Reformas vão avançar mesmo sem Temer na Presidência, diz Canuto

Marcelo Ribeiro

18/07/2017

 

 

O diretor-executivo do Banco Mundial, Otaviano Canuto, não vê possibilidade de a agenda de reformas ser descartada, caso o presidente Michel Temer deixe o a Presidência em função de processo no Supremo Tribunal Federal (STF).

Convidado a participar do fórum da Federação dos Jovens Empreendedores de Goiás, Canuto afirmou, em entrevista ao Valor, que as turbulências políticas não devem comprometer o andamento da reforma da Previdência. "A minha avaliação, a do Banco Mundial e dos mercados é que hoje a agenda de reformas parece segura. Posso dizer que me parece haver uma coalizão de suporte em relação às reformas para protegê-las da volatilidade política", disse o diretor do Banco Mundial.

Ele alertou que, se a reforma da Previdência for aprovada com limitações, considerando um projeto que contemple apenas a mudança da idade mínima, será necessária nova reforma em cerca de três anos. Na avaliação de Canuto, os recentes encontros entre agentes do mercado financeiro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que é o primeiro na linha sucessória da Presidência da República, devem ser encarados com naturalidade.

"Não há motivo para alarde. Não vejo jogo duplo do mercado. É natural que, a partir de informações veiculadas pela imprensa, o mercado se aproxime de Maia para entender o que ele faria caso assumisse a Presidência. Isso não quer dizer que o mercado financeiro deixou de confiar no compromisso de Temer com a agenda de reformas ou que deixou de apoiar o programa de governo dele".

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Com a crise política de grandes proporções, o sr. acredita que a retomada econômica ficou mais distante?

Otaviano Canuto: No curto prazo, a conjuntura macroeconômica está dada. A crise parou de se aprofundar. Você tem uma recuperação tímida, mas não quer dizer que a economia vai recuperar, não quer dizer que vá entrar em um novo ciclo de crescimento. Para isso, será necessário ter as reformas para compensar o péssimo ambiente de negócios. Será necessário retomar a confiança de investidores. Isso só será possível com um governo estável, que possa assegurar as regras, o que talvez só aconteça após as eleições de 2018.

Valor: Antes disso não será possível resolver o gargalo das contas das contas públicas e da questão fiscal?

Canuto: As reformas, principalmente a da Previdência, podem iniciar esse ciclo. Tivemos a PEC do teto de gastos públicos, que foi o primeiro passo em relação à questão fiscal. Agora, é preciso dar substância. A reforma da Previdência será essencial para isso, em conjunto com a revisão da qualidade do gasto público das outras áreas. Se a conjunto com a revisão da qualidade do gasto público das outras áreas. Se a economia voltar a crescer, a trajetória de deterioração fiscal se reverte. Não se reverte imediatamente, mas se reverte em 2020, 2021. O que o governo precisa fazer está claro. O buraco é mais embaixo na agenda da produtividade, porque exige mais estabilidade política.

Valor: Mas para isso o ambiente de negócios precisa melhorar e isso leva tempo.

Canuto: É preciso ter o arcabouço que permita confiança nos investimentos em infraestrutura, melhores investimentos, com maior participação do setor privado. É necessário que os projetos adequados sejam escolhidos, que não reflitam os interesses escusos, mas aqueles que visam o resultado para o país, em menor prazo. A agenda de reformas pode ser o pedágio para isso. De certa maneira, vamos precisar de governadores e prefeitos que embarquem junto.

Valor: É possível criar condições para o crescimento com essa relação entre setor privado e governo revelada pela Lava-Jato?

Canuto: A questão-chave subjacente a todos os problemas é a questão de governança. Precisamos entender se o que estamos passando vai deixar marcas, vai deixar claro os riscos e o custo elevado de se partir para o caminho ilícito. Independentemente do resultado específico da atual configuração da Lava Jato, é preciso identificar se já mudou a perspectiva dos agentes privados quanto ao custo-benefício de incorrer em atividades com aquelas reveladas pela Lava-Jato. Se isso se confirmar, já será uma diferença grande. Por enquanto, a percepção é que as pessoas vão pensar duas vezes antes de entrar em um esquema desses. A natureza da relação do setor público e privado será a chave para voltar a crescer para além do que é a recuperação imediata. Devemos crescer 0,6% este ano, 2% em 2018. Mas, se quiser de fato retomar uma trajetória de crescimento sustentável a taxas bem acima disso, vai depender principalmente de governança.

Valor: Há alguma estimativa do Banco Mundial para essa retomada de crescimento sustentável?

Canuto: Não é amanhã. Não é em 2018. O resultado das eleições será fundamental, a emergência de novas lideranças que não sejam tentadas a construir esses esquemas, o fortalecimento e manutenção de instituições independentes que mantenham um prêmio ao bom comportamento e um castigo ao mau comportamento. Serão etapas. Saímos da crise, do ponto de vista de fundo do poço, com a retomada do emprego e de ajuste de carteiras de endividamento de famílias e de algumas empresas. Paramos de afundar. Agora, para voltar a crescer com fôlego é preciso a retomada de investimentos em infraestrutura, ambiente de negócios melhor e qualidade melhor do gastos de público. O ano de 2018 é um ano intermediário no processo de arrumar a casa, de rever orçamento, despesas obrigatórias. Felizmente, ainda não estamos com a corda no pescoço. Se não for feita a reforma da Previdência, a trajetória de endividamento vira explosiva. Não estamos lá ainda.

Valor: Estamos em um ambiente incerto, tanto sobre a continuidade de Temer, uma possível assunção de Maia e uma incógnita sobre a eleição de 2018. Independentemente de quem esteja à frente do Planalto, o sr. acredita que a agenda de reformas seguirá intocável?

Canuto: A agenda reformista está bem definida. Obviamente, risco zero não existe. A minha leitura, do Banco Mundial e dos mercados é que hoje a agenda de reformas parece segura. Posso dizer que me parece haver uma coalizão de suporte em relação às reformas para protegê-la da volatilidade política. Há percepção clara de que o regime de Previdência não é sustentável. Quanto mais demorarmos para corrigir isso, maior vai ser a necessidade do ajuste no futuro. Se tivesse feito sido feita uma correção tempos atrás, o tamanho da reforma não precisava ser esse.

Valor: Representantes do mercado têm se aproximado de Maia nas últimas semanas. O sr. avalia isso como sinal de desembarque do mercado financeiro do governo Temer?

Canuto: Não há motivo para alarde. Não vejo jogo duplo do mercado. É natural que, a partir de informações veiculadas pela imprensa, o mercado se aproxime de Maia para entender o que ele faria caso assumisse a Presidência. Isso não quer dizer que o mercado financeiro deixou de confiar no compromisso de Temer com a agenda de reformas, ou que deixou de apoiar o programa de governo dele.

Valor: Como o sr. avalia a possibilidade de, dentro da reforma da Previdência, ser aprovada apenas a questão da idade mínima?

Canuto: A mudança na idade mínima já seria significativa. O que digo é que, se for magra agora, mesmo sendo significativa, precisará ser feita outra reforma em três anos.

Valor: Com Maia haverá menor compromisso em entregar resultados na área da reforma da Previdência?

Canuto: Acredito que o compromisso será igual. Na sociedade civil, há a percepção da necessidade de se fazer algo em relação à Previdência. Quanto mais adiarmos, será pior. Se aprovarmos a reforma da Previdência, será um chamariz para os investidores. Há um custo político também para aqueles que não apoiam a reforma. O prêmio de ser populista está muito baixo.

Valor: Nesse cenário, um populista tem menos chances do que um candidato mais austero na disputa de 2018?

Canuto: De repente, o contraste não deve ser entre populista e austero, mas entre populista -que já conhecemos as consequências -e alguém com propósitos mais críveis, porque eles são consequentes. Não me parece que haja apoio popular suficiente a propostas que a sociedade já apoiou e viu no que deu. Nesse momento, o populismo tradicional não tem o mesmo efeito. Há um cansaço. A eleição no ano que vem vai explorar muito os motivos de termos chegado a esse ambiente complicado.

Valor: E as consequências da crise para as empresas estatais e privadas?

Canuto: O governo, seja esse ou o próximo, precisará rearrumar as estatais. Os benefícios do que já foi feito na Petrobras já apareceram. Há caroços nesse abacate que ainda vão demorar a ser superados. Também precisa haver uma rearrumação das empresas do setor privado envolvidas nesses escândalos. Para que isso aconteça, o Poder Judiciário precisa continua com sua autonomia, o conjunto de regras precisa continuar fortalecido. A Lava-Jato só chegou onde chegou por causa dos acordos de colaboração premiada. Tudo teria parado se não fosse o incentivo a isso. A partir daí que o novelo foi desfiado, em camadas: pegaram funcionários da estatal, CEOs das empresas eram espremidos e chegaram aos políticos envolvidos. A Lava-Jato não vai retroceder. O que ainda precisamos ver é a natureza das consequências.

 

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4299, 18/07/2017. Brasil, p. A4.