Título: Greve de PMs e segurança pública
Autor: Veloso, Carlos Mário da Silv
Fonte: Correio Braziliense, 16/02/2012, Opinião, p. 21

Advogado, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) e da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG), foi presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

Em entrevistas e artigo, manifestei-me no sentido de que a greve dos policiais militares causa preocupação. Homens que portam armas, responsáveis pela preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (C.F., art. 144), não podem fazer greve.

Escrevi que a Constituição, art. 39, dispõe a respeito dos servidores públicos civis da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. E, no art. 42, aos militares estaduais, aos quais são aplicadas disposições do art. 142, § 3º por força do disposto no § 1º do art. 42. E, no § 3º, inciso IV, do art. 142, estabelece-se que "ao militar são proibidas a sindicalização e a greve".

É dizer, os militares das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros, forças auxiliares e reservas do Exército (C.F., art. 144, § 6º), não podem fazer greve. É que, conjuntamente com a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Ferroviária Federal e as Polícias Civis se responsabilizam, diretamente, pela preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, cada uma dessas instituições agindo no campo próprio de atuação (C.F., art. 144, I a V e §§).

Registrei que, tal como acontece com as Forças Armadas, as Polícias e os Corpos de Bombeiros Militares são organizados com base na hierarquia e na disciplina (CF, artigos 42 e 142). Homens que portam armas, se não estiverem submetidos à disciplina e à hierarquia, viram bandos armados. As armas a eles confiadas para a manutenção da ordem pública e da incolumidade das pessoas, passam a ser fonte de insegurança.

Anotei que houve quem afirmasse que o direito de greve estaria assegurado aos militares estaduais como um direito fundamental. Que nos perdoem, mas esse achismo jurídico chega a ser "chutanismo" irresponsável. A Constituição não assegura aos militares estaduais o direito de greve. Ao contrário, veda, expressamente. E, mesmo o direito de greve dos servidores civis, escrevi, não está no capítulo dos direitos individuais e coletivos, nem dos sociais, mas no da Administração Pública, que "será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica", lei ainda inexistente (art. 37, VII).

Lembrei, em artigo, que os governantes devem compreender que é preciso cumprir, com rigor, a lei e a Constituição. O ministro Paulo Brossard, que sabe mais do que o direito, costumava dizer, no STF, que algumas autoridades temem ser tidas como autoritárias só por cumprir a lei. O certo, entretanto, é que o seu não cumprimento gera insegurança e fora da lei não há salvação, sentenciou Rui.

De seu lado, é necessário que os governantes reconheçam que o salário pago aos policiais militares em certos estados é irrisório, o que demanda providências porque a segurança pública é da maior importância. A população não terá segurança se não remunerados, condignamente, seus responsáveis diretos, os policiais militares e civis.

Por isso, mencionei que a PEC 300, que estabelece piso salarial dos policiais, deve, com os aperfeiçoamentos necessários, ser considerada, instituindo a União um fundo para complementação de tais salários. Assinale-se que, quanto às polícias Civil e Militar do Distrito Federal, são elas mantidas pela União (C.F., art. 21, XIV). E o DF arrecada impostos estaduais e municipais. Certo é que, tendo em vista a relevância da segurança pública, dela deve a União participar de forma preeminente.

Há, ademais, outras questões carecedoras de exame e estudo. Por exemplo: os militares estaduais ficam certo tempo na ativa, inativando-se, compulsoriamente, ainda moços. Então, o que ocorre: oficiais, em pleno vigor físico e mental, são mandados para a reserva, quando, em razão da experiência acumulada, poderiam prestar excelentes serviços. Conheço coronéis inativados com menos de 50 anos de idade.

Há estados em que o número de coronéis na reserva é maior do que o dos coronéis na ativa. Isso, além de altamente dispendioso, ocorre em detrimento da segurança pública. E convém esclarecer, fazendo justiça, que esses oficiais, inativados compulsoriamente, preferiam ficar no serviço ativo. Se a matéria fosse encarada racionalmente, ganharia a segurança pública e sobraria dinheiro para melhor remuneração dos militares estaduais.

Outra questão que mereceria exame diz respeito ao número de graduações e patentes. Parece-me que, quanto às praças, bastariam o soldado e o sargento. E quanto aos oficiais, o capitão, o major e o coronel. Isso também diminuiria despesas.

Não admitir a greve de militares porque inconstitucional é obrigação dos governantes. Estes, entretanto, devem reconhecer que há coisas a serem pensadas e a serem feitas, no ponto, em prol da segurança pública — dever do Estado e responsabilidade de todos.