Queda de inflação no Brasil e experiência internacional

Guilherme Martins e Laura Pitta

14/07/2017

 

 

A recessão no Brasil começou com características de um choque de oferta: deterioração da atividade econômica junto com pressões inflacionárias. Em 2015, o PIB recuou 3,8% e a inflação voltou para dois dígitos, atingindo 10,7%. Tanto a inflação quanto o PIB foram, entre outros fatores, afetados por ajustes de preços relativos (câmbio e preços administrados) que refletiram desalinhamentos acumulados até 2014, fruto das intervenções realizadas pelo governo Rousseff.

A partir do segundo semestre de 2016, a recessão passou a ter características de um choque de demanda. A contração do PIB e a alta do desemprego continuaram, mas a inflação passou a desacelerar rapidamente. Em 2016, a inflação encerrou o ano dentro do intervalo na meta de inflação, enquanto o PIB teve outra queda maior do que 3%. Três fatores contribuíram para a transformação da recessão brasileira de ser típica de um choque de oferta para uma de demanda. Primeiro, os ajustes dos preços relativos terminaram. Segundo, a política econômica passou a buscar uma agenda de reformas, em particular, as fiscais, contribuindo para estabilizar a taxa de câmbio e reduzir o risco de pressões inflacionárias adicionais derivadas de repasse cambial. E, por último, o Banco Central, ao longo do segundo semestre de 2016, ancorou as expectativas de inflação na meta de 4,5% antes de iniciar cortes mais rápidos de juros esse ano. Com as expectativas ancoradas, o elevado hiato do produto passou a exercer papel predominante no processo de formação de preços e contribuiu para a queda acentuada da inflação.

Em uma recessão de demanda, em particular tão profunda quanto a brasileira, a inflação tende a cair bastante abaixo da meta. De fato, no Itaú, projetamos que o IPCA irá atingir um mínimo de 2,5% em agosto e irá encerrar 2017 em 3,3%, 1,2 pontos percentuais abaixo da meta de 4,5%. Essa queda acentuada do IPCA no Brasil chama a atenção, e é atípica em nossa experiência, mas olhando evidências internacionais constatamos que esse movimento é normal em países que tiveram queda intensa do PIB. De acordo com a nossa amostra, depois do início da recessão, a inflação inicia uma trajetória de queda e alcança o valor mínimo após 25 meses, ficando por volta de 45% abaixo da meta de inflação estabelecida e continua por volta de 20% abaixo da meta nos meses seguintes. Essa forte queda da inflação é verificada tanto em países emergentes quanto em desenvolvidos. No entanto, o ritmo de queda difere entre os dois grupos. Nos países emergentes, a inflação tende a ter um ritmo mais devagar de queda, provavelmente diante de choques de oferta que impactam a economia durante a recessão, como a depreciação da taxa de câmbio. Em economias desenvolvidas, por outro lado, o ritmo de queda da inflação é muito mais rápido. O comportamento atual da IPCA no Brasil está em linha com o comportamento nos demais países. Consideramos alguns motivos para inflação ficar significativamente abaixo da meta em recessões profundas. Se o BC reduzir os juros para 7,5% até o fim de 2018, vai representar uma taxa de juros real em torno de 3,5%

Há uma defasagem da resposta da política econômica ao choque. Isso ocorre tanto por uma possível demora dos bancos centrais em terem um diagnóstico da magnitude choque, assim como devido a defasagens, bem documentadas na literatura econômica, na resposta da economia à redução dos juros. Além disso, os bancos centrais lidam não apenas com cenário base, mas também com o balanço de riscos. Em muitos casos, as incertezas exigem cautela e reduzem o escopo para a adoção de políticas rápidas de redução de juros. Essa cautela é justificável e garante uma queda de juros mais segura à medida que choques não se materializam e/ou não revertem a trajetória de queda da inflação. A experiência brasileira, onde o banco central pôde continuar com corte de 1 p.p. na taxa Selic mesmo diante de um novo aumento da incerteza política, exemplifica como a cautela da autoridade monetária diante de riscos pode permitir uma continuidade sustentável do processo de flexibilização monetária. Vale ressaltar também, que inflação abaixo da meta é típica de regimes de metas de inflação flexíveis, como o brasileiro. Nesses regimes, a inflação tende a ficar abaixo da meta estabelecida durante recessões e acima durante expansões. Aberrante teria sido se o banco central tivesse permitido que a inflação permanecesse acima da meta, mesmo em ambiente altamente recessivo.

Finalmente, a dificuldade que alguns bancos centrais enfrentaram ao levar as taxas de juros para perto de 0% não parece ser o principal motivo de a inflação ficar bem abaixo da meta durante as recessões. Primeiro, os bancos centrais utilizaram outros instrumentos para estimular a economia. Segundo, mesmo em países que não atingiram juros perto de 0%, a forte queda da inflação ocorreu do mesmo jeito, como na maioria dos países emergentes. Na Hungria, por exemplo, o PIB recuou 4,3%, a inflação ficou 100% abaixo da meta (3%) e o mínimo da taxa de política monetária alcançada foi de 1,4% na recessão que começou em 2012. Por último, é importante ressaltar que, em recessões de demanda, com inflação significativamente abaixo de meta e o desemprego alto, a estratégia de política monetária recomenda levar os juros para abaixo do neutro estrutural. A experiência internacional ratifica esse ponto. No Brasil, as estimativas usuais de taxa de juros estrutural se encontram em torno de 5%-5.5%. No Itaú, esperamos que o Banco Central reduza os juros para 7,5% até o fim de 2018, o que irá representar uma taxa de juros real em torno de 3,5% - desde que as dificuldades enfrentadas pela agenda de reformas não ocasionem novo processo de depreciação cambial, (...)

Guilherme Martins e Laura Pitta são economistas do Itaú.

 

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4297, 14/07/2017. Opinião, p. A10.