O Estado de São Paulo, n. 45198, 17/07/2017. Política, p. A4.

 

Lava Jato em Curitiba tem 244 procedimentos abertos

 Ricardo Brandt / Julia Affonso / Fausto Macedo

17/07/2017

 

 

Força-tarefa. Operação ainda investiga desdobramentos em casos como a compra de Pasadena, palestras de Lula, a construção de Belo Monte e improbidade de PT e PMDB

 

 

Após a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo juiz Sérgio Moro e passados quase três anos e meio de investigações, a Operação Lava Jato em Curitiba tem ainda 244 inquéritos e procedimentos abertos e 40 ações penais em andamento na Justiça Federal. Aguardam a conclusão apurações sobre corrupção na Petrobrás, como a compra da Refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, e propinas em contratos de plataformas de exploração do pré-sal, de comunicação e de marketing, além de palestras do petista, desvios na construção da Usina de Belo Monte e suspeitas de improbidade de PT e PMDB.

Os trabalhos em curso devem resultar em novas fases da operação, com pedidos de prisões e de buscas e apreensões – já foram realizadas 41 etapas.

“Há centenas de pessoas sob investigação, e novas linhas de trabalho não param de surgir. Há áreas da Petrobrás em que a apuração ainda está amadurecendo, como a de comunicação e a de serviços terceirizados”, afirmou ao Estado o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa no Paraná. “Ninguém aqui pode reclamar de falta de trabalho.”

Com desvios de mais de R$ 10 bilhões identificados na Petrobrás em negócios entre 2004 e 2014, a Lava Jato em Curitiba precisa apresentar à Justiça Federal denúncias contra empreiteiras por crimes de cartel e fraude em licitações. O Ministério Público Federal (MPF) dividiu as acusações e iniciou os processos pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa – já são 64 denúncias.

A força-tarefa também vai investir na propositura de ações cíveis contra construtoras e partidos – são oito processos abertos atualmente –, pedindo o ressarcimento de R$ 14 bilhões aos cofres públicos. Apenas o PP foi acionado na Justiça – os procuradores cobram R$ 2 bilhões pelos supostos prejuízos causados à Petrobrás. PT e PMDB devem ser os próximos.

“Há também todos os desmembramentos da Odebrecht (que fez delação com 78 executivos e ex-executivos) que ficaram em Curitiba, só aí perto de 50 investigações. Inúmeras ações cíveis contra a corrupção estão pendentes. Bancos poderão ser chamados a responder por prejuízos decorrentes de falhas dos sistemas de compliance, no Brasil e no exterior”, afirmou Dallagnol.

 

Frentes. Em outra ponta da força-tarefa, iniciada em 2015, a Lava Jato ganhou o reforço do Ministério Público da Suíça, com a identificação de cerca de mil operações financeiras suspeitas de investigados no Brasil.

Dois anos depois, mais da metade do material não foi enviada aos procuradores brasileiros. São dados de contas, nomes de suspeitos, entre eles políticos e agentes públicos, e de movimentações financeiras. Os pedidos de cooperação internacional saltou de 183, em março deste ano, para 279.

“Apenas a delação premiada da Odebrecht colocou sob suspeita quase um terço dos senadores e dos ministros e quase metade dos governadores. Vemos grande parte da classe política à espreita, aguardando apenas uma boa oportunidade para se livrar do risco de prisão”, afirmou Dallagnol.

O procurador apontou o suposto sufocamento da Polícia Federal, os ataques ao instituto da delação premiada e a proposta de anistia ao caixa 2 como reações da classe política aos avanços da Lava Jato.

Para Dallagnol, há “uso político” dos fatos descobertos pela força-tarefa. “A recente condenação de Lula é um exemplo. Correligionários alegaram que não há provas e opositores afirmaram que há provas abundantes. Você acha que a maior parte deles está realmente preocupada com qual é a verdade sobre os crimes julgados?”

Segundo o criminalista Antonio Figueiredo Basto, advogado de delatores como o doleiro Alberto Youssef, o empresário Ricardo Pessoa, da UTC e o senador cassado Delcídio Amaral, o núcleo político do esquema descoberto na Petrobrás é o único ainda não atingido efetivamente – hoje esse grupo está no foco das investigações.

“A Lava Jato mostrou que o crime não compensa. Agora, se uma Lava Jato não conseguir fulminar o núcleo político, ela não vai atingir seu objetivo. Não existiria corrupção, se não houvesse a leniência dos políticos”, afirmou o criminalista.

 

Investigações. Iniciada em 2014, Lava Jato já deflagrou 41 fases e identificou desvios de R$ 10 bilhões na Petrobrás

 

Trabalho

“Há centenas de pessoas sob investigação, e novas linhas de trabalho não param de surgir. Há áreas da Petrobrás em que a apuração ainda está amadurecendo, como a de comunicação e a de serviços terceirizados.”

 

“Ninguém aqui pode reclamar de falta de trabalho.”

Deltan Dallagnol

PROCURADOR DA REPÚBLICA E COORDENADOR DA FORÇA-TAREFA

 

“A Lava Jato mostrou que o crime não compensa. Agora, se uma Lava Jato não conseguir o fulminar o núcleo político, ela não vai atingir seu objetivo.”

Antonio Figueiredo Basto

CRIMINALISTA

 

Balanço

48

investigações foram abertas com base na delação da Odebrecht

 

154

é o número de condenações na Lava Jato

 

64

denúncias criminais foram apresentadas

 

281

é o número de investigados

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Delegado diz que ações pelo País levam a ajustes

Ricardo Brandt

17/07/2017

 

 

Segundo agente do PR, redução no número de investigadores não tem apelo político e Estados demandam reforços

 

 

Enquanto o Ministério Público Federal destaca as múltiplas tarefas ainda a serem concluídas pelos investigadores da Lava Jato e aponta para um suposto esvaziamento da operação, a Polícia Federal nega qualquer interferência política na decisão de pôr fim ao grupo de trabalho que atuava no Paraná. O delegado Igor Romário de Paula, coordenador da equipe, afirmou que a redução de nove para quatro no número de delegados se deve a um ajuste para “otimizar” o trabalho dos agentes.

Com as investigações espraiadas Brasil afora, a PF tem de atuar em casos decorrentes da Lava Jato em 16 Estados atualmente. As duas principais frentes fora de Curitiba são as do Rio e do Distrito Federal.

“Se antes eu conseguia um número maior de policiais do Rio de Janeiro para trabalhar aqui, especializados nesse tipo de investigações, não faz sentido o Rio liberar para trabalhar aqui se eles estão precisando de reforços. Então esses já não vêm mais. O que eu conseguia em Brasília, esses nem se fala”, afirmou o delegado.

 

‘Realidade’. Igor disse que o ajuste foi uma “necessidade da investigação”. “Não foi uma necessidade de recursos financeiros, mas sim de adequar o recurso pessoal de gente capacitada para a realidade que a gente tem”, afirmou o agente federal.

“Foi uma decisão nossa, não foi uma decisão de Brasília. Foi uma decisão de caráter exclusivamente operacional. Não tem nenhum tipo de interferência, recado para segurar as investigações, parar os procedimentos. Foi uma decisão administrativa, do ponto de vista operacional, para dar continuidade aos trabalhos”, disse o delegado do Paraná.