois de reconhecer que, pela condenação, só poderia voltar a concorrer a um cargo público em 2036 e que não sabe se viverá até lá. "Moro tem um otimismo para comigo que nem eu tenho", ironizou.

A despeito da indefinição que permeia uma eventual candidatura de Lula, uma vez o recurso da condenação depende de julgamento no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), o anúncio de sua disposição de concorrer ao Planalto animou os cerca de 100 militantes petistas que compareceram à sede do partido para promover um "abraço simbólico" ao ex-presidente.

Com palavras de ordem e gritos de "Lula na veia, Moro na cadeia", os militantes acusaram o Judiciário de tentar impedir a volta do petista ao cargo de presidente, em discursos alinhados com a direção do PT. "A elite deu um golpe e esse golpe continua, com a perseguição a Lula", disse o estudante Gabriel Rodrigues dos Santos, de 16 anos.

Desempregado, Valdir Macedo distribuia no local um adesivo pedindo a prisão de Moro. "Agora que nos libertamos da direita querem nos escravizar de novo", disse o militante, que vestia uma camiseta com um pedido de "fora Temer".

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4297, 14/07/2017. Política, p. A7.