Título: Incidência de barbeiros
Autor: Sassine, Vinicius
Fonte: Correio Braziliense, 06/02/2012, Brasil, p. 5

"Chagas é para a vida toda, mas pelo menos remédio para controlar a gente precisa." O agricultor Raimundo Pereira dos Santos, de 60 anos, enfrenta a doença sem muitos recursos médicos. "Minha Chagas está muito avançada." Raimundo mora no povoado de Curralinho, zona rural de Posse (GO), um dos lugares mais pobres da região, que já é considerada uma das mais carentes do Centro-Oeste. Curralinho está na lista de povoados com incidência de barbeiros, vetores do mal de Chagas. "Todo mundo aqui encontra barbeiro." Apesar dos riscos, e de os moradores já enfrentarem casos crônicos da doença — Raimundo passou recentemente por uma cirurgia para reparar o esôfago —, a população local não tem acesso ao benznidazol, que combate o protozoário no sangue.

Raimundo Pereira dos Santos Filho, 27 anos, tem o mesmo problema do pai. A casa onde mora com a mulher, Selma Maria, 25, e os três filhos pequenos é uma das mais rústicas do Curralinho. "Nasci aqui", diz ele sobre a casa de adobe e madeira. Raimundo Filho sempre encontra barbeiros na sua casa. Ele coloca os insetos em caixas de fósforo e leva para análise no laboratório da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) em Posse. Segundo os agentes de saúde, essa análise não é feita desde 2008. "Não deixo barbeiro (perto de casa). Tenho medo por causa das crianças." Raimundo Filho reclama de tonturas, arritmia no coração, fraqueza. Passou a ser cotidiano o abandono do trabalho na roça por causa da fragilidade do corpo.

Na região do Bacopario, na direção oposta ao Curralinho, a maioria das casas de pau a pique e adobe foi substituída por casas de alvenaria. Davi Ferreira dos Santos, 76 anos, mora num desses imóveis. "A vida melhorou muito. Até minha saúde melhorou um pouco." Por causa dos "gringos", pesquisadores norte-americanos que atuam na região, Davi descobriu que tem o mal de Chagas. "Só no sangue, sem nada no coração", segundo lhe informaram. "Aqui é todo mundo doente de Chagas." A mulher, Jocila, a filha Edmara e os quatro netos que vivem com Davi parecem ter escapado. A certeza só existirá quando os "gringos" coletarem o sangue de todos para análise.