Correio braziliense, n. 19731, 04/06/2017. Economia, p. 8

 

Crise política põe em risco início da retomada

Antonio Temóteo 
04/06/2017
 
 
CONJUNTURA » Desemprego, juros e inflação em queda, e produção em alta mostram que há boas chances de o país ter crescimento sustentado. Mas a incerteza na aprovação de reformas coloca em dúvida a continuação desse processo

O Brasil está em uma bifurcação. De um lado, está a volta do desenvolvimento. De outro, a reversão do processo de retomada. Empurram o Brasil para a rota virtuosa o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 1% no primeiro trimestre deste ano, em relação ao fim de 2016, o processo de corte de juros e o de queda da inflação. O emprego já apresenta sinais de reação, ainda que não de forma firme e sustentada.

Para o lado indesejado, porém, as forças estão longe de ser desprezíveis: deficit nas contas públicas, baixa competitividade das empresas e infraestrutura precária. O maior problema, porém, exatamente por dificultar a eliminação de todos os anteriores, é a crise política. Com ela, fica difícil a aprovação de reformas econômicas para reequilibrar as contas públicas e impulsionar a produtividade no país.

Sem previsão de quando o país voltará definitivamente para os trilhos, os investidores ficam em compasso de espera e o PIB continua a derrapar. A queda do risco país, que, durante a gestão de Dilma Rousseff, ultrapassou os 500 pontos, deixou de ser um trunfo da equipe econômica. Em 15 de maio, os Credit Default Swaps (CDS) do país, uma espécie de seguro contra o calote, chegaram a 199 pontos e eram um indicador de que o Brasil parecia se recuperar. Após as delações dos irmãos Batista comprometerem a credibilidade do presidente Michel Temer e de integrantes do governo, os CDS subiram para 237 pontos.

A dificuldade do Brasil só não é maior porque o ambiente internacional continua favorável às moedas emergentes e o preço das commodities ajuda as exportações agrícolas e de minério, ainda que a demanda global esteja longe de ser exuberante. As vendas para outros países e a recomposição de estoques da indústria sustentaram o crescimento de 1% do PIB no primeiro trimestre. Apesar de o resultado positivo interromper uma série de oito quedas consecutivas, não há clareza de que o país deixou a recessão. E, mesmo que no próximo trimestre, haja crescimento, possibilidade pouco provável para boa parte do mercado, o nível de atividade continua baixo.

Com a instabilidade política, somente a queda de juros tem sido um impulso favorável ao crescimento. Entretanto, a economista-chefe da CM Capital Markets, Camila Abdelmalack, alerta que a queda na taxa básica ainda não foi repassada para as linhas de financiamento oferecidas pelas instituições financeiras para empresários e consumidores. Além disso, com desemprego em alta e paralisia nos investimentos, a demanda por crédito continua baixa. “O que temos visto desde o ano passado são companhias fazendo reestruturação ou reduzindo suas plantas para se adequar à nova realidade. Não há perspectiva de melhoria no curto prazo”, diz.

E mesmo o processo de queda de juros está sob ameaça. Após a última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que reduziu a Selic em um ponto percentual, para 10,25% ao ano, o Banco Central (BC) sinalizou que o nível de incertezas e os riscos políticos podem levar a equipe de Ilan Goldfajn a reduzir o ritmo de cortes. Reservadamente, alguns analistas temem que, se o imbróglio não se resolver, o ciclo de queda de juros pode ser interrompido.

Outro indicador que prejudica a recuperação, explica Camila, é a perspectiva negativa atribuída ao país pelas agências de classificação de risco. As três mais importantes, Standard & Poor’s (S&P), Fitch e Moody’s, revisaram suas análises após a crise política. Essa sinalização influencia investidores, que freiam aplicações no Brasil. “Todo o processo de melhora da atividade será lento e a transmissão para a economia real vai demorar ainda mais. A situação não é boa”, afirma.

Sem confiança

Nas contas de Camila, o país crescerá apenas 0,5% em 2017, mas, se o problema político persistir, o risco de recessão, pelo terceiro ano consecutivo, aumenta. “A situação é delicada com empresas e famílias alavancadas. Além disso, a confiança em baixa se traduz em paralisia. Tudo isso só atrapalha a recuperação do Brasil”, comenta.

Pelas contas da Fundação Getulio Vargas (FGV), o maior efeito das turbulências será sentido em 2018, ano eleitoral, e não em 2017. A instituição de ensino estima que as incertezas em relação ao futuro do governo e da aprovação das reformas trabalhista e da Previdência Social possam tirar entre 0,4 e um ponto percentual do PIB no ano que vem. Com isso, em vez de crescer 2,4%, o país avançaria apenas 1,4%. Para este ano, a FGV reduziu a estimativa de crescimento de 0,4% para 0,2%.

A falta de confiança é a principal trava para a recuperação da economia, explica a economista-chefe da ARX Investimentos, Solange Srour. Ela detalha que, sem perspectiva de aprovação das reformas e de continuidade de uma agenda liberal nos próximos anos, os investimentos continuarão a despencar, o desemprego continuará a crescer e as famílias continuarão endividadas. “Além da crise política atual, o risco eleitoral de 2018 é grande. Não há clareza se teremos um governo pró-mercado ou intervencionista. Isso pesa na balança para a recuperação.”

Frase

“A situação é delicada com empresas e famílias alavancadas. Além disso, a confiança em baixa se traduz em paralisia. Tudo isso só atrapalha a recuperação do Brasil”

Camila Abdelmalack, economista-chefe da CM Capital Markets