O Estado de São Paulo, n.45195 , 14/07/2017. Política, p.A8

 

‘Quem pode decretar meu fim é om povo’, afirma Lula

EX-PRESIDENTE SENTENCIADO / Em pronunciamento após ser condenado, Lula diz que, agora, vai reivindicar no PT a vaga de candidato da sigla para as eleições de 2018

Por: Valmar Hupsel Filho / Marcelo Osakabe

 

Valmar Hupsel Filho

Marcelo Osakabe

 

Na primeira manifestação pública após ser condenado a 9 anos e 6 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na Operação Lava Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que a sentença do juiz Sérgio Moro – “sem provas” e com “componente político muito forte” – o incentivou a reivindicar no PT o direito de ser o candidato da legenda à Presidência em 2018.

“Há uma tentativa de me tirar do jogo político, mas quem acha que é o fim do Lula vai quebrar a cara, porque, na política, somente quem tem o direito de decretar meu fim é o povo brasileiro”, afirmou o petista durante pronunciamento na sede do partido, em São Paulo.

Cerca de 24 horas depois da divulgação da sentença de Moro relativa ao triplex no Guarujá, o ex-presidente reuniu senadores e deputados petistas e de partidos aliados, militantes da sigla e representantes de movimentos sociais. Em frente ao edifício, cerca de 300 pessoas fizeram ato de apoio ao petista.

Ao lado da presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), do escritor Raduan Nassar e de seu advogado, Cristiano Zanin Martins, Lula começou o “discurso” afirmando que não se pronunciou anteontem, dia da sentença, porque queria assistir ao jogo do Corinthians e não teve “tempo”. “Primeiro vamos ver o Corinthians resolver o problema com o Palmeiras”, disse, provocando risadas e aplausos da claque que acompanhou o pronunciamento.

Ele também ironizou um trecho da sentença. “O juiz Moro tem um otimismo para comigo, porque na peça de condenação de 19 anos sem exercer um cargo significa que ele admite que eu possa ser candidato em 2036”, afirmou o petista.

Depois de um início descontraído, o petista mudou o tom para criticar o magistrado e a força-tarefa da Operação Lava Jato. Lula lembrou que, em outubro do ano passado, em um artigo publicado, ele já previa sua condenação.

Segundo o ex-presidente, seus “acusadores” criaram uma narrativa amplificada pela imprensa e não poderiam voltar atrás. “Meus acusadores estão condenados a me condenar e, se não me prenderem, serão eles os desmoralizados perante a opinião pública”, disse Lula ao ler um trecho do artigo.

Antes de Lula, a presidente do PT leu manifestações internacionais de apoio ao ex-presidente que chegaram da Alemanha, Cuba, Equador, Uruguai e uma enviada pelo presidente da Bolívia, Evo Morales. Gleisi aproveitou para repetir o discurso adotado por petistas após a condenação do ex-presidente de que “uma eleição sem Lula é fraude”.

Para Lula, existe uma “caçada” contra ele como parte da disputa política. “Não é o Lula que pretendem condenar. É o projeto político que representa milhões de brasileiros. Na tentativa de destruir uma linha de pensamento estão destruindo um fundamento da democracia”, afirmou o petista.

 

‘Fraude’. Lula disse ainda que já imaginava como o processo ia terminar. “Prestei vários depoimentos e era visível que o que menos importava era o que você falava. Eles já estavam com a concepção da condenação pronta.” Segundo ele, o juiz usou a teoria do “domínio do fato” travestida da palavra “contexto” para condená-lo. “A única prova que tem neste processo é a prova da minha inocência”, disse. “Moro tem que prestar conta para a história.”

Sobre Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, o petista afirmou que o empresário, já condenado, o delatou após assistir a um programa na televisão que mostrou a “vida boa” de delatores. “Ora, o Léo Pinheiro pensa: ‘Por que não vou delatar? Esse Lula não é meu parente nem nada. Por que vou ficar na cadeia por causa dele?’.”

Para o petista, sua condenação é parte do “golpe” que teve início no impeachment da presidente cassada Dilma Rousseff. “Eu sempre tive consciência de que o golpe não fechava. Se Lula pudesse ser candidato, o golpe não fechava”, disse.

Lula permaneceu todo o dia na sede do PT, onde recebeu aliados como o governador da Paraíba, Ricardo Coutinho (PSB), a senadora Jandira Feghali (PC do B-RJ) e o deputado Waldir Maranhão (PP-MA).

 

Discurso. Lula, entre a senadora Gleisi Hoffmann e o escritor Raduan Nassar , durante pronunciamento na sede do PT, em São Paulo , depois de ser condenado na Operação Lava Jato

 

Pena

Na decisão, Sérgio Moro também proibiu o petista de exercer cargo ou função pública por causa da condenação por lavagem de dinheiro.

 

 

Triplex

Moro condenou Lula no caso relativo ao triplex. Segundo a sentença, o petista recebeu R$ 2,2 milhões em propinas da OAS por meio do imóvel.

 

 

Provas

Segundo Moro, “provas documentais corroboram depoimentos” que atribuem a Lula e Marisa Letícia a propriedade do triplex no Guarujá.

 

Léo Pinheiro

Em depoimento, o empreiteiro afirmou que o triplex era de Lula e ainda relatou que o petista teria ordenado a destruição de provas.

 

 

 

 

 

Análise deve ocorrer antes da eleição, afirma TRF-4

Por: Luciano Nagel

 

Luciano Nagel

ESPECIAL PARA O ESTADO

PORTO ALEGRE

 

O desembargador Carlos Thompson Flores, presidente do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, disse ontem que o processo em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado a 9 anos e meio será julgado em segunda instância antes das eleições de 2018. “Eu acredito que este recurso será julgado no máximo até agosto do ano que vem. Porque esta é a média de tempo que estão levando os processos da Operação Lava Jato”, afirmou o desembargador ao Estado.

Se o ex-presidente Lula não for julgado antes e, eventualmente, vencer o pleito, Flores afirmou que o processo seria remetido ao Supremo Tribunal Federal, pois ações penais contra presidentes são julgadas na Corte. “Mas isso é somente uma hipótese”, disse.

No TRF-4, o processo será julgado por três desembargadores: João Pedro Gebran Neto, Victor Luiz dos Santos Laus e Leandro Paulsen . “São eles que irão decidir se aprovam ou não a condenação de Lula. Os advogados poderão fazer suas sustentações orais, assim como o Ministério Público”, disse.

O ex-presidente Lula foi condenado a 9 anos e meio pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A condenação do juiz federal Sérgio Moro, da 13.ª Vara Federal de Curitiba, é a primeira do ex-presidente na Lava Jato – há outras quatro ações contra Lula relativas à operação e outras investigações. Moro não decretou a prisão do petista, segundo ele, para evitar “traumas”.

 

Ritmo

O presidente do TRF-4 disse que, até hoje, das 32 sentenças de Moro, 28 foram alvo de apelações. Do total de recursos, 12 foram julgados e 16 estão em vias de julgamento

 

 

 

 

 

 

Lula recorre a 'fake news' em reação

Por: Vera Magalhães

 

ANÁLISE: Vera Magalhães

 

Lula perdeu qualquer compromisso com os fatos. Como não foram permitidas perguntas de jornalistas no pronunciamento de ontem, tratou-se, na verdade, de um monólogo, no qual Lula disse que foi perseguido por um conluio envolvendo Judiciário, Ministério Público, partidos políticos, imprensa, Polícia Federal, empreiteiros, demais delatores e outros culpados.

Entre outras “fake news”, afirmou que Léo Pinheiro decidiu dar depoimento contra ele depois de ver uma reportagem no Fantástico, da Globo, que mostrava as maravilhas da delação premiada – quando a delação, ainda nem fechada, foi negociada bem antes e ele já não está em regime fechado há meses.

Falou várias vezes que não há “nenhum papel”, fala sobre a rasura no documento – que foi periciado pela PF – como algo plantado por “eles”.

Foi um pronunciamento que não se preocupou em responder a nenhuma das imputações factuais da sentença, misturou política e processo, inventou denúncias e circunstâncias de depoimentos e mostrou um político que resolveu recorrer ao cinismo e ao messianismo como últimas trincheiras.

 

 

 

 

 

PT rejeita plano B para 2018, por ora

Por: Pedro Venceslau / Valmar Hupsel Filho

 

BASTIDORES: Pedro Venceslau e Valmar Hupsel Filho

 

Um dia depois do juiz Sérgio Moro condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a 9 anos e 6 meses de prisão, o PT colocou a defesa dele no topo das prioridades da legenda e passou a repetir em uníssono um discurso que já estava ensaiado na véspera.

“Não aceitaremos um processo eleitoral em que a maior liderança popular da história desse país seja impedida de se candidatar. Uma eleição sem o presidente Lula é uma fraude”, resumiu a senadora Gleisi Hoffmann (PR), presidente nacional da legenda.

Em linhas gerais, o plano é boicotar a eleição presidencial e focar todas as energias nas eleições para o Congresso e governos em 2018. Pelo menos dois interlocutores que estiveram com Lula dizem que o objetivo é unificar a esquerda e os movimentos sociais em torno da defesa e da pré-candidatura dele.

Mas, se confirmada a decisão de Moro na segunda instância, o próprio Lula vai ungir seu substituto – e ele não necessariamente será um petista. Ciro Gomes (PDT) não é o preferido. E Fernando Haddad (PT) está cotado.