Correio braziliense, n. 19733, 06/06/2017. Brasil, p. 6

 

Negros assassinados 

Luana Melody Brasil 

06/06/2017

 

 

VIOLÊNCIA » Mortes em confronto cresceram 18,2% na população afrodescendente entre 2005 e 2015, enquanto se reduziram 12,2% para os outros grupos sociais. Homens morrem mais, porém as mulheres estão se tornando muito mais vulneráveis aos crimes

No Brasil, um dos países em que mais se mata no mundo, a população negra continua sendo a principal vítima quando comparada a outros grupos sociais. Entre os brasileiros em geral, houve 28,9 assassinatos por 100 mil habitantes no período de 2005 a 2015, segundo levantamento do Atlas da Violência 2017, divulgado ontem pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Entre os negros, foram 37,7 por 100 mil.

Os homens negros morrem muito mais, só que as mulheres têm se tornado vulneráveis com maior velocidade. O número de afrodescendentes assassinadas aumentou e ficou bem acima da média observada na população feminina em geral.

Enquanto a mortalidade por homicídio de mulheres brancas, indígenas e amarelas caiu 7,4% no período analisado, passando para 3,1 mortes para cada 100 mil mulheres, a mortalidade da população feminina negra teve um aumento de 22%, chegando à taxa de 5,2 mortes para cada 100 mil. A média nacional de mulheres assassinadas é de 4,5 para cada 100 mil habitantes.

No mesmo período, o número de assassinatos de negros em geral cresceu 18,2%, sendo que a quantidade de mortos entre os não negros diminuiu 12,2%. Outro dado também traz alerta sobre a vulnerabilidade do grupo feminino: o índice de negras que já foram vítimas de agressão subiu de 54,8% para 65,3% entre 2005 e 2015.

De acordo com o estudo do Ipea, que utilizou dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Ministério da Saúde, essa realidade se deve à combinação de desigualdade de gênero e racismo, características marcantes da sociedade brasileira que, somente nos últimos anos, tem ganhado centralidade nas discussões sobre políticas de combate à violência no país.

Pesquisadora do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros da Universidade de Brasília (UnB), Marjorie Nogueira traz outra explicação para o aumento de assassinatos de mulheres negras comparado à diminuição do mesmo índice em relação a outros grupos femininos: “As negras vivenciam a discriminação institucional, além das outras discriminações raciais. Elas não têm o mesmo acesso aos serviços de saúde e da Justiça que as mulheres brancas têm, então existe um problema para que elas denunciem casos de violência”, observa.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil ocupa o quinto lugar no ranking mundial de feminicídio, homicídio cujo motivo da morte está relacionado ao fato de a vítima ser mulher. Ainda de acordo com o relatório elaborado pelo Ipea, as maiores taxas de mortalidade de mulheres negras foram registradas no Espírito Santo (9,2), Goiás (8,7), Mato Grosso (8,4) e Rondônia (8,2).

Das 27 unidades da Federação, apenas sete tiveram redução na taxa de morte de mulheres negras por homicídio entre 2005 e 2015: São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Paraná, Amapá, Roraima e Mato Grosso do Sul. Segundo o atlas desenvolvido pelo Ipea, em 2015 foram assassinadas 4.621 mulheres, o que significa uma média de 12 mulheres mortas por dia no país naquele ano. No entanto, o índice de assassinatos de mulheres no Brasil poderia ser ainda maior. Muitos casos de homicídio de mulheres não são notificados como feminicídio.

Em três semanas de 2015, foram assassinadas mais pessoas do que o total de mortos em todos os ataques terroristas dos cinco primeiros meses de 2017. Ao todo, foram 498 atentados, que resultaram em 3.314 mortos, de acordo com dados do Mapa do Terrorismo, elaborado pelas organizações Esri Story Maps e PeaceTech Lab.

A comparação foi feita pelo Atlas da Violência 2017, elaborado pelo Ipea em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Segundo o atlas, só no ano de 2015, foram registrados 59.080 homicídios, uma taxa de 28,9 pessoas por 100 mil habitantes ou 161 pessoas assassinadas por dia. “Esses dados revelam uma persistência da taxa de homicídios e uma consolidação do crescimento da violência no país nas últimas décadas”, avalia Daniel Cerqueira, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea e coordenador do Atlas da Violência.

Há apenas dois anos foi promulgada a Lei nº 13.104, conhecida como Lei do Feminicídio, que torna o assassinato de mulheres um crime hediondo quando envolve violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação ao gênero feminino. Outra lei importante e reconhecida mundialmente no combate à violência contra a mulher é a Lei Maria da Penha, que em agosto completará 11 anos.

“Tivemos avanços com leis significativas nos últimos anos, mas ainda estamos engatinhando na discussão da violência contra a mulher. É uma violência cultural, um problema naturalizado na sociedade. Até a década de 1970, o homem que matava a mulher era absolvido por legítima defesa”, observou Cerqueira.