Investimento da União têm maior retração em dez anos

Estevão Taiar

14/07/2017

 

 

Os investimentos do governo federal, cujo espaço no Orçamento encolhem desde 2015, podem terminar 2017 no menor patamar como proporção das despesas primárias em pelo menos uma década e comprometer ainda mais a retomada da economia. De janeiro a maio deste ano, os investimentos representaram apenas 2,47% das despesas primárias do governo federal, contra 4,7% no mesmo período do ano passado e 8,7% em 2014, ano em que foi registrado o nível mais alto desde 2007, segundo dados do Tesouro Nacional.

Em valores correntes, as despesas de capital entre janeiro e maio somaram R$ 12,2 bilhões, o menor nível desde 2010. Três fatores principais levaram à contração desse tipo de gasto (aquisição de máquinas, equipamentos, realização de obras e compra de participações acionárias, entre outros.

Enquanto a crise gerou recuo na arrecadação, a rigidez orçamentária impediu cortes significativos em outros tipos de despesas, como gastos previdenciários, deixando os investimentos ao alcance da tesoura governamental. São as despesas discricionárias, que podem ser cortadas com maior facilidade.

Além disso, a dinâmica dos gastos previdenciários, com o envelhecimento da população, e os reajustes salariais concedidos a servidores fizeram essas rubricas crescerem, 'ocupando' o espaço que havia para os investimentos.

"A Previdência ganha muito destaque, mas neste ano as despesas com pessoal estão crescendo mais do que os gastos do Regime Geral de Previdência Social (RGPS)", diz Gabriel Leal de Barros, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão do Senado que monitora as contas públicas.

De acordo com os cálculos da IFI, excluídos os precatórios, as despesas com pessoal cresceram 7,6% entre os cinco primeiros meses deste ano e o mesmo período do ano passado, enquanto no caso do RGPS o aumento foi de 5,1%.

Já os investimentos caíram 47,6% em termos reais na mesma comparação. "É um recuo que pode ser verificado em praticamente todos os eixos: infraestrutura, política social, produção", diz Barros. Na saúde, o corte foi de 18,3%. Na educação, chegou a 40,9%. No Ministério das Cidades atingiu 53,1%.

Programas sociais e de investimentos em infraestrutura também foram alvo de cortes. As despesas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) caíram 51%. No caso do Minha Casa, Minha Vida, a redução foi de 66,6%. "Nesse sentido, o governo não está sendo discricionário. Ele está cortando de todo mundo", diz Nelson Marconi, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Para ele, a queda dos investimentos não só tem dificultado a retomada da atividade, como contribuiu para o início da crise, ainda que não tenha sido a responsável por ela. Os cálculos de Marconi apontam que as despesas de capital nos três níveis de governo, excluindo as estatais, passaram de 3% do PIB em 2014 para 1,8% em 2016. Neste ano, podem chegar a 1,6%. "Neste momento, uma alta dos investimentos seria mais importante ainda, porque precisamos de um estímulo externo à demanda privada para crescer", afirma.

Outro problema é o salto das despesas com pessoal nos últimos anos, que subiram de 9,8% do PIB em 2014 para 10,6% em 2016. Parte desse aumento é estrutural. "Esse tipo de despesa vem subindo desde 1985", diz Marconi. Mas os reajustes dados a servidores federais nos últimos anos tornaram o cenário ainda mais grave. "É algo incompatível com o discurso e a necessidade de fazer um ajuste."

Entre 2006 e 2016, os gastos do governo federal com servidores cresceram em média 8,4% ao ano, enquanto a inflação média no período foi de 6% e o número de servidores cresceu 5%. "Grande parte da expansão desse tipo de despesa veio de aumento de salário", diz André Gamerman, economista da Opus Investimentos, responsável pelos cálculos. Para ele, em função dos constantes reajustes, esse grupo poderia ficar sem aumento de salários, ou ter reajustes abaixo da inflação, por um período.

"Em quatro anos sem reajustes, você consegue ter um ganho bem razoável [dentro do orçamento]", diz. "E nesse caso você não precisa nem fazer reforma para não dar reajuste, é muito mais fácil nesse aspecto."

Nos cálculos da IFI, a Previdência consumiu 43% das despesas primárias nos cinco primeiros meses do ano. "Isso tira espaço para o avanço de outras áreas, como saúde, educação e infraestrutura", diz Barros, destacando, no entanto, que "há espaço para trabalhar e reduzir gastos nos [mais de] 50% restantes", incluídas aí principalmente as despesas com pessoal.

Gamerman, da Opus, é mais cético em relação à capacidade de os investimentos do governo federal contribuírem de maneira significativa para a retomada do crescimento. "Fundamental mesmo é a volta da confiança", diz.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4298, 17/07/2017. Brasil, p. A6.