Traumas que marcam a Petrobras

Claudia Safatle

21/07/2017

 

 

Ao avaliar o seu primeiro ano na presidência da Petrobras, Pedro Parente disse que o que mais o tem surpreendido nesse período é a paralisia da gerência da empresa. "A média gerência está amedrontada, paralisada", segundo ele, com os desdobramentos das investigações da Operação Lava-Jato e não quer se comprometer com o menor risco de envolvimento na operação da estatal. O processo decisório na companhia está travado "porque eles respondem com o CPF", contou o presidente da estatal durante jantar com um pequeno grupo de jornalistas e empresários, promovido pelo site de notícias Poder 360.

Parente relatou que há poucos dias conheceu um gerente executivo da área financeira da empresa que estava "na posição errada na hora errada", ao substituir por um dia o gerente executivo que seria o responsável pela assinatura do contrato de compra da refinaria de Pasadena. Justamente nesse dia o contrato foi consumado. O funcionário, que não teve qualquer participação na aquisição da refinaria que tornou-se símbolo de escândalo, assinou a papelada e no curso das investigações teve seus bens bloqueados. Só muito recentemente o Tribunal de Contas da União (TCU) autorizou o desbloqueio.

Ele disse que em um evento público o presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira, comentou que estava com inveja da Petrobras, cuja dívida corresponde a cinco vezes a geração de caixa da estatal, enquanto que na holding do setor elétrico essa relação é de oito vezes. Ferreira falou também que todo o papel que assina precisa estar acompanhado de um parecer do jurídico. Nesse momento Parente o interrompeu "Você está brincando! Agora quem está com inveja sou eu, porque preciso de parecer do jurídico, da contabilidade, da área de conformidade, da tributária. São no mínimo cinco ou seis pareceres para cada decisão!".

O temor dos funcionários da petroleira fica evidente na elaboração dos pareceres. Segundo Parente, eles listam uma série de riscos, mas não dizem que apesar dos riscos e das atividades mitigadoras a decisão deve prosseguir ou ser interrompida. Na semana passada houve uma reunião com toda a média gerência da empresa para tratar desses problemas. "A melhor maneira de não correr riscos é não fazer nada", comentou.

Citou, ainda, um exemplo concreto do nível de dificuldade que a direção enfrenta: a Petrobras estava com alguns cascos de plataformas em poder de uma das empresas envolvidas na Operação Lava-Jato e que estava sob administração de uma contratada. Era preciso fazer um acordo com a empresa para retirar esses cascos antes que ela entrasse em recuperação judicial, para evitar um atraso na produção cujo custo para a estatal é imenso. Essa era uma discussão sobre renúncia de direito, o que, por si só, já é um problema para qualquer funcionário público. A estatal tinha um direito contra o estaleiro que estava falido. A máquina da Petrobras teve enorme dificuldade de lidar com esse caso, comentou.

Para superar o trauma que ficou nas pessoas que trabalham na estatal - dano que causa prejuízos intangíveis - é preciso um trabalho de gestão da cultura da empresa e muita transparência. "As pessoas tem que entender que Petrobras está lá para operar e não para não operar", sublinhou.

A recuperação da petroleira não tem sido um caminho fácil. Além dos problemas econômico-financeiros, do programa de desinvestimentos, a área de recursos humanos enfrenta, segundo o presidente da companhia, pelo menos dois desafios: administrar o impacto negativo do fim do projeto irrealista dos governos do PT e do fim da hegemonia do sindicato, que beneficiou os funcionários da empresa com aumentos salariais superiores à inflação por vários anos. Como a estatal quase quebrou, hoje ao menos eles vêm que há um plano consistente de recuperação.

Parente disse que não saberia mensurar o tempo necessário para sanear a companhia e curar os danos "emocionais" sobre o corpo de funcionários, deixados pelo propinoduto desvendado no curso da Lava-Jato.

Ele espera, no entanto, que seja possível até o fim de 2018, antes da troca de governo, criar um conjunto de regras para que quem vier lhe suceder se veja obrigado a prosseguir na linha da boa governança. Esse arcabouço deve abarcar a política de preços dos combustíveis - determinados pelo mercado internacional do óleo -, a não interferência política na direção da empresa e a tomada de decisões em total acordo com as responsabilidades econômico-financeiras da petroleira

Antes de ser sancionada a nova lei das estatais, no fim de julho de 2016, ainda houve duas tentativas de emplacar nomeações políticas na Petrobras. Elas foram resolvidas por um simples telefonema em que Parente disse que isso não era o combinado, contou ele sem revelar os interlocutores que, segundo comentou, entenderam sem maiores discussões. Caso encerrado.

A Petrobras se prepara para as licitações das oito áreas do pre-sal em outubro. Ele confirmou que a empresa pretende exercer o direito de preferência sobre três dessas áreas (Sapinhoá, Peroba e Alto de Cabo Frio Central).

O regime de partilha não se mostrou um problema para a exploração do pré-sal, considerou, mas a exigência de que a Petrobras fosse operadora única em todos os poços levou a um atraso de pelo menos dez anos. Hoje, alegou, o país poderia estar com uma série de campos de petróleo em produção, caso a regra não tivesse existido.

A definição estratégica é que ela seja uma empresa integrada de óleo e gás e este, em uma economia de baixo carbono, terá que assumir maior participação no portfólio da Petrobras. A produção de gás será crescente e o preço do gás será compatível com a cotação externa.

O plano para a indústria naval que levou o governo do PT a incentivar a construção de mais de meia dúzia de novos estaleiros foi produto da "megalomania". A Petrobras não terá novas encomendas para essas instalações e os que não forem viáveis terão que procurar um outro destino, para desespero de quem acreditou.

 

CLAUDIA SAFATLE É DIRETORA ADJUNTA DE REDAÇÃO E ESCREVE ÀS SEXTAS-FEIRAS

E-mail: claudia.safatle@valor.com.br

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4302, 21/07/2017. Brasil, p. A2.