PGR resiste a compartilhar dados com Argentina

Juliano Basile

20/07/2017

 

 

Representantes da Procuradoria-Geral da República informaram a autoridades argentinas que elas teriam que seguir restrições caso quisessem obter provas obtidas pela Operação Lava-Jato no Brasil. Com isso, um grupo formado por quatro juízes argentinos (Sebástian Casanello, Daniel Rafecas, Marcelo Martínez de Giorgi e Sebastián Ramos) e dois procuradores daquele país (Sergio Rodríguez e Franco Picardi) esteve em Washington para requerer do governo americano informações sobre a Odebrecht que eles não conseguem obter do Brasil. Na prática, o grupo quer criar um caso próprio, o que poderia dar mais liberdade para a aplicação de penas naquele país a envolvidos em desvios da Odebrecht. A Procuradoria-geral da República argumentou que tem o dever de zelar pelo cumprimento do acordo com os executivos da Odebrecht, o que significa que as penas não podem ser ampliadas por outras jurisdições. Não há o equivalente a uma lei da delação premiada na Argentina. O presidente Mauricio Macri enviou no fim do ano passado ao Legislativo um projeto prevendo um marco regulatório para acordos semelhantes aos feitos no Brasil, mas a proposta ainda não foi votada. O contexto político e institucional também é diferente. A Argentina irá realizar eleições congressuais em outubro e a ex-presidente Cristina Kirchner, principal opositora a Macri, é candidata ao Senado na província de Buenos Aires. Ela é o principal alvo dos inquéritos que estão nas mãos dos juízes argentinos, que atuam de forma descentralizada, sem o equivalente à força-tarefa no Brasil. Há, por outro lado, um conflito entre o governo argentino e a procuradora geral daquele país, Alejandra Gils Carbó, que foi indicada pelo cargo por Cristina e que ainda não concluiu seu mandato. Macri acusa Alejandra de não atuar com presteza na busca por informações sobre o envolvimento de autoridades argentinas com a Odebrecht.

Se investigadores de outro país não se aterem aos limites do acordo estabelecido no Brasil, de acordo com uma autoridade brasileira, a alternativa para eles é tentar criar o seu próprio caso. Por isso, os argentinos foram aos Estados Unidos na tentativa de obter informações diretamente dos americanos, que, em dezembro, assinaram um acordo com a Odebrecht. O assunto teria sido mencionado em encontro da equipe do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, com autoridades do Departamento de Justiça (DoJ, na sigla em inglês) nessa semana, em Washington. A PGR não teria se oposto à ação argentina. O encontro argentino-americano, em Washington, durou mais de cinco horas, na semana passada. Os argentinos teriam indicado que poderiam entregar nomes de pessoas envolvidas em práticas ilícitas aos americanos. Em meados de junho, a PGR esclareceu, em nota pública, que não está autorizada a enviar provas sem a imposição de limites ao seu uso. Janot assinou um acordo de cooperação penal com Alejandra, mas os argentinos não teriam dado garantias de que seguiriam as condições para o compartilhamento no caso da Odebrecht. O tema é sensível tanto na relação entre as autoridades de investigação dos três países quanto no campo político. No plano político, atualmente, a Argentina é uma das nações mais bem vistas da América Latina pelo governo americano. Os presidentes Donald Trump e Mauricio Macri são próximos e o americano apoia as reformas econômicas que estão sendo feitas pelo argentino. Ao todo, das 77 delações da Odebrecht, 16 se referem a fatos ocorridos em outros países. A PGR recebeu 105 pedidos de cooperação internacional sobre a Operação Lava-Jato. Foram feitos 37 depoimentos no Brasil para atender depoimentos em uma dezena de países. Em debate, ontem, no Atlantic Council, Janot fez uma comparação entre os militares de regimes autoritários e os procuradores que combatem a corrupção na América Latina. "Há 40 ou 45 anos atrás, a América Latina era conhecida pelos nomes de seus generais. Hoje, a América Latina é conhecida no mundo pelo nome de seus juízes e procuradores. Essa é a mudança de paradigma que eu espero que continue irreversível", afirmou.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4301, 20/07/2017. Política, p. A10.