O Estado de São Paulo, n. 45198, 17/07/2017. Internacional, p. A10.

 

Plebiscito simbólico mobiliza milhares contra mudança constitucional chavista

17/07/2017

 

 

Venezuela. Consulta popular da oposição tem forte participação, apesar de ser extraoficial e não ter o poder de barrar eleição para Constituinte marcada pelo governo para o dia 30; uma eleitora foi assassinada a tiros e três ficaram feridas em ataque de motociclistas

 

 

Milhares de venezuelanos enfrentaram horas de fila ontem para votar contra o plano chavista de mudar a Constituição. Apesar de ser uma consulta extraoficial, sem poder legal de barrar a Constituinte convocada pelo governo para o dia 30, a forte assistência – chegaram a faltar cédulas – será usada para pressionar o presidente Nicolás Maduro. Uma eleitora foi morta a tiros, em um ataque de motociclistas que ainda feriu três mulheres.

Mais de 67% das 14.300 urnas haviam sido apuradas até a noite de ontem, segundo a Mesa da Unidade Democrática (MUD). “Superamos as expectativas”, disse o dirigente opositor Freddy Guevara. Nas eleições parlamentares de 2015, 7,7 milhões votaram na oposição e permitiram que ela rompesse a supremacia chavista no Congresso.

A cédula do plebiscito continha três consultas. O eleitor foi questionado se é contra a formação de uma Assembleia Constituinte em duas semanas, se Maduro deve chamar eleições livres e se funcionários públicos e militares devem defender a Constituição.

A estratégia é expor a oposição da maioria da população à tentativa de Maduro de alterar a Carta aprovada em 1999 por seu mentor, Hugo Chávez, morto em 2013. Os antichavistas trabalham agora pelo boicote à iniciativa do governo.

A oposição decidiu não apresentar candidatos na eleição que decidirá a composição da Constituinte. Já o chavismo colocou na lista nomes populares, como a primeira-dama Cilia Flores, a ex-chanceler Delcy Rodríguez e o deputado Diosdado Cabello, uma referência na linhadura do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV).

Maduro, segundo a oposição, usará a nova Carta para tirar de vez os poderes do Congresso, cuja maioria é opositora desde dezembro de 2015. O governo também pretende afastar a procuradora-geral, Luisa Ortega Díaz, chavista dissidente.

A alta participação fez com que algumas ruas de Caracas chegassem a ficar bloqueadas. “E já caiu! E já caiu, este governo já caiu”, cantavam opositores na capital, enquanto motoristas seguiam o ritmo com buzinaços. Urnas chegaram a ficar abertas quatro horas além do previsto em razão de filas, mesmo em bairros considerados chavistas.

A votação teve um grave episódio de violência. Xiomara Scott, de 61 anos, foi morta com um tiro no abdômen perto de um centro de votação no bairro de Catia, no oeste de Caracas. Motociclistas dispararam contra ela e três mulheres em meio a centenas de eleitores em fila. Houve pânico e parte da população se refugiou em uma igreja. Com esse caso, chegaram a 96 as mortes ligadas aos protestos contra o governo, que começaram em abril.

“Não havia ocorrido nada grave, nenhuma tragédia a lamentar, mas Maduro e seu regime viram a grande participação no plebiscito”, disse a ex-deputada María Corina Machado, ao responsabilizar grupos ligados ao governo pelo crime.

Maduro fez uma declaração ao final da votação. “Eu lhes digo, não se transformem em loucos. Faço um chamado para que voltem à paz, à Constituição, para que se sentem a conversar.” Depois de a oposição ter marcado o plebiscito, o chavismo convocou também para ontem uma simulação da eleição para a Constituinte. Milhares de chavistas, em geral com peças de roupas vermelhas, foram a esses centros de votação para mostrar apoio ao governo. “Felicito o povo, devemos ter consciência de que as diferenças que temos no país devemos resolver em paz, com votos e não com balas”, completou Maduro.

A militante chavista Nikkar Alonzo orientava apoiadores. “O que você tem de fazer é buscar nove militantes ativos na revolução, ou que sejam simpatizantes nossos. Quem somos? O povo, o povo de Chávez, o que segue o legado de nosso comandante”, pregava./AFP e EFE