Aperto orçamentário do MP em 2018 é inédito, diz Janot

Murillo Camarotto

19/07/2017

 

 

O braço investigativo do Ministério Público da União (MPU) deve ser um dos principais afetados pelo aperto financeiro previsto para 2018. Com quase 80% de seu orçamento atrelado à folha de pagamento, o órgão terá que intensificar os cortes em seu custeio, o que poderá afetar diretamente as atividades de investigação feitas pelos procuradores. "É o pior quadro financeiro que já testemunhei desde que ingressei no Ministério Público, há 33 anos", disse ao Valor o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. De saída do cargo, ele vai apresentar as finanças do órgão na semana que vem, em reunião do Conselho Superior do Ministério Público. A sucessora de Janot no comando da PGR, Raquel Dodge, integra o conselho. Já pressionadas pelos salários, as despesas do MPU tiveram que ser revistas mais uma vez na semana passada, diante das novas projeções para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Somente com o rebaixamento de 3,8% para 3% da previsão para a inflação do ano que vem, o órgão perdeu R$ 48 milhões em seu orçamento. O ajuste teve que ser feito para não ultrapassar o teto dos gastos públicos. A essa "perda" de orçamento se somam custos crescentes com a folha de pagamento dos funcionários. O MPU terá que pagar até 2019 as parcelas do reajuste salarial de 12% aprovado em julho do ano passado para analistas e técnicos da procuradoria.

Fazem parte do MPU o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Trabalho (MPT), o Ministério Público Militar e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Com a projeção de inflação de 3%, o orçamento total do órgão para 2018 ficou em R$ 5,98 bilhões. Cabe ao MPF - responsável pelas investigações - o montante de R$ 3,84 bilhões, dos quais 79% estão comprometidos com os salários dos servidores. O restante do orçamento tem que cobrir todo o resto: os investimentos e o custeio, que basicamente é o funcionamento cotidiano do órgão. É na parte do custeio que se estão investigações como a Operação Lava-Jato. Apesar dos cortes de gastos que já vêm sendo feitos, o dinheiro está cada vez mais curto. Janot celebra o fato de ter conseguido reforçar as equipes encarregadas da operação nos últimos anos e lembra que a PGR conseguiu estruturar os gabinetes dos procuradores. O desafio, agora, é evitar que a falta de verba prejudique as investigações. Se o cenário para o custeio está difícil, para os investimentos o problema é ainda mais grave. Segundo Rodrigo Janot, a estrutura de Tecnologia da Informação (TI) está muito perto do limite operacional. "Hoje o coração é TI. A Lava-Jato não teria chegado onde chegou sem isso", afirmou ele.

O cenário, segundo o PGR, seria ainda mais dramático sem os ajustes que vêm sendo feitos. Janot estuda a possibilidade de mandar parar a construção de novas sedes para a procuradoria nos estados. Pelo critério em análise, somente as obras em fase final poderão ser concluídas. Há também um plano para substituir imóveis alugados por prédios de propriedade da União. Em outra frente, o procurador diz estar analisando o fechamento de algumas unidades e incentivando o compartilhamento de sedes entre o MPF e o MPT. "Conseguimos, com isso, reduzir também o número de contratos de prestação de serviços", explica. O trabalho, argumenta o PGR, é mais difícil do que parece. O deslocamento de um procurador para outra localidade gera custos extras e, pior, pode esbarrar na resistência dos próprios servidores. No Ministério Público, existe a prerrogativa da lotação "inamovível", ou seja, um procurador só pode ser transferido se cumprida uma série de requisitos. Com os custos pressionados e sem poder contratar, o MPU está em franco processo de redução de seus quadros. O secretário-geral, Blal Dalloul, lembra que as vagas dos servidores que se aposentam não estão sendo respostas. Há, hoje, 12 cadeiras de procurador República desocupadas. A PGR também está sendo reduzindo os gastos com programas de capacitação dos servidores.

O secretário avisa que os cortes atuais visam preparar a procuradoria para um quadro ainda mais grave, previsto para 2020. Daqui a três anos, tanto o Ministério Público quanto o Judiciário não serão mais protegidos pela compensação por descumprimento do teto de gastos. Para se ter uma ideia, essa compensação deu ao MPU em 2017 um "extra" de R$ 250 milhões, valor oriundo do orçamento do Executivo. "Nós preparamos um orçamento bastante realista para o ano que vem, mas cientes de que o grande baque será em 2020", alerta o secretário-geral do MPU. Trabalhando intensamente na transição, Raquel Dodge encaminhou à Janot uma série de questionamentos sobre as finanças do MPF. O debate, no entanto, só deve ocorrer na reunião do conselho superior, na próxima terça.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4300, 19/07/2017. Política, p. A7.