O Estado de São Paulo, n.45194 , 13/07/2017. Internacional, p.A14

 

Procuradora liga ex-ministro de Chávez e Maduro a propinas da Odebrecht

Venezuela. Sob ameaça de perder cargo de chefe do Ministério Público, a chavista dissidente Luisa Ortega Díaz indicia a mulher e a sogra de Haiman El Troudi, político que integrou gabinete do atual presidente e de seu antecessor em áreas relacionadas à obra pública

 

CARACAS

 

O Ministério Público da Venezuela, chefiado pela chavista dissidente Luisa Ortega Díaz, indiciou ontem duas pessoas suspeitas de conexão com o esquema de corrupção da Odebrecht no país. Elas são mulher e sogra de um ex-ministro do governo de Hugo Chávez e de Nicolás Maduro. O indiciamento é um raro desafio da parte de Ortega, que rompeu com chavismo em abril e pode ser destituída do cargo.

María Eugenia Baptista Zacarías e sua mãe, Elita Zacarias, são ligadas ao ex-ministro dos Transportes e do Planejamento Haiman el-Troudi, que trabalhou com os presidentes Chávez e Maduro. O anúncio foi feito pelo MP por meio do Twitter. As duas devem depor no dia 27. María Baptista foi nomeada pelo marido em 2008 como Diretora de Relações Institucionais do Ministério do Planejamento, quando ele estava à frente da pasta, ainda no governo Chávez. Na gestão de Maduro, foi ministro dos Transportes. Ambos os ministérios designaram obras para a Odebrecht, segundo a imprensa venezuelana.

Em acordo de delação premiada, a construtora admitiu ter pago US$ 98 milhões em propina na Venezuela para obter contratos com o governo. No começo do ano, o MP tentou prender o chefe da Odebrecht na Venezuela, Euzenando Azevedo, mas ele aparentemente deixou o país.

Ao contrário de outros países da América Latina envolvidos com o caso Odebrecht, no qual as investigações avançaram e levaram a prisão de burocratas e políticos, como Peru e República Dominicana, na Justiça venezuelana, ligada ao chavismo, as investigações são lentas.

Com a ruptura de Ortega com o governo, precipitada pela decisão do Tribunal Supremo de Justiça de anular as competências do Parlamento, além da repressão a manifestantes e a convocação de uma nova Assembleia Constituinte, o cenário mudou e as investigações começaram a andar.

Na terça-feira, Ortega declarou à Rádio Unión, crítica ao chavismo, que vários membros da administração chavista estão ligados às propinas da Odebrecht.

Segundo ela, o Ministério Público tem em seu poder contratos e provas da autorização das obras mediante propina. Muitos dos chavistas envolvidos, ainda de acordo com Ortega, receberam comissões para liberálas. Esse dinheiro, ainda conforme o relato da procuradora, foi depositado em contas de laranjas em paraísos fiscais.

Ortega denunciou ontem que o governo anulou o passaporte de um funcionário que a representaria em um encontro de promotores na Argentina hoje. Ela está impedida de deixar o país pelo TSJ.

De acordo com o diário El Nacional, ligado à oposição, Ortega disse também que teve dificuldades para obter informações relativas à Venezuela na Justiça brasileira e falou em enviar ao País um procurador para tentar obter um depoimento de Marcelo Odebrecht.

A procuradora afirmou que não reconhecerá a decisão do TSJ sobre sua eventual destituição como chavista crítica do presidente Maduro. O TSJ deveria anunciar ontem uma decisão sobre ela, acusada de mentir em afirmações contra os magistrados. Ortega rompeu com o governo em meio a uma convulsão social e política pelos protestos opositores contra Maduro. A onda de violência já deixou 94 mortos desde 1.º de abril.

Há três semanas, o chavismo equiparou os poderes da Defensoria Pública aos da Procuradoria, concedendo ao órgão, ainda leal ao governo, acesso a casos investigados por Ortega.

Essa medida foi interpretada como uma tentativa da cúpula chavista de descobrir se há em curso alguma investigação vinculando altos funcionários do governo ao caso Odebrecht. A facção mais incomodada com Ortega no governo é chefiada pelo vice-presidente Tareck elAissami e o deputado Diosdado Cabello. /REUTERS E AFP